TJ-CE - Apelação Criminal XXXXX20178060045 Barro
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. RECURSOS DA DEFESA. CRIMES DO ART. 90 DA LEI N. 8.666/90 (FRAUDE EM PROCESSO LICITATÓRIO ¿ ATUAL ART. 337-F DO CP ). CRIMES DO ART. 1º , INCISO I , DO DL N. 201 /67 (DESVIO DE VERBA PÚBLICA). PRELIMINARMENTE. 1) ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA JUNTADA DE LAUDO TÉCNICO PERICIAL. REJEITADA. JUNTADA DE DOCUMENTOS QUE OCORREU ANTES DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E DOS INTERROGATÓRIOS DOS RÉUS. ALEGAÇÕES FINAIS POSTERIORES À JUNTADA. POSSIBILIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTOS A QUALQUER TEMPO, SALVO EXCEÇÕES, AO TEOR DO ART. 231 DO CPP . AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO, CONFORME EXIGÊNCIA DO ART. 563 DO CPP . 2) ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO À SÚMULA N. 54 DO TJCE. REJEITADA. DOSIMETRIA REALIZADA PELO JUÍZO DE ORIGEM DE FORMA INDIVIDUALIZADA PARA CADA RÉU E DELITO IMPUTADO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ENTENDIMENTO SUMULAR. 3) ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO RETROATIVA EM RELAÇÃO AOS DELITOS DO ART. 337-F DO CP , PRATICADOS NOS ANOS DE 2007 E 2009. ACOLHIMENTO. CRIMES DE FRAUDE À LICITAÇÃO QUE SE DERAM NAS DATAS DE 04/04/2007 (TP N. 2007.04.04.1) E 06/03/2009 (TP N. 2009.03.06.1). TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL DE 8 (OITO) ANOS ENTRE A DATA DOS FATOS E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO TJCE (25/09/2017). 4) ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. REJEITADA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE ADEQUADAMENTE PREENCHEU OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP , INDICANDO OS FATOS CRIMINOSOS, INDIVIDUALIZANDO AS CONDUTAS DOS RÉUS E A CLASSIFICAÇÃO DOS DELITOS. MÉRITO. 5) PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS FRANCISCO MARLON E ANTÔNIO SEVIRINO , POR AUSÊNCIA DE DOLO E EFETIVO PREJUÍZO, ALÉM DA IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 1º , INCISO I , DO DL N. 201 /67, POR TRATAR-SE DE CRIME DE MÃO PRÓPRIA. REJEITADO. DOLO ESPECÍFICO E ESPECIAL FIM DE BURLAR PROCEDIMENTO LICITATÓRIO DEVIDAMENTE COMPROVADOS NOS AUTOS. ADMISSIBILIDADE DE COAUTORIA NO DELITO DO ART. 1º , INCISO I , DO DL N. 201 /67. PRECEDENTES DO STJ. 6) PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO RÉU JOSÉ MARQUINÉLIO. SUPOSTO RECONHECIMENTO, PELO TCM, DE SUA IRRESPONSABILIDADE PELOS ATOS IMPUTADOS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE REGULARIDADE EM AUDITORIA DO TCU. REJEITADO. TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS QUE RECONHECEU A EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE NA SECRETARIA DE SAÚDE. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE NÃO AFASTOU IRREGULARIDADES, APENAS AFIRMOU A NECESSIDADE DE OUTRAS PROVAS QUE FOGEM A SUA ALÇADA. PROVAS DO AUTOS, INCLUSIVE INTERROGATÓRIOS DOS RÉUS, QUE EVIDENCIAM A AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS IMPUTADOS. 7) PLEITO SUBSIDIÁRIO DOS RÉUS PARA A REFORMA DA DOSIMETRIA E FIXAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL, APLICANDO-SE A REGRA DO ART. 71 DO CP . REJEITADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS VALORADAS NEGATIVAMENTE E PENAS FIXADAS QUE NÃO MERECEM REPARO. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS, APENAS PARA RECONHECER A PRESCRIÇÃO APONTADA E REDIMENSIONAR A PENA DOS RÉUS PARA 13 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO, 2 ANOS E 6 MESES DE DETENÇÃO E 97 DIAS-MULTA. MANTIDO O REGIME FECHADO. 1. Cuida-se de Apelações interpostas por José Marquinélio Tavares , Francisco Marlon Alves Tavares e Antônio Severino de Sousa , em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Barro que os condenou pela prática dos crimes previstos no art. 1º , inciso I , do DL n. 201 /67 e art. 337-F do Código Penal , cada réu à pena de 13 anos e 06 meses de reclusão, 07 anos e 06 meses de detenção, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 291 dias-multa (fls. 628/653). 2. Da preliminar de nulidade do processo por cerceamento de defesa, ante a ausência de intimação para manifestar-se acerca de Laudo Técnico Pericial anexado aos autos (Apelantes Francisco Marlon e José Marquinélio ). Não merece acolhimento a insurgência recursal. Em verdade, assevera o art. 231 do CPP que, ¿salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo¿. Além disso, os documentos colacionados não se tratavam de documentos sigilosos, sendo de pleno conhecimento e acesso dos réus. Ademais, diferentemente do que se alega, vê-se que os documentos referidos foram juntados ¿ apensados - ao feito criminal na data de 04 de outubro de 2021 (fls. 7.822 do proc. n. XXXXX-14.2020.8.06.0045 ), somente tendo-se realizado a audiência de instrução na data de 05 de novembro de 2021 (fls. 583 do proc. XXXXX-40.2017.8.06.0045 ), após a juntada dos documentos ao feito, tratando-se de processo digital e plenamente acessível à defesa. Por fim, destaque-se, ainda, que a defesa dos réus não demonstrou de forma concreta qualquer prejuízo, de modo que ao teor do art. 563 , caput, CPP , ¿nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa¿. 3. Da preliminar de nulidade da sentença por violação à Súmula n. 54 do TJCE (Apelantes Francisco Marlon , Antônio Severino e José Marquinélio ). Neste ponto, alegam os recorrentes a nulidade da sentença condenatória por violação ao enunciado sumular n. 54 do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Afirmam que o juízo sentenciante teria utilizado as circunstâncias judiciais para ambos os crimes imputados na denúncia, o que violaria a garantia constitucional da individualização da pena, impondo-se o reconhecimento da nulidade. 4. Acerca do tema, assevera a Súm. 54 do TJCE que ¿ainda que praticados em concurso de crimes, deve o magistrado, ao dosar as penas, fazê-lo de forma separada para cada um dos delitos, em observância à individualização da pena insculpida no art. 5º, XLVI, da CF¿. Primeiramente, não se verifica qualquer impedimento na utilização das mesmas circunstâncias judiciais valoradas em relação ao mesmo réu, quando a este são imputados vários delitos e para todos eles se têm as mesmas circunstâncias. Ademais, observa-se que o magistrado sentenciante valorou as circunstâncias judiciais isoladamente para cada réu, de modo que procedeu com a dosimetria individualizando, em cada fase, a pena estabelecida para cada crime, separadamente, alcançando ao final a pena fixada para cada um dos delitos imputados, em plena harmonia com a determinação contida na Súm. 54 do TJCE, não havendo que se falar em ofensa à individualização da pena, rejeitando-se a preliminar levantada. 5. Da alegação de prescrição retroativa quanto aos crimes do art. 337-F do Código Penal (Apelantes Francisco Marlon , Antônio Severino e José Marquinélio ). Afirmam os recorrentes a incidência da prescrição retroativa em relação ao delito previsto no art. 337-F do CP , pois após o oferecimento da denúncia, recebida pela Justiça Federal em 28/01/2016 (fls. 32/35), restou aquele juízo por declinar da sua competência para a Justiça Estadual, somente tendo sido recebida a denúncia pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, na data de 25/09/2017 (fls. 257/272), sendo este o juízo competente. 6. Considerando que os delitos foram praticados nos anos de 2007, 2009 e 2010, deve-se aplicar ao caso concreto a norma prescricional vigente à época dos fatos, de modo que o art. 110 , caput e seus §§ , previam a possibilidade de contagem do prazo prescricional tendo por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia, permitindo-se a verificação da ocorrência da prescrição contando-se o prazo efetivamente transcorrido entre a data do fato criminoso e o recebimento da peça acusatória. 7. O TJCE, por meio do acórdão lavrado às fls. 257/259, ratificou o recebimento da denúncia, em 25/09/2017, vez ser, à época, o juízo competente para apreciação do feito. Deve-se considerar, portanto, este marco temporal para a apreciação da prescrição aludida. Estabelecido o marco temporal, vê-se que o juízo sentenciante fixou a pena privativa e liberdade em 2 (dois) anos e 6 meses de detenção, para cada um dos três delitos referidos neste tópico, resultando no prazo prescricional de 8 (oito) anos, para cada um deles, ao teor da norma aplicável (art. 109 , IV c/c art. 110 , §§ 1º e 2º , do CP ). 8. Tratando-se de crime de fraude a procedimento licitatório, considera-se como data do fato o momento em que realizada a licitação fraudulenta e, segundo os elementos dos autos (fls. 686/703 dos autos n. XXXXX-14.2020.8.06.0045 ), foram 3 (três) os momentos distintos, a saber: a) TP n. 2007.04.04.1, datado de 04 de abril de 2007; b) TP, n. 2009.03.06.1, datado de 06 de março de 2009; e c) TP 2010.02.05.1, datado de 05 de fevereiro de 2010. Considerando-se, portanto, as datas em que realizadas as licitações fraudulentas e a data do recebimento da denúncia (25 de setembro de 2017), tem-se por operada a prescrição em relação aos crimes do art. 337-F do CP relacionados às TP n. 2007.04.04.1 e TP n. 2009.03.06.1, haja vista o transcurso, entre estes marcos, do prazo prescricional de 8 (oito) anos. 9. Da preliminar de nulidade por inépcia da denúncia, ante a ausência de descrição da conduta. (Apelante José Marquinélio). Neste ponto, alega o recorrente José Marquinélio que a denúncia não teria logrado êxito em discriminar a sua conduta quanto aos crimes que lhes foram imputados, razão pela qual se tornaria insubsistente a peça acusatória e a condenação consequentemente estaria ampara em fatos não individualizados. Do apreço da peça acusatória de fls. (04/31), conclui-se por descabida a pretensão recursal, pois a denúncia ofertada pelo parquet não só apresentou narrativa fática suficiente como, de modo adequado, individualizou as condutas atribuídas a cada um dos réus. Além disso qualificou satisfatoriamente todos os acusados, classificando os delitos imputados a partir das circunstâncias fáticas verificadas e amparadas nas provas colacionadas, além de indicar os elementos probatórios. 10. Da autoria e materialidade delitiva dos crimes tipificados no art. 1º , inciso I , do DL n. 201 /67 e art. 337-F do Código Penal . Como bem asseveraram o juízo a quo e os ilustres representantes do Parquet, a materialidade e a autoria do crime de desvio de verba pública (art. 1º , inciso I , do DL n. 201 /67) e fraude em procedimento licitatório (art. 337-F do Código Penal ) restaram sobejamente comprovadas pela produção probante levada a efeito durante a instrução processual, inclusive pelo próprio conteúdo dos interrogatórios policiais dos réus que, somados às demais provas documentais, impossibilitam a pretendida absolvição. 11. Primeiramente, os elementos dos autos comprovam que todos os réus se conheciam previamente aos procedimentos licitatórios e tinham uma relação pessoal estabelecida, inclusive já tendo o réu José Marquinélio trabalhado na APAMIM, uma das pessoas jurídicas envolvidas no esquema criminoso, antes de se tornar Prefeito Municipal. Comprovou-se, ainda, que o réu Francisco Marlon prestava serviços à mesma associação, conforme afirmou o réu Antônio Sevirino , Presidente da APAMIM, em seu interrogatório policial (fl. 651 dos autos em apenso). Ademais, firmando esta constatação de entrelaçamento entre os acusados, têm-se que os réus José Marquinélio e Francisco Marlon são irmãos, tendo sido este último quem atuou em favor da APAMIM em todos os procedimentos licitatórios perante a Prefeitura de Barro/CE, tendo Antônio Sevirino apenas assinando os documentos entregues por Francisco Marlon , conforme afirmou no ato policial apontado acima. 12. O réu Antônio Sevirino (fl. 651 dos autos em apenso) ainda afirmou que a APAMIM somente prestou esse tipo de serviço durante a gestão do réu José Marquinélio , o que reforça ainda mais a constatação de que a empresa referida somente restou contratada em decorrência da relação pessoal entre os três acusados. O réu Francisco Marlon afirmou em inquérito policial (fls. 619 dos autos apensos), plenamente assistido por seu advogado, que a sua empresa FM Alves Tavares , subcontratada pela APAMIM, tinha como coproprietária a esposa do réu e Prefeito Municipal José Marquinélio; de modo que à este último não haveria espaço para afirmação de que desconhecia toda a relação empenhada entre a Prefeitura Municipal e as empresas citadas, decorrente dos procedimentos licitatórios fraudulentos. 13. Em seu interrogatório policial (fl. 622 dos autos apensos), devidamente assistido por seu advogado, reconheceu o réu José Marquinélio que tinha ciência da subcontratação da empresa FM Alves Tavares, pertencente à sua esposa e ao seu irmão, pela associação APAMIM, afirmando ainda ter concordado com tal procedimento sob a justificativa de ser a sede da APAMIM, vencedora da licitação, distante do município, não verificando qualquer irregularidade nisso. Portanto, não resta dúvida nos autos de que o réu e Prefeito Municipal à época, José Marquinélio , não apenas tinha conhecimento de todo o esquema firmado entre as empresas mencionadas e os demais réus, como atuou ativamente, com aqueles, na efetivação dos procedimentos licitatórios fraudulentos, inclusive tendo afirmado isso em sede policial, devidamente assistido por seu defensor, quando salientou ter autorizado a subcontratação referida. 14. Extrai-se dos autos que os réus valeram-se da publicação de procedimentos licitatórios (TP n. 2007.04.04.1, TP n. 2009.03.06.1 e TP 2010.02.05.1) com o suposto objetivo de contratar empresa de serviços especializados a serem prestados na realização de exames clínicos e laboratoriais para atendimento da população carente, através da secretaria de saúde do Município de Barro/CE (fls. 714 e seguintes dos autos em apenso), de modo que restou vencedora de tais procedimentos a Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância de Mautiri ¿ APAMIM, presidida e representada pelo réu Antônio Sevirino , conforme documento de fls. 820 e seguinte (autos apensos). Ocorre que as provas dos autos evidencia que, logo após a adjudicação do contrato em favor da APAMIM, vencedora do procedimento licitatório, promoveu-se a subcontratação integral, por meio da terceirização dos serviços à empresa FM Alves Tavares ME, de propriedade do réu Francisco Marlon , irmão do réu e Prefeito José Marquinélio , culminando no indiscutível esquema de triangulação da relação com o objetivo de suplantar o obstáculo legal imposto à contratação desta última pelo Município respectivo. 15. Ademais, conforme ressaltou o juízo sentenciante, o dolo dos réus e a ciência acerca da ilicitude da contratação fica ainda mais evidente a partir do conteúdo em documento periciado pela Polícia Federal (fls. 659 autos apensos), haja vista a expressa manifestação naquele no sentido de ¿não colocar que marlon é funcionário da apamim", em claro intuito de burlar restrição imposta para a contratação referida. Neste norte, resta comprovada a autoria e materialidade dos réus quanto aos crimes de desvio de verba pública (art. 1º , inciso I , do DL n. 201 /67) e fraude em procedimento licitatório (art. 337-F do Código Penal ), de modo que a negativa dos fatos apresentada em juízo pelos réus não encontra qualquer amparo probatório no feito. 16. Têm-se, ainda, provas do desvio de verba pública, evidenciando-se o superfaturamento dos serviços, conforme a conclusão alcançada na Tomada de Contas Especial (fls. 76 e seguintes), revelando o laudo pericial de fls. 686 e seguintes (autos apensos) que durante a execução dos contratos referentes aos procedimentos licitatórios discutidos, superfaturaram (tabela de fls. 699) os valores, chegando um dos itens a quase 500% (quinhentos por cento). Ademais tais valores eram repassados aos réus Francisco Marlon e Antônio Severino , por meios de suas pessoas jurídicas já mencionadas. Tais indícios de superfaturamento são corroborados pelos depoimentos prestados por José Wenes dos Santos e Francisco das Chagas Tavares , vereadores do município que fiscalizaram os fatos apontados e cujos indícios fundamentaram a denúncia do parquet. 17. Do pleito de absolvição diante da ausência de dolo e provas para a tipificação dos delitos imputados e da impossibilidade de imputação da conduta do art. 1º , inciso I , do DL n. 201 /67, por tratar-se de crime de mão própria (Apelantes Francisco Marlon e Antônio Severino ). Afirmam os apelantes, Francisco Marlon e Antônio Sevirino , a suposta inaplicabilidade do art. 90 da Lei n. 8.666 /93, pois se tratando de delito cujo objetivo seria frustrar ou fraudar licitação, se exigiria para a sua tipificação a presença de dolo específico de causar danos ao erário e da caracterização de efetivo prejuízo. Primeiramente, merece destacar, que segundo entendimento sumulado do STJ: ¿O crime de fraude à licitação é formal, e sua consumação prescinde da comprovação do prejuízo ou da obtenção de vantagem¿ (Súmula n. 645 do STJ). 18. Ademais, como salientou o parquet em seu parecer, os elementos dos autos demonstram cabalmente o dolo específico ou especial fim de agir de burlar o procedimento licitatório para obterem vantagem econômica. Ocorre que, por tudo que já foi exposto, restou devidamente comprovado que os réus, em conluio e com o claro objetivo de fraudar os procedimentos licitatórios citados, realizaram verdadeira manobra para maquiar a relação de nepotismo existente entre a empresa FM Alves Tavares ME e o gestor municipal. Desse modo, as provas dos autos são mais que suficientes para a cabal comprovação do dolo específico de, mediante fraude ao procedimento licitatório, direcionarem os réus a verba pública oriunda das contratações em benefício próprio, gerando prejuízo ao erário que, inclusive, restou efetivamente comprovado, principalmente a partir das provas de superfaturamento dos valores dos serviços, não havendo que se falar em inaplicabilidade do dispositivo legal. 19. Pretendem, ainda, os recorrentes, o reconhecimento da alegada impossibilidade de imputação em seu desfavor da conduta do art. 1º , inciso I , do DL n. 201 /67, por tratar-se de crime de mão própria, supostamente praticável apenas por quem exerce a função pública de Prefeito Municipal.. Acerca de tal alegação, impecável a fundamentação explanada pelo juízo sentenciante para condenar os réus como incursos nas penas do art. 1º, inciso I, do DL201/67, haja vista não merecer acolhimento a tese de impossibilidade de imputação aos réus mencionados. Ademais, prevalece no STJ o entendimento no sentido de que"é juridicamente possível a coautoria ou participação de particular no delito previsto no art. 1º , I , do Decreto-Lei nº 201 /1967"(AgRg nos EDcl no RHC n. 103.115/SE, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer , DJe 30/04/2019). Desse modo, demonstrando as provas dos autos que os recorrentes, cientes da condição de Prefeito Municipal do réu José Marquinélio , agiram conjuntamente com este para fraudar o procedimento licitatório com o objetivo de desviar verba pública, têm-se que os réus Francisco Marlon e Antônio Sevirino devem ser igualmente condenados na condição de coautores dos delitos imputados. 20. Do pleito de absolvição do réu José Marquinélio sob a alegação ter sido reconhecida a sua irresponsabilidade na gestão dos recursos na Tomada de Contas Especial do TCM/CE nº 2009.BRO.TCE.13826/12 e de ter o TCU afastado qualquer irregularidade. Embora busque o apelante rebater as provas dos autos a partir das alegadas conclusões dos Tribunais de Contas mencionados, como asseverou o juízo de origem, as provas do feito são claras em apontar o direcionamento da licitação para a associação APAMIM, a subcontratação integral para a empresa FM Alves Tavares ME , e o pagamento dos valores em favor dos réus Francisco Marlon e Antônio Sevirino , tendo eles mesmos afirmando tais conclusões em inquérito policial. 21. Assim, embora tente o apelante valer-se de uma suposta autonomia da secretaria de saúde, para imiscuir-se da responsabilidade, vê-se nos autos que aquele não apenas tinha ciência das manobras utilizadas para fraudar o procedimento licitatório, como ele próprio afirmou em sede policial (fl. 622 - autos apensos) ter autorizado a subcontratação para a empresa FM Alves Tavares ME , de propriedade de sua esposa e irmão (corréu). Em síntese, pretende o apelante valer-se de uma situação formal (autonomia da secretaria), que não foi de fato respeitada, para desviar-se da responsabilidade pela sua atuação, que de fato ocorreu. 22. Ademais, conforme destacou o juízo de origem na sentença, o Tribunal de Contas da União (fls. 575 - autos apensos) não afastou a ocorrência de qualquer irregularidade, como pretende parecer o apelante, mas destacou não ter localizado anotação de falsidade ideológica nos períodos que auditou o município, de modo que para a verificação de tais ilícitos dever-se-ia produzir outros meios de prova, tais como a testemunhal, o que de fato se tem nos autos, valendo-se a condenação de provas suficientes de autoria e materialidade dos crimes imputados. 23. Dos pleitos de reforma da dosimetria da pena com a fixação no seu mínimo legal e de aplicação do art. 71 do CP , com a modificação do regime prisional ou substituição por restritivas de direito (Apelantes Francisco Marlon , Antônio Severino e José Marquinélio ). Pugnam os apelantes, subsidiariamente, pela reforma da sentença quanto à dosimetria da pena, para que lhes sejam fixadas as penas no patamar mínimo legal, bem como que seja aplicada a regra do concurso formal disposta no art. 71 do Código Penal , resultando na modificação do regime inicial de cumprimento da pena ou mesmo na substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. 24. Ao apreço da sentença, verifica-se que as circunstâncias judiciais dos réus foram negativadas quanto à culpabilidade e consequências do crime, mostrando-se irrefutável a fundamentação apresentada e o acerto da valoração negativa quanto às circunstâncias judiciais, de modo que é incabível a fixação da pena base no seu mínimo legal. Ademais, prevalece na jurisprudência que a pena base deve ser fixada considerando a exasperação de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas, para cada circunstância negativada. Desse modo, a fixação da pena base em 04 anos e 06 meses de reclusão, para cada delito do art. 1º , inciso I , do DL 201 /67, e em 02 anos e 06 meses de detenção, para cada delito do art. 90 da Lei 8.666 /93 (art. 337-F do Código Penal ) observa plenamente o entendimento jurisprudencial firmado. Além disso, o magistrado a quo reconheceu, na segunda fase da dosimetria, a ausência de quaisquer atenuantes e agravantes, de modo que a inexistência de causas de diminuição ou de aumento de pena, na terceira fase, impõe a fixação da pena definitiva no patamar já disposto. 25. Por fim, pretendem os recorrentes que seja aplicado ao caso concreto a figura do crime continuado, conforme regra disposta no art. 71 do CP , vez tratar-se de crimes de mesma espécie e praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução. Embora aleguem os recorrentes que no caso concreto ter-se-ia o preenchimento dos requisitos objetivos da continuidade delitiva, a saber, crimes de mesma natureza e condições de tempo, lugar e execução, além da unidade de desígnios, vê-se que no caso em tela têm-se a prática de delitos em momentos distintos e em cada procedimento licitatório diverso, em anos diferentes. 26. Assim, os elementos dos autos evidenciam que, mediante mais de uma ação, isoladamente em cada procedimento de tomada de preço diferente (TP n. 2007.04.04.1; TP n.2009.03.06.1; e TP 2010.02.05.1), com considerável espaço de tempo entre eles, praticaram os réus os delitos imputados, de modo que a fraude e o desvio de verba pública não se deram de forma continuada, mas se verificaram em cada fraude ao caráter competitivo de cada um dos três processos licitatórios referidos, não sendo possível a incidência da regra pretendia por clara dissonância com seus requisitos. Em razão disso, rejeitando-se os pleitos de reforma da dosimetria e de aplicação da continuidade delitiva, permanecendo as penas em patamar considerável, rejeita-se os consequentes pedidos de modificação do regime prisional e de substituição da pena por penas restritivas de direito. 27. Por fim, em relação à dosimetria da pena, ante o efeito devolutivo aprofundado/amplo, em que o juízo ad quem é livre para apreciar aspectos que não foram suscitados pelas partes (súmula 55 do TJCE), consigno que realizei a análise e não verifiquei qualquer desacerto quanto às regras para sua aplicação, tendo o Juiz a quo empregado de forma proporcional e adequada as disposições contidas nos arts. 59 e 68 do Código Penal , chegando, assim, às penas aplicadas. Entretanto, reconhecida a prescrição em favor de todos os réus, exclusivamente quanto aos delitos do art. 337-F do CP , praticados em relação às TP n. 2007.04.04.1 e TP n. 2009.03.06.1, extinguindo-se a punibilidade quanto a estes, redimensiono a pena definitiva dos réus para 13 anos e 06 meses de reclusão e 02 anos e 6 meses de detenção e 97 dias-multa. 28. Recursos conhecidos e parcialmente providos, apenas para reconhecer a prescrição de parte dos delitos imputados e redimensionar a pena fixada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer dos recursos e dar-lhes parcial provimento, nos termos do voto da Relatora. Fortaleza, 1º de fevereiro de 2024 MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADORA LIRA RAMOS DE OLIVEIRA Relatora