ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Conceição do Castelo - Vara Única Av. José Grillo, 166, Fórum Juiz Francisco de Menezes Pimentel , Centro, CONCEIÇÃO DO CASTELO - ES - CEP: 29370-000 Telefone:(28) 35471206 PROCESSO Nº XXXXX-76.2023.8.08.0016 AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO REQUERIDO: ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, MUNICIPIO DE CONCEICAO DO CASTELO INTERESSADO: MARIA REGINA LOPES PIMENTA Advogados do (a) REQUERIDO: LUDMILLA COIMBRA MARTINELLI - ES28210, MARCIO VITOR ZANAO - ES20345, DANIELI VARGAS CRISOSTOMO COGO - ES36275 SENTENÇA Trata-se de ação manejada pelo Ministério Público em face do Estado do Espírito Santo e Município de Conceição do Castelo visando seja disponibilizada vaga em instituição de longa permanência à pessoa idosa. A tutela foi antecipada consoante o ID XXXXX. O Município de Conceição do Castelo manifestou-se no ID XXXXX, enquanto o Estado do Espírito Santo se manifestou no ID XXXXX. Réplica segue no ID XXXXX, vindicando o julgamento antecipado. É o relatório. De início, não compreendo que a municipalidade seja ilegítima para afigurar como litisconsorte do Poder Público Estadual, frisando que pelo entendimento do TJES, além da responsabilidade solidária já tratada na Constituição , nos termos do artigo 35 §§ 1º e 2º do Estatuto da Pessoa Idosa, incumbe ao Município, através de seu Conselho Municipal da Assistência Social, estabelecer a forma de participação da pessoa idosa no custeio da entidade de longa permanência em que será internada. A ausência de aprovação do orçamento específico e o convênio não é circunstância que interfira na sua responsabilidade e menos ainda na sua legitimidade para responder por conduta omissa que, a rigor, é de sua competência. Por outro lado, a falta de requerimento administrativo contra o Poder Público Estadual cede como pressuposto do interesse de agir se analisada sua manifestação meritória no sentido de que não tem a obrigação requerida na inicial. Diante do desinteresse quanto a produção de outras provas, julgo antecipadamente a lide, na forma do art. 355 do CPC , de sorte que à luz do entendimento do TJES não há cerceamento da defesa quando a parte, apesar de intimada em momento oportuno sobre a possibilidade de julgamento antecipado da lide, manifestar satisfação quanto às provas até então produzidas (TJES, Apl XXXXX). Passo ao exame do mérito. Nesse viés, após o contraditório específico, o Estado do Espírito Santo, sem negar vigências às normas imperativas e protetivas da pessoa idosa, afirma que não há prova de que a família da idosa seja incapaz de cuidar beneficiária, além de ser competência do Município o tipo de prestação vindicada na inicial. O Município, por sua vez, sem negar sua competência, afirma que esta apenas iniciando o processo legislativo para firmar convênio com instituição privada de longa permanência e, notadamente, regulamentar as despesas no orçamento. Seguindo, acerca do mérito propriamente dito, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.471 /03), nos artigos 3º , 8º e 15 , dispõe ser obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso o direito à vida, à saúde e à dignidade. O artigo 3º, § 1º, inciso V, garante ao idoso que o atendimento seja realizado pela própria família, de forma prioritária, e o artigo 37, § 1º, determina que a assistência em instituição de longa permanência ocorrerá quando verificada carência de condições pela família, in verbis: Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1º A garantia de prioridade compreende: (…) V – priorização do atendimento da pessoa idosa por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; (…) Art. 8º O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente. (…) Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde da pessoa idosa, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente as pessoas idosas. (…) Art. 37. A pessoa idosa tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhada de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada. § 1º A assistência integral na modalidade de entidade de longa permanência será prestada quando verificada inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família. Portanto, embora não se negue seja prioritário o atendimento pela família, o caso indica que a idosa tem idade avançada, não vem tendo adequado tratamento pelos familiares desde quando ainda tinha 73 anos (embora seja um dever) – quando permaneceu internada em instituição de longa permanência situada em Guaçui/ES. Nota-se, em princípio, que a idosa já não mantém vínculos sólidos com familiares e quando muito precisou somente veio a ter amparo de vizinhos, o que levou a mesma a voluntariamente manifestar interesse em novamente viver em instituição própria. Para o TJES, na omissão desses familiares, embora possuam o dever legal de prestar assistência, a situação deletéria não pode ser suportada pela pessoa objeto de especial proteção e em situação de vulnerabilidade social de efeitos imediatos e permanentes: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DE INTERNAÇÃO DE PESSOA IDOSA VULNERÁVEL. DIAGNOSTICADA COM DOENÇA DE ALZHEIMER E PROLAPSO GENITAL, ALÉM DE POSSUIR COMPORTAMENTO AGRESSIVO E SER REFRATÁRIA A TRATAMENTO. FAMÍLIA QUE NÃO POSSUI CONDIÇÕES FÍSICAS E FINANCEIRAS PARA ASSEGURAR A SUA SUBSISTÊNCIA DIGNA. RISCO PARA A IDOSA E PARA A NETA MENOR DE IDADE QUE RESIDE NO MESMO LOCAL. ACOLHIMENTO EM INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA OU EM RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA, A DEPENDER DA RECOMENDAÇÃO MÉDICA. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERICULUM IN MORA AFERIDOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM TANTO DO MUNICÍPIO QUANTO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, INDEPENDENTEMENTE DA DISTRIBUIÇÃO ORÇAMENTÁRIA DOS RECURSOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1) O art. 229 da Constituição da Republica dispõe que “os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”, de forma que, em regra, compete aos filhos a responsabilidade de assistir seus genitores quando alcançam idade mais avançada e, naturalmente, necessitem de maior atenção, especialmente se acometidos por alguma doença que traga limitações físicas ou mentais. Contudo, quando os filhos não dispõem de condições físicas, mentais, emocionais ou financeiras, para exercer este encargo, as pessoas idosas em situação de vulnerabilidade devem ser assistias pelo Poder Público, tanto na área da saúde (art. 196 da CF/88) quanto da assistência social (arts. 203, inciso I, e 230, ambos da CF/88), no escopo de assegurar a vida digna destas, inclusive por meio de seu acolhimento em instituições especialmente destinadas para cuidados daqueles que alcançaram idade mais avançada, na forma do art. 14 da Lei nº 10.741 /2003 ( Estatuto do Idoso ), do art. 3º Lei nº 10.216 /2001 e dos arts. 31 , 32 e 33 , da Lei nº 13.146 /2015 (Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiência). 2) Na hipótese, o perfunctório exame dos elementos probatórios contidos no processo originário, inerente a fase de cognição sumária em que se encontra, revela, a partir dos laudos médicos e das mídias de vídeo que acompanham a inicial que a agravada, aparentemente, apresenta perfil para acolhimento em Instituição de Longa Permanência ou em Residência Terapêutica, a depender da opção médica diante de suas condições físicas e mentais, pois se trata de uma idosa de 73 (setenta e três) anos de idade, diagnosticada com Alzheimer e Prolapso Genital, que possui comportamento agressivo e é refratária a qualquer tipo de tratamento, situação extrema de vulnerabilidade esta que impossibilita, a princípio, sua permanência na residência do filho agravado Júlio César , o qual não desfruta de recursos financeiros para disponibilizar os cuidados necessários para sua genitora e diante dos riscos que esta gera para os demais membros da família, especialmente para sua neta que possui apenas 06 (seis) anos de idade, o que atrai o dever do Poder Público implementar todos os meios disponíveis para inserir a agravada, pessoa extremamente vulnerável e cuja família não possui os meios necessários para assisti-la, em instituição que ofereça o serviço imprescindível para garantir os seus cuidados e preservar sua dignidade. 3) Em que pese o Estado objetive afastar sua legitimidade passiva no processo originário, não há razão para excluí-lo da demanda, ao menos nesta fase embrionária em que se encontra, e nem para isentá-lo da obrigação que foi imposta na decisão objurgada, pois, aparentemente, possui responsabilidade solidária junto ao município de Cachoeiro de Itapemirim-ES para implementar as medidas necessárias para abrigar a agravada Alzira em instituição de acolhimento compatível com seu quadro clínico, o que implicará na efetivação dos direitos fundamentais à saúde e à assistência social. 4) Além de o art. 23, inciso II, da Constituição da Republica , impor a todos os entes federativos o dever de “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”, quando há eventual omissão do Poder Público na implementação das medidas necessárias para assegurar o direito à saúde e à assistência social de pessoas vulneráveis, a jurisprudência tem reconhecido a possibilidade destas demandarem judicialmente em desfavor de quaisquer dos entes públicos, ante a responsabilidade solidária da União, do Estado e dos municípios na efetivação daqueles direitos fundamentais. 5) Recurso desprovido. (TJES, AI XXXXX-84.2023.8.08.0000 , Des. Rel. ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA , QUARTA CÂMARA CÍVEL, 02/Feb/2024). Com clássica e usual aplicação, a garantia de acesso à saúde é direito do cidadão e está preceituado na Constituição Federal (arts. 6º e 196, da CF/88) definitivamente não pode sofrer restrições de cunho administrativo, quanto estritamente necessário a garantir ao interessando a recuperação de sua dignidade, o que sói acontece em casos como o dos autos em que a senilidade expõe todas as vulnerabilidades do sujeito, obliterantes de uma vida minimamente decente, servindo o equipamento à diminuição dos sofrimentos e estabilização do mal a que é cometida a pessoa. Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal “[…] o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, inserto no art. 2º da Constituição Federal [...]”(RE 669.635-AgR). Para o STJ, […] o envelhecimento constitui fato da natureza e sina da humanidade e diante dessa constatação de destino invencível, o que precisa ser evitado a qualquer custo é o desamparo dos idosos, tanto por inércia estatal como por desídia familiar e social. Dever do Estado, da coletividade e da família, a proteção dos idosos, sobretudo daqueles em situação de risco, representa uma das facetas essenciais da dignidade humana, indicadora do grau de civilização de um povo[….] e prossegue: […] Não se enxergue aí questão de mera caridade ou responsabilidade filial. Tampouco postura de favor ou altruísmo do Estado, nem de conveniência opcional, pois se tem aí inequívoca obrigação constitucional e legal irrenunciável, que não se insere na órbita da discricionariedade do administrador. Ética e juridicamente, avançamos muito nas últimas décadas, embora pendentes tarefas colossais de toda a ordem, mormente a de cumprir e transformar comandos legais inertes em ações e resultados concretos. Sem dúvida, ficou para trás, pelo menos no plano formal, perceber o idoso de maneira aproximada a categorias jurídicas incitadoras de preconceito, como a dos chamados, em linguagem aviltante, de loucos de todo o gênero. O Direito e seus implementadores - os juízes em particular - carregam a imensa responsabilidade de garantir a dignidade dos idosos. 4. O papel do ordenamento é evitar que o envelhecimento, além das adversidades que lhe são próprias, sucumba à lógica perversa do sofrimento, humilhação, discriminação e abandono causados, não pela idade em si, mas por percepções estereotipadas, tanto intoleráveis como arraigadas, de glorificação da juventude e de acatamento fleumático da desigualdade sócio-etária, realidade cultural que talvez explique a incapacidade do Estado, da família e da sociedade de cuidar adequadamente dos pais, avós e bisavós. Trata-se de questão demográfica, econômica e de saúde pública, mas igualmente de justiça social e, portanto, de solidariedade intergeracional, no rastro da pauta dos direitos humanos fundamentais. Abandonado não deve ser o idoso, mas há o pensamento inaceitável de que quem nasce pobre e pena com infância de privação deve, igualmente, morrer pobre e padecer com velhice de privação. 5. Como "medida específica de proteção" (art. 45 , V e VI , da Lei 10.741 /2003), o abrigamento é procedimento extremo, cuja utilização se admite somente quando outras ações protetivas dos idosos se mostrarem insuficientes ou inviáveis para afastar situação de risco à vida, saúde, integridade física e mental. Imperioso que instituições excepcionais desse tipo existam e possam acolher tais sujeitos hipervulnerárveis. Mas tudo sem esquecer que o idoso em estado de risco demanda rede de proteção imediata e humanizada, que vá até ele, que o ampare em todos os aspectos e que lhe assegure um mínimo de autonomia, pois a velhice não apaga o valor ou a necessidade de liberdade. 6. Recurso Especial não provido. ( REsp n. 1.680.686/RJ , relator Ministro Herman Benjamin , Segunda Turma, julgado em 21/11/2017, DJe de 7/8/2020.). Nesse viés, se a família não possui condições para manutenção do idoso, a obrigação de garantir a proteção à saúde e dignidade do idoso, e sua moradia digna em instituição de longa permanência, é do Estado (TJES, AgI XXXXX-98.2015.8.08.0024 ). Especificamente acerca da responsabilidade dos entes federados de prestar assistência à saúde, vale salientar que o Excelso Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 855.178-SE , fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 793): “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” Assim, julgo procedentes os pleitos autorais, para condenar solidariamente os réus a, sponte sua, promover e assegurar o acolhimento da idosa Maria Regina Lopes Pimenta em instituição de longa permanência, contratando a execução, se necessário for, junto a iniciativa privada, de modo que julgo extinto o feito com resolução do mérito, na forma do art. 487 , inciso I do CPC . Sem custas processuais, nos moldes da Lei Estadual n.º 9.974/13. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos, na sequência, ao arquivo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. CONCEIÇÃO DO CASTELO/ES, 1º de março de 2024. Juiz (a) de Direito