EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA. PERÍCIA TÉCNICA. DESNECESSIDADE. PROCESSO ADMINISTRATIVO UNILATERAL. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. NULIDADE. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESVIO DO TEMPO PRODUTIVO. QUANTUM RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. SENTENÇA MANTIDA. 01. (1. 1). Caso concreto em que o autor alegou que foi surpreendido com a notificação da requerida informando sobre supostas irregularidades na medição de sua energia elétrica, recebendo um boleto para pagamento no valor de R$ 30.352,44 (trinta mil, trezentos cinquenta dois reais e quarenta quatro centavos), a título de recuperação de consumo da unidade consumidora nº 14927720, referente ao período de 28/01/2020 a 20/07/2020. Não concordando com a cobrança, o promovente ajuizou a presente ação requerendo a declaração de inexistência da dívida, abstenção de cobranças e indenização por danos morais. (1.2). Sobreveio sentença do juiz originário (evento n. 22), julgando parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para anular o TOI nº 1016812 e respectivo Processo Administrativo nº 2020/XXXXX-5 e declarar insubsistente a cobrança da recuperação de consumo de energia elétrica da unidade consumidora nº 14927720, no período de 28/01/2020 a 20/07/2020, ao tempo em que condeno a ré a pagar à parte autora, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescida de correção monetária incidente a partir desta data, e juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação. (sic). (1.3). Em suas razões recursais, a reclamada arguiu preliminarmente, a incompetência do juizado ante a complexidade da causa, pela necessidade de perícia técnica. No mérito, defendeu a legalidade da cobrança efetuada, uma vez que o débito em questão é decorrente do consumo de energia não faturado, em razão de irregularidades constatadas no medidor da unidade consumidora. Alegou que na condição de Concessionária de Serviço Público, seus atos são dotados de fé pública, afirmando que o T.O.I produzido é válido. Ao final, requereu a reforma do decisum, para que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais. Subsidiariamente requereu a minoração do quantum indenizatório arbitrado, bem como a revogação/redução da multa cominatória fixada para o descumprimento da ordem judicial (movimentação n. 25). 02. Recurso próprio, tempestivo e preparado, preenchendo, portanto, os requisitos de admissibilidade, razão pela qual, o conheço. Contrarrazões apresentadas (movimentação n. 28). 03. Primeiramente, importante observar que no caso em comento, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor , uma vez que existe relação de consumo entre a concessionária de energia elétrica e seus usuários. 04. DA NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. (4.1). A concessionária de serviço público responde objetivamente pela reparação dos danos causados por defeito na prestação do serviço, independente da demonstração de culpa, admitindo-se, inclusive, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, nos termos dos Artigos 6 e 22 do CDC , bem como § 6º do Artigo 37 da CF . (4.2). Impende registrar que a concessionária está autorizada a realizar a apuração de energia consumida e não faturada em hipóteses de fraude ou irregularidade no medidor, mas, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º , inciso LV , da CF/88 ), bem como as disposições específicas da Resolução Normativa 414/2010, ANEEL. (4.3). Em sede de recurso repetitivo ( REsp 1.412.433-RS ) o STJ já decidiu: Como demonstrado acima, em relação a débitos pretéritos mensurados por fraude do medidor de consumo causada pelo consumidor, a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido do seu cabimento, desde que verificada com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. (4.4). No caso em apreço, para caracterização da materialidade da irregularidade e consequente apuração do consumo não faturado ou faturado a menor, é imprescindível que o Termo de Ocorrência e Inspeção ? T.O.I, seja lavrado na presença do consumidor ou daquele que, em seu nome, acompanhar a inspeção, ou, ainda, de testemunha (art. 129, §§ 1º e 2º da RN 414/2010). (4.5). Em análise do conteúdo probatório que instrui os autos (evento n. 17, págs. 263/272, do processo completo em pdf), constata-se que no momento da inspeção e retirada do medidor supostamente adulterado, a averiguação se deu de forma unilateral, já que o consumidor ou um representante não foram acionados para acompanhamento do procedimento de confecção do TOI, ou seja, não foi juntado aos autos o referido documento contendo a assinatura do autor ou de outro responsável pela unidade consumidora. Conclui-se, daí, que a averiguação se deu de forma unilateral e, portanto, violou a norma do art. 129, § 2º da Resolução n. 414/2010 da ANEEL, razão pela qual o procedimento se mostra nulo. (4.6). Da mesma maneira, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já assentou que não é possível responsabilizar o consumidor por débito de recuperação de consumo, sem a comprovação inequívoca de sua autoria na fraude do medidor (Vide AgInt nos EDcl no REsp XXXXX/PR e REsp XXXXX/RS ). (4.7). Assim, não comprovada a regularidade do procedimento administrativo instaurado pela concessionária de serviço público, deve prevalecer o comando estampado na sentença para cancelar o débito discutido. 05. DOS DANOS MORAIS (5.1). Em relação ao dano moral, é cediço que a falha na prestação do serviço, não caracteriza, por si só, dano moral, porquanto o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito contra quem a ofensa se dirige (AgRgREsp nº 403.919/RO, Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03). (5.2). Ocorre que, no caso sub judice, o autor se diligenciou até a reclamada, conforme protocolos juntados no evento n. 01, fls. 133, do pdf completo, além disso encaminhou carta ao PROCON, com o propósito de solucionar administrativamente a demanda (evento 1, fls. 136/137, do pdf completo), de modo que a falha na prestação de serviço excedeu ao mero aborrecimento, ou seja, o consumidor foi submetido a verdadeira via crucis na tentativa de solucionar a questão (ainda que na esfera administrativa), dando lugar à aplicação da teoria do desvio produtivo do tempo do consumidor, que caracteriza dano moral, segundo a jurisprudência do STJ. (5.3). O arbitramento da indenização por dano moral deve ser orientado pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando-se, ainda, as condições pessoais do ofendido e do ofensor, além dos parâmetros utilizados por este Colegiado em situações idênticas. Assim, tem-se que o valor da indenização arbitrado na sentença (R$ 5.000,00) não comporta minoração, uma vez que essa quantia se mostra suficiente e adequada, conforme cotejamento dos critérios acima mencionados. Alegação de arbitramento excessivo dos danos morais afastada. 06. DA MULTA COMINATÓRIA (6.1). Quanto à cominação de multa para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer constitui tão somente método de coerção, não fazendo coisa julgada material, podendo, a requerimento da parte ou ex officio pelo magistrado, ser reduzida, em caso de eventual exorbitância, ou até mesmo ser suprimida, caso sua imposição não se mostre mais necessária. Precedentes do STJ: AgRg no AgRg no AREsp XXXXX/RJ , Relator: Moura Ribeiro, 3ª Turma, DJ de 24/08/2015; e AgRg no REsp XXXXX/SP , Relator: Ricardo Villas Bôas Cueva, 3º Turma, DJ de 12/05/2015. (6.2). Desse modo, eventual apreciação do acerca do descumprimento deverá ser analisado em momento oportuno, qual seja, em cumprimento de sentença, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 07. Sentença mantida incólume por seus próprios fundamentos e estes ora agregados. 08. Condeno a recorrente ao pagamento de custas e honorários, estes fixados em 15% da condenação, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099 /95. 09. Serve a ementa como voto, consoante disposto no art. 46 , da Lei 9.099 /95. 10. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.