RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. RESILIÇÃO UNILATERAL DO PROMITENTE COMPRADOR. RETENÇÃO DE 25%. CONTRATOS FIRMADOS ANTES DA LEI N. 13.786 /2018. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE CORRETAGEM. ABATIMENTO. VIABILIDADE, CASO EXISTA CLARA PREVISÃO CONTRATUAL. TESE SUFRAGADA EM RECURSO REPETITIVO. ART. 42 DO CDC . DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO VALOR DA COMISSÃO DE CORRETAGEM ABATIDA. INVIABILIDADE, POR AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. TAXA ADMINISTRATIVA EM VALOR RAZOÁVEL PARA OBTENÇÃO DE CERTIDÕES, DOCUMENTOS DIVERSOS E ELABORAÇÃO DE DOSSIÊ PARA PROPICIAR O FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. CABIMENTO. TAXA POR CESSÃO DE DIREITOS, FIXADA TENDO POR BASE O VALOR DO CONTRATO. ABUSIVIDADE. 1. Em caso de resilição pelo promitente comprador de contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, "na apreciação da razoabilidade da cláusula penal estabelecida em contrato anterior à Lei 13.786 /2018, deve prevalecer o parâmetro estabelecido pela Segunda Seção no julgamento dos EAg XXXXX/PE , DJe 4.10.2012, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Sidnei Beneti, a saber o percentual de retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelos adquirentes, reiteradamente afirmado por esta Corte como adequado para indenizar o construtor das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato. Tal percentual tem caráter indenizatório e cominatório, não havendo diferença, para tal fim, entre a utilização ou não do bem, prescindindo também da demonstração individualizada das despesas gerais tidas pela incorporadora com o empreendimento" ( REsp n. 1.723.519/SP , relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 28/8/2019, DJe 2/10/2019). 2. Como o legitimado extraordinário vindica ao Judiciário disciplinar também contratos futuros, na vigência da Lei n. 13.786 /2018, o art. 67-A, I e II, da Lei de Incorporação Imobiliária (Lei n. 4.591 /1964), também incluído pela novel Lei n. 13.786 /2018, dispõe que, em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, a pena convencional não poderá exceder a 25% da quantia paga e que pode ser deduzida também a integralidade da comissão de corretagem. Por sua vez, o parágrafo 5º estabelece que, quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, do que tratam os arts. 31-A a 31-F, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos naquele artigo e atualizados com base no índice contratualmente definido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindose, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput do mesmo artigo seja estabelecida até o limite de 50% da quantia paga. 3. Por um lado, conforme entendimento sufragado pela Segunda Seção em recurso repetitivo, REsp n. 1.599.511/SP , relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, há "validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem". Por outro lado, com o advento da Lei n. 13.786 /2018, foi incluído o art. 67-A na Lei n. 4.591 /1964, cujo inciso I dispõe expressamente que, em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, será possível a dedução da integralidade da comissão de corretagem. 4. A Corte Especial pacificou, nos EREsp n. 1.413.542/RS, relator para o acórdão Ministro Herman Benjamin, com modulação para avenças de direito privado, que a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC , é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, devendo ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. 5. O "engano justificável" na cobrança de dívida de consumo não afasta a boa-fé objetiva, mas, a contrario sensu, o "engano injustificável" caracteriza a má-fé do fornecedor, que "erra" quando não poderia "errar", tendo em vista as cautelas que lhe são exigidas por força de sua posição jurídica privilegiada. Isso porque, conforme o abalizado escólio doutrinário, o que o ordenamento jurídico visa com o princípio da boa-fé objetiva é assegurar que as partes colaborarão mutuamente para a consecução dos fins comuns perseguidos com o contrato, não se exigindo que o contratante colabore com o interesse privado e individual da contraparte, tampouco importe em sacrifício de posições contratuais de vantagem. 6. No caso em julgamento, é descabida a devolução em dobro, pois a vedação à cobrança decorre da má redação dos instrumentos contratuais de adesão apontados na exordial, não ficando caracterizada a má-fé da incorporadora, pois cuida-se de abatimento justificável da comissão de corretagem, na vigência da Lei n. 13.786 /2018, com expressa previsão legal, desde que estabelecida claramente no contrato, inclusive no quadro-resumo. 7. A cobrança de "taxa administrativa" no razoável valor total de R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais) para remunerar "serviços de pré-análise cadastral e de capacidade financeira do pagador", "obtenção de documentos, certidões e outros com esse fim, para montagem e encaminhamento do dossiê do financiamento para a Caixa Econômica Federal, independentemente da aprovação do financiamento", por se tratar de serviço necessário e efetivamente prestado, não caracteriza cobrança arbitrária. 8. Não é cabível a cobrança da taxa de cessão de direitos sobre o valor do contrato prevista nas avenças elencadas na inicial, pois é desproporcional, uma vez que não guarda correspondência com nenhum serviço prestado pela incorporadora, implicando desvantagem exagerada para o consumidor. 9. Recurso especial parcialmente provido.