AGRAVO REGIMENTAL E PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. NOTÍCIA CRIME OFERTADA CONTRA DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO E PROCURADOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APOSENTADO. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEI MARIA DA PENHA . MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. FUMUS BONI IURI E PERICULUM IN MORA. LEI 11.340 /2006. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA. 1- Notícia crime oferecida por S. P. M. C. e M. T. P. M. C. contra J. D. P. M. C., Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e A. C., Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, atualmente aposentado, narrando que, conforme ocorrência policial, compareceram à Delegacia da Mulher para comunicar que foram vítimas de agressões físicas e psicológicas praticadas pelos requeridos. 2- O propósito recursal consiste em dizer se é hígida a decisão que deferiu, em desfavor dos requeridos, a aplicação de medidas protetivas de urgência, com lastro nas agressões físicas e psicológicas narradas na notícia crime. 3- É possível aferir a competência desta Corte Superior para analisar a presente demanda, máxime porque, como é competente para apreciar as medidas protetivas postuladas contra J. D. P. M. C., detentor de foro por prerrogativa de função, tal atribuição se estende, por conexão, ao agravante. 4- A Lei n. 11.340 /2006 criou a possibilidade de que mulheres, sob violência doméstica de gênero, pudessem valer-se de medidas protetivas de urgência, as quais decorrem, em grande medida, do direito personalíssimo de autodeterminação existencial e do princípio de dignidade humana. 5- Na hipótese dos autos, depreende-se o fumus boni iuri do contexto inserido na notícia crime, em que as requerentes relacionam inúmeras agressões por elas sofridas, de cunho físico e moral, praticadas pelos requeridos, com a colação de documentos indiciários de prova. 6- Revela-se, ainda, a existência do periculum in mora, em virtude de a situação emergencial envolver a tutela da integridade física e mental, além de outros direitos da personalidade de superlativa importância, como o próprio direito à vida, cuja violação é perpetrada por pessoas que integram a unidade familiar. 7- O afastamento do lar, bem como a proibição de aproximação e de contato com as requerentes são medidas adequadas para assegurar a preservação dos respectivos direitos, somando-se a isso o fato de a requerente M. T. P. M. C. ser idosa, de modo que tal condição, acrescida da suposta existência de agressões físicas e verbais praticadas pelo requerido A. C. contra ela, justificam a manutenção do provimento cautelar. 8- Presume-se a necessidade de fixação de alimentos provisórios em favor da requerente M. T. P. M. C., em razão de sua avançada idade (90 anos), e as possibilidades financeiras de seu cônjuge, A. C., procurador de justiça aposentado. Nessas circunstâncias, até que as partes encaminhem os aspectos cíveis de seu divórcio e alimentos, é razoável manter-se a referida medida protetiva de urgência, nos termos do art. 22, V, da Lei 11.340 /2006. 9- O Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha , pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir. 10- Para a incidência da Lei Maria da Penha , é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra: a) de ação ou omissão baseada no gênero; b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; tendo como consequência: c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial. Precedentes. 11- Na hipótese dos autos, não apenas a agressão ocorreu em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, entre pais e filhos, marido e mulher e entre irmãos, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei 11.340 /2006. 12- As condutas descritas nos autos - a) bater a cabeça da vítima várias vezes contra a escada; b) xingar e agredir fisicamente a vítima após a descoberta de traição ao longo dos últimos 30 anos - são elementos próprios da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino. Demonstram, ainda, potencialmente, o modus operandi das agressões de gênero, a revelar o caráter especialíssimo do delito e a necessidade de imposição de medidas protetivas. 13- Junta-se a isso o argumento de os requeridos se utilizarem das funções para exercer domínio sobre as requerentes, que não conseguem, sequer, registrar um boletim de ocorrência na autoridade policial competente, com a narrativa completa dos fatos elencados. 14- A palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher. Precedente. 15- Agravo regimental e pedido de reconsideração não providos.