AÇÃO PENAL. DIREITO PENAL. DISPENSA ILÍCITA DE LICITAÇÃO E PECULATO (ART. 89 DA LEI 8.666 /3 E ART. 312 DO CÓDIGO PENAL ). AQUISIÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS. SUFICIÊNCIA, PARA A DISPENSA DE LICITAÇÃO, DO PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO NO SENTIDO DA IDONEIDADE DAS CARTAS DE EXCLUSIVIDADE CONCEDIDAS PELAS EDITORAS ÀS DISTRIBUIDORAS CONTRATADAS. AUSENTE INDÍCIO DE INTERFERÊNCIA DA ACUSADA PARA FAVORECER TERCEIROS. AUSÊNCIA DE PESQUISA DE PREÇOS QUE, EM CASO DE IMPOSSIBILIDADE DE CONCORRÊNCIA NO MERCADO, CONFIGURA MERA IRREGULARIDADE. AUSENTE, ADEMAIS, DEMONSTRAÇÃO DE SOBREPREÇO, CONFORME TOMADA DE CONTAS DO TCU. LAUDOS PERICIAIS FUNDADOS EM PREÇOS DISTINTOS DOS PRATICADOS À ÉPOCA DOS FATOS. ABSOLVIÇÃO (ART. 386 , II E III , DO CPP ). 1. A dispensa ou inexigibilidade de licitação, com fundamento em parecer jurídico da Procuradoria-Geral do Estado, no sentido de autorizar a compra direta de livros didáticos junto a distribuidoras detentoras de cartas de exclusividade para a venda na respectiva Unidade Federativa, não tipifica a conduta do artigo 89 da Lei 8.666 /93. Precedente: AP 946 -EI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 30/08/2018. 2. (a) A inobservância dos critérios legais de inexigibilidade deve somar-se, para a tipificação do crime do art. 89 da Lei 8.666 /93, à vontade de frustrar, indevidamente, a concorrência pública, revelando-se incabível enfoque puramente causal, desatento aos elementos subjetivos integrantes do tipo (Teoria Final da Ação). (b) Consectariamente, revela-se imperioso, para a caracterização do crime do art. 89 da Lei 8.666 /93, que o agente atue voltado à frustração da concorrência e à produção de dano ao erário. 3. (a) As cartas de exclusividade para a distribuição de livros didáticos, ainda que de âmbito regional, uma vez admitidas como idôneas em parecer da Procuradoria-Geral do Estado, afastam a incidência do tipo penal do art. 89 da Lei 8.666 /93; (b) A escolha de livros didáticos por corpo técnico especializado, guiada por critérios intelectuais insindicáveis pelo Poder Judiciário, porquanto atinentes ao mérito do ato administrativo, afasta o dolo de violação criminosa do dever de licitar. 3. In casu, (a) segundo o Ministério Público Federal, três circunstâncias indicariam o caráter delitivo da contratação direta derivaria narrada na denúncia: (i) as cartas de exclusividade apresentadas pelas distribuidoras abrangiam apenas as regiões Norte e Nordeste, e não todo o território nacional, o que indicaria que a concorrência seria viável; (ii) inidoneidade da justificativa administrativa para escolha dos livros adquiridos; (iii) ausência de pesquisa de preços. (b) Nada obstante, verifica-se que, tal como na AP 946 -EI (na qual a ré foi absolvida da imputação da fatos idênticos), a seleção dos livros didáticos foi realizada por equipe técnico-pedagógica voltada ao atendimento do programa Educação de Jovens e Adultos, a qual destacou que a As coleções de livros enumerados no documento (Anexo 02) tiveram sua escolha condicionada por sua inequívoca importância didático-pedagógica no que concerne à Educação Continuada e, em especial, à Capacitação dos Alunos do Ensino Médio da Rede Estadual, atentando-se para as especificidades pedagógicas que são peculiares a esta modalidade de ensino; (c) As distribuidoras detinham cartas de exclusividade das editoras, consideradas idôneas pela Procuradoria-Geral do Estado para a dispensa de licitação; (d) Em todos os procedimentos narrados na denúncia, a Procuradoria-Geral do Estado opinou favoravelmente à inexigibilidade de licitação; (e) Coube à Secretaria de Fazenda, e não à Secretaria de Educação, assinar a dispensa de licitação, através de Portarias assinadas pelo Secretário da Fazenda, antecedidas do parecer favorável da Procuradoria do Estado; apenas um procedimento de dispensa foi autorizado pela Secretaria de Educação, através da acusada, que assinou a Portaria de inexigência de licitação, nos termos do Decreto de 02 de abril de 2004, com apoio em parecer favorável do Procurador-Geral do Estado para a compra via inexigibilidade de licitação; (f) Conduta eventualmente culposa ou errônea não caracteriza o crime; para a configuração típica da conduta, é imprescindível a demonstração de elementos que indiquem o dolo de frustrar a concorrência, beneficiando particulares de sua preferência. 4. Conclui-se no sentido da inexistência de prova da prática de fato caracterizado como crime do art. 89 da Lei 8.666 /93. 5. O crime de peculato constitui crime material, a exigir resultado naturalístico para sua consumação, representado pela diminuição dolosa do patrimônio do poder público, em proveito próprio ou de terceiro. 6. In casu, o Ministério Público Federal pede a condenação da Ré pela prática do crime de peculato, acusando-a de ter adquirido livros didáticos por preços superiores aos de mercado, bem como de ter simulado a entrega de livros, tudo em um dos procedimentos. 7. (a) A alegação de que teria havido sobrepreço não se confirmou em juízo. O Tribunal de Contas da União concluiu, na esteira de parecer da Secretaria de Controle Externo, unidade técnica da Corte, que não havia base fático-probatória para afirmar ter havido de sobrepreço nos procedimentos de inexigibilidade de licitação; (b) Os fundamentos do acórdão do Tribunal de Contas da União, embora não vinculem o juízo criminal, refutam, no caso, as conclusões da Polícia Federal e da CGU, que a toda evidência não merecem subsistir, à luz dos elementos constantes dos autos e do benefício da dúvida em prol do réu no julgamento de mérito; (c) Deveras, a configuração de sobrepreço não se confirmou, em especial se considerados os seguintes fundamentos, acolhidos pelo Plenário no julgamento dos Embargos Infringentes na AP 946: (c.1) os laudos elaborados pela Polícia Federal e pela CGU não levaram em consideração os preços praticados à época dos fatos, mas sim os praticados alguns anos depois, mediante consulta na internet; (c.2) edições antigas de livros didáticos não mantêm o mesmo preço do ano de seu lançamento, podendo, ainda, haver alterações na política de preços, por objetivos mercadológicos v. g., liquidar o estoque -, tudo a gerar dúvida fundada quanto à idoneidade do cálculo realizado no Laudo da Polícia Federal que considerou preços praticados em 2011, inadequados à demonstração cabal de que, em 2003 e 2004, quando as obras foram adquiridas, teria havido sobrepreço. (c.3) Consectariamente, inexiste prova segura, acima de dúvida razoável, de que os preços pagos pela Secretaria de Educação, nos processos licitatórios alvo deste processo, superavam os praticados à época dos fatos. (c.4) Ao mesmo tempo, inexiste evidência nos autos quanto ao dolo da Acusada de desviar recursos públicos, em proveito próprio ou alheio. Deveras, (i) os testemunhos colhidos afastam vínculo pessoal entre a então Secretária de Educação e os sócios das empresas fornecedoras; (ii) não há indício de acerto prévio entre a Acusada e os terceiros que supostamente teriam sido beneficiados; (iii) nenhuma prova existe que corrobore a suspeita de que a Acusada pretendia, efetivamente, beneficiar terceiros com recursos públicos desviados; (iv) inexiste prova da suposta entrega simulada do material adquirido. 8. Consequentemente, na linha do entendimento firmado pelo Plenário na AP 946 -EI, inexiste prova segura, acima de dúvida razoável, do prejuízo patrimonial causado à Administração Pública, não se configurando a materialidade do crime definido no art. 312 do Código Penal . 9. Ex positis, julgo improcedente a denúncia para absolver a Ré quanto ao art. 89 da Lei 8.666 /93, por não constituir o fato infração penal (art. 386 , III , do Código de Processo Penal ); e quanto ao art. 312 do Código Penal , por não haver prova da existência do fato delitivo (art. 386 , II , do Código de Processo Penal ).