DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DA DEFESA. RECURSO EM FACE DA CONDENAÇÃO PELO CRIME DE DESACATO (ART. 331 DO CÓDIGO PENAL ). NEGATIVA DE AUTORIA E ATIPICIDADE DA CONDUTA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RÉU QUE TENDO CIÊNCIA DA PROFISSÃO DE POLICIAL DAS VÍTIMAS PROFERIU PALAVRAS DE BAIXO CALÃO CONTRA ELAS, BEM COMO CONTRA A INSTITUIÇÃO DA POLÍCIA. DECLARAÇÃO DE UMA DAS VÍTIMAS EM SEDE INQUISITORIAL E EM JUÍZO CONFIRMANDO A PRÁTICA DELITIVA. PALAVRA DA VÍTIMA QUE TEM ESPECIAL RELEVÂNCIA ESTANDO EM HARMONIA COM O CONTEXTO DOS AUTOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A insurgência recursal dá-se contra a sentença de fls. 130/134, pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Iguatu/CE, que condenou o acusado nas sanções dos art. 331 do Código Penal e art. 12 da Lei nº 10.826 /03, a uma pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de detenção, em regime semiaberto, e ao pagamento de 36 (trinta e seis) dias-multa. 2. Pleiteia o recorrente, em suma, sua absolvição em relação ao crime de desacato, ao argumento de que não ficou configurado nos autos a conduta de desacato. 3. No crime de desacato o bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Pública, em especial, a autoridade pública e o prestígio da função pública, tratando-se de crime comum que pode ser cometido por qualquer pessoa, consistindo a conduta típica o ato de desacatar (ofender, humilhar, desprestigiar) funcionário público, no exercício ou em razão dela. 4. Segundo a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal , item 85, "o desacato se verifica não só quando o funcionário se acha no exercício da função (seja, ou não, o ultraje infligido propter officium), senão também quando se acha extra officium, desde que a ofensa seja propter officium." 5. É dizer que, no exercício da função (in officio), o crime de desacato se consuma quando o funcionário público está praticando atos de ofício e é desacatado, a ofensa não precisa se relacionar com os atos praticados, o motivo da ofensa pode ser particular, pois o nexo pode ser ocasional. Quando o desacato ocorre em razão do exercício da função (propter officium), ou seja, o funcionário público pode não estar exercendo as suas atividades quando sofre o desacato, porém com ela se relaciona. 6. Alega o recorrente que não praticou o crime de desacato e que não há prova nos autos de o crime tenha ocorrido, aduzindo que apenas se defendeu de uma ameaça feita por uma das vítimas proferindo palavras de baixo calão por estar em estado etílico. No mais, asseverou que o réu não teve especial fim de agir, pois suas palavras não apresentaram a necessária vontade de denegrir e que uma das vítimas sequer estava presente no momento dos fatos. 7. A vítima Drielly, ouvida em juízo, mídia anexa à fl. 149, afirmou que não era a primeira vez que o acusado "esculhambava" ela e seu esposo, proferindo palavras de baixo calão, narrando fato ocorrido há três anos daquela data, quando a vítima estava grávida, no qual teria dito que "policial bom, era policial morto". Quanto aos fatos narrados na denúncia, afirmou a vítima que tinha acabado de colocar o filho para dormir quando seu esposo, policial militar, chegou e tirou seu fardamento, quando o acusado iniciou uma gritaria muito forte, batendo no muro que chegava a estremecer. 8. Indagada pelo Órgão Ministerial que tipo de palavras o acusado gritava, a vítima narrou que inicialmente não entenderam muito bem o conteúdo das palavras, que chegou até a pensar que o acusado estava brigando com alguém dentro da casa, porém quando seu esposo saiu para jantar na casa dos genitores que fica no mesmo terreno e retornou, disse não saber a razão pela qual o acusado gritava, mas que o acusado estava "procurando confusão, procurando briga", tendo ela orientado Leonardo a "deixar para lá", pois o acusado devia estar embriagado. 9. Segundo a vítima, o acusado voltou a bater no muro e a gritar que "esses policiais daqui são um bando de merda", "não têm coragem para nada", inclusive chamando-os de "pau no cu", desafiando algum homem a ter coragem de entrar na sua residência e com ele brigar, acreditando a vítima que a ameaça era direcionada a Leonardo. Após o ocorrido, acusado e a vítima Leonardo começaram a brigar por meio de palavras, um "bate boca", o acusado dentro de sua residência e a vítima do lado de fora, momento em que o acusado teria dito que sairia de sua casa para "pegar Leonardo do lado de fora. Relata a vítima Drielly que neste momento ficou muito nervosa e resolveu chamar a polícia, razão pela qual ligou para o COPOM. 10. Destaque-se que de acordo com a narrativa da vítima, embora o acusado negue a autoria do crime, não há como se afastar a consumação do delito de desacato, tendo a vítima Drielly, policial militar, expressamente afirmado ter ouvido o acusado chamar ela e seu esposo, também policial militar, de policiais" bando de merda "," pau no cu "e que" não têm coragem para nada ". 11. O delito de desacato pode ser caracterizado por palavras, gestos ou atos, bastando que a conduta consubstancie ofensa a funcionário público no exercício da função ou em razão dela, como sucedeu na espécie, em que o apelante proferiu"policiais bando de merda","pau no cu"e que"não têm coragem para nada", com evidente caráter depreciativo e ofensivo. 12. Ademais, embora o acusado alegue que estava em estado de embriaguez, o que foi confirmado pelas testemunhas, e que estava em contenda com uma das vítimas e com ânimo exaltado, nos crimes de desacato, o estado de nervosismo ou exaltação do transgressor não tem o condão de afastar o dolo de menosprezar o funcionário público, tipificando, portanto, a conduta praticada. Assim, ainda que o réu não concordasse com a suposta ameaça feita pela vítima a seu tio, nada justifica as ofensas proferidas à função policial das vítimas. 13. Recurso conhecido e desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº XXXXX-58.2020.8.06.0091, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer da Apelação, para JULGAR-LHE DESPROVIDA, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 03 de novembro de 2021. Des. Sérgio Luiz Arruda Parente Presidente do Órgão Julgador e Relator