PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSÃO. CRITÉRIOS DE REVISÃO JUDICIAL. SUBSUNÇÃO DOS FATOS APURADOS AOS TIPOS LEGAIS. SEGURANÇA DENEGADA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se de Mandado de Segurança apresentado contra ato do Ministro de Estado da Justiça, que aplicou a pena de demissão ao impetrante pelo enquadramento nas infrações disciplinares previstas nos arts. 117 , IX ("Ao servidor é proibido valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública"), e 132 , IV ("improbidade administrativa"), da Lei 8.112 /1990, consubstanciado pela Portaria 2.766/2012. 2. O fluxo dos fatos que originaram a demissão pode ser resumido da seguinte forma: o impetrante, mencionado nos depoimentos como PRF PECCI e na condição de presidente da Comissão de Especificação de Materiais e Serviços para a Área Operacional do DPRF responsável pela aquisição da frota de veículos do ente público, pediu folga de suas atividades laborais no período de 15/6/2011 a 18/6/2011 para, de acordo com o que relatado a seu superior, tratar de assuntos particulares, segundo ele próprio afirma em depoimento ("que a viagem foi exclusivamente técnico e particular"), o que, na verdade, resultou em viagem a Manaus/AM no mesmo período para visitar a fábrica da montadora de veículos Honda naquela cidade a convite do encarregado de vendas a frotistas e órgãos públicos da Freedom Motors, revendedora Honda em Brasília/DF, com passagens aéreas, hospedagem, alimentação e traslado custeados pela montadora de veículos. CRITÉRIOS PARA O EXAME JUDICIAL DO ATO DE DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO 3. Não obstante os procedimentos administrativos estarem sujeitos a controle judicial amplo quanto à legalidade, uma vez verificado que a conduta praticada pelo servidor se enquadra em hipótese legal de demissão (art. 132 da Lei 8.112 /1990), a imposição dessa sanção é ato vinculado, não podendo o administrador ou o Poder Judiciário deixar de aplicá-la ou fazer incidir sanção mais branda amparando-se em juízos de proporcionalidade e de razoabilidade. Na mesma linha: AgInt no RMS XXXXX/SP , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 12.3.2018; AgInt nos EDcl no RMS XXXXX/BA , Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 27/11/2017; MS XXXXX/RJ , Rel. Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, DJe 10.2.2016; EDcl no REsp XXXXX/PR , Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 8.9.2014; MS XXXXX/DF , Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 2.4.2014; MS XXXXX/DF , Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 20.2.2013; MS XXXXX/DF , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 6.12.2011; MS XXXXX/DF , Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 26.11.2010; MS XXXXX/DF , Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 2.6.2015; RMS XXXXX/PR , Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 30.9.2013, e AgRg no REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 31.10.2014. IMPUTAÇÃO DE DUAS INFRAÇÕES GRAVES: VALER-SE DO CARGO (CHEFE DE DIVISÃO E PRESIDENTE DE COMISSÃO) PARA LOGRAR PROVEITO PESSOAL E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 4. A autoridade impetrada demitiu o impetrante com fundamento nas infrações disciplinares previstas nos arts. 117 , IX ("Ao servidor é proibido valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública"), e 132 , IV ("improbidade administrativa"), da Lei 8.112 /1990. 5. Difícil contestar o pressuposto de fundo das imputações: alguém que não ocupasse a posição de chefia, como servidor público, não seria convidado para viagem a Manaus, com todas as despesas pagas, simplesmente para inspecionar motocicletas nas instalações do fabricante. 6. Segundo a Comissão Processante, o servidor "recebeu vantagem indevida em razão de suas atribuições, qual sejam passagens aéreas e hospedagens, pagas por empresa particular, com a interveniência de pessoa ligada historicamente a vendas de veículos automotores ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal, tendo ainda induzido servidor subalterno em erro" (e-STJ, fl. 606). 7. Como já referido acima, o impetrante, mencionado nos depoimentos como PRF PECCI e na condição de presidente da Comissão de Especificação de Materiais e Serviços para a Área Operacional do DPRF responsável pela aquisição da frota de veículos do ente público, pediu folga de suas atividades laborais no período de 15/6/2011 a 18/6/2011 para, como relatou a seu superior hierárquico, tratar de assuntos particulares, segundo ele próprio afirma em depoimento ("que a viagem foi exclusivamente técnico e particular"), o que, na verdade, resultou em viagem a Manaus/AM no mesmo período para visitar a fábrica da montadora de veículos Honda naquela cidade a convite do encarregado de vendas a frotistas e órgãos públicos da Freedom Motors, revendedora Honda em Brasília/DF, com passagens aéreas, hospedagem, alimentação e traslado custeados pela montadora de veículos. 8. Está amplamente demonstrado que o impetrante valeu-se do cargo, agravado pela conduta dolosamente imoral, para obter vantagem, materializada pelo custeio, pela Honda, de verdadeiro pacote turístico de três dias a Manaus, que jamais lhe seria oferecido se ele não fosse um "formador de opinião" (responsável pela especificação de materiais) de um "potencial comprador" (Departamento de Polícia Rodoviária Federal). 9. É evidente que o impetrante valeu-se de seu cargo público para obter proveito próprio, ferindo a dignidade de sua função pública, responsável por importantíssima fase do procedimento licitatório dentro de órgão dos mais representativos e responsáveis pelo zelo pela coisa pública: a Polícia Rodoviária Federal. 10. Os padrões éticos esperados de um servidor público estão definidos na Constituição Federal e, mais detalhadamente, na Lei 8.112 /1990, e o legislador optou por exigir do servidor conduta moral retilínea. 11. Isso porque o trato com a coisa pública exige que não haja os desvios elencados na legislação disciplinar, sob pena de quebra de confiança na relação entre servidor e Poder Público. 12. Voltando ao caso concreto, não há como manter vínculo com servidor público que dolosa e às escondidas se envolve com ente privado, auferindo benefícios pessoais que, não fosse servidor público, não lograria receber. Tudo ao arrepio dos postulados da impessoalidade e da transparência que devem reger a conduta da Administração Pública. 13. Caso se admitisse que a viagem foi a serviço público, o impetrante ainda assim incorreria nas condutas ensejadoras da demissão, pois: a) induziu em erro o PRF Abdon, seu subordinado hierárquico, ao não informar as circunstâncias extraoficiais da viagem; b) deixou de observar a regra de que as empresas interessadas em processos licitatórios deveriam ser recebidas oficialmente e por pelo menos três servidores; c) não comunicou à Administração Pública a viagem, não obstante tenha sido convidado via e-mail institucional; d) não se vislumbra interesse público justificador da viagem, já que não havia necessidade de visitar a fábrica, considerando que não se estava diante de novas tecnologias ou produtos que não os já constatáveis em simples test drive que poderia ser feito em Brasília, na concessionária da Honda; e e) a imparcialidade da atuação administrativa ficou severamente prejudicada ao se admitir que "potencial licitante" pagasse todas as despesas de viagem. 14. Sob a perspectiva de que a viagem foi de natureza privada também está caracterizado o ato infracional, visto que está claro na conduta da Honda o objetivo (ilícito) de influenciar o impetrante (agente público de "potencial comprador"). A conclusão é de que a viagem foi toda custeada pelo ÚNICO fato de o impetrante exercer cargo de chefia relacionado diretamente ao rito licitatório de compra de motocicletas, o que configura a prática imoral que promoveu obscura mistura de interesses privados e públicos. 15. Seja qual o ângulo que se vislumbra a hipótese, está caracterizada a falta disciplinar prevista no art. 117 , IX , da Lei 8.112 /1990, sobre a qual o legislador impôs a pena de demissão, que deve ser aplicada ao impetrante. CONFIGURAÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 16. Primeiramente, as condutas identificadoras de improbidade administrativa do art. 11 da LIA , para fins do art. 132 , IV , da Lei 8.112 /1990, prescindem da comprovação de dano ou prejuízo ao Erário. Representando a vasta e conhecida jurisprudência sobre o tema: MS XXXXX/DF , Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 2.2.2018. 17. O ato praticado pelo impetrante demonstrou o dolo genérico de praticar conduta sabidamente ilegal, em desrespeito aos princípios da moralidade e da impessoalidade, pois, como "formador de opinião" de "potencial comprador", sabia das limitações para encontro com as empresas com interesses nos procedimentos licitatórios do DPRF, procurou escamotear o encontro espúrio e aproveitou-se do cargo para satisfazer interesse pessoal. 18. O princípio da impessoalidade não permite que os agentes públicos coloquem em primeiro plano seus interesses pessoais em detrimento do interesse público, como se vislumbrou na presente hipótese, em que o impetrante, na condição de servidor público diretamente ligado à cadeia procedimental licitatória para aquisição de motocicletas para a PRF, valeu-se da sua condição influenciadora e distanciou-se dos procedimentos legais e morais que garantiriam a transparência e a publicidade dos atos administrativos na relação da Administração Pública com o "potencial vendedor" de motocicletas. 19. Importante trazer a contexto que a conduta atribuída ao impetrante pelo art. 117 , IX , da Lei 8.112 /1990 ("Ao servidor é proibido valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública") é tipo infracional que materializa a persecução do princípio constitucional da impessoalidade. CONCLUSÃO 20. Mandado de Segurança denegado, medida liminar revogada e Agravo Regimental da União prejudicado.