PROCESSO Nº XXXXX-09.2016.8.05.0250 ÓRGÃO: 1ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CLASSE: RECURSO INOMINADO RECORRENTE: JOANA ALMEIDA DE JESUS GOMES ADVOGADO: ANTONIO CARLOS BATISTA DE ARAUJO RECORRIDO: JOAO GOMES SAMPAIO ADVOGADO: ANDREZA CRISTINA FERREIRA DE CAMARGO AMORIM ORIGEM: 1ª Vara Sistema Juizados Especiais - Simões Filho RELATORA: JUÍZA NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS JUIZADO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CAUSAS COMUNS. RECURSO INOMINADO. PARTE AUTORA IMPEDIDA DE CONSTRUIR ESCADA PARA ACESSO AO SEU IMÓVEL PELA GARAGEM. UNIDADE AUTÔNOMA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE LAJE ACOSTADO AOS AUTOS. DIREITO REAL DE LAJE. LEI 13.465 /2017 E ART. 1.225 , INCISO XIII , DO CÓDIGO CIVIL . POSSE MANSA E PACÍFICA DO IMÓVEL POR MAIS DE 15 ANOS DA AUTORA E DE SEU FALECIDO ESPOSO. CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE POSSE EM 1997. VALIDADE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA. 1. A parte autora propôs a ação para que seja permitida a construção de uma escada para ter acesso ao seu imóvel através da garagem e não mais pela lateral e passando pelo imóvel do réu, bem como a construção de um muro para delimitar a área das partes. Acostou aos autos o contrato de compra e venda de laje firmado no ano de 1997, entre seu falecido esposo e o réu, tio deste. A certidão de casamento revela a união desde 18 de fevereiro de 2011 e, conforme, narrativa na peça autoral e na contestação, a autora e seu esposo já conviviam quando da aquisição da laje, tornando indiscutível o exercício da posse. 2. A Lei nº 13.465 /2017 alterou o texto do artigo 1.225 do Código Civil que passou a constar no rol dos direitos reais, o direito sobre a laje, no inciso XIII e é a responsável por introduzir os artigos 1.510-A a 1.510-E no Código Civil . 3. Trata-se de um direito real sobre coisa alheia limitado à construção acima ou abaixo do imóvel original, denominado ¿construção-base¿ de propriedade de outrem. Constata-se que tal direito não se confunde com a propriedade, apesar da ampla dimensão que confere quase todos os poderes que lhes são inerentes, como usar, gozar e dispor. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA PARA DETERMINAR QUE O RÉU SE ABSTENHA DE IMPEDIR A CONSTRUÇÃO DA ESCADA. RELATÓRIO A parte Demandante alega que é esposa do De Cujus e que foi impedida de realizar uma reforma no imóvel que residia com este. Relata que tentou realizar a construção de uma escada pelo acesso da garagem para o andar superior, no qual residia com seu esposo De Cujus, contudo, o réu, tio do seu marido, não permitiu a reforma, em que pese a garagem pertencer ao seu imóvel. Argumenta a autora que a construção é tão somente para criar um acesso independente e não criar aborrecimento ao tio do de Cujus, que reside no térreo, diante da venda ou aluguel da casa. Acostou aos autos o contrato de compra e venda do imóvel, firmado em 1997 entre o seu esposo De Cujus e o réu, bem como juntou a certidão de casamento realizado no ano de 2011 sob regime de comunhão parcial de bens e a certidão de óbito que contém a informação de um herdeiro. Em sede de defesa (evento 76), o réu arguiu preliminares de ilegitimidade ativa, incompetência territorial e complexidade da causa. No mérito, aduz que jamais firmou nenhum contrato particular de compra e venda com o falecido marido da autora, o que houve foi uma mera permissão para que a autora morasse, juntamente com o de cujus, em sua casa e, posteriormente, em uma construção em cima dela realizada quase em sua totalidade pelo réu. Afirma não ser a autora a única herdeira necessária do De Cujus. A sentença atacada julgou improcedente o pedido (evento 82), sob fundamento de que, pelo regime de bens de comunhão parcial, o imóvel não faz parte da meação da viúva, podendo passar a ser seu, apenas por herança, que deverá ser constatada ou não por inventário ou arrolamento, o que não foi feito. Foram rejeitados os pedidos formulados pela parte autora, constantes após o evento 77, pois não possuem relação com a causa de pedir, sendo portanto fato novo, que se trataria de aditamento, o que não pode ser efetuado após finalizada a instrução e, querendo, deve a autora entrar com nova ação para requerer o pretendido na petição do evento 81. Insatisfeita, a parte autora ingressou com recurso inominado, pugnando pela reforma da decisão. Foram apresentadas contrarrazões. VOTO A sentença impugnada carece de reforma, devendo ser alterada em todos os seus termos para garantir á parte acionante o exercício de todos os direitos decorrentes do exercício da propriedade. Consta do Termo de Audiência (evento 81) que o réu construiu a casa sobre a Laje para seu sobrinho morar com a autora. Consta, também, dos autos que esta posse foi legalizada pela compra e venda anexada ao evento 1. Assim, pode a autora exercer o direito de defender sua posse a qual era exercida juntamente com seu falecido esposo. A Constituição Federal do Brasil de 1988 prevê em seu artigo 5º, dentre os direitos fundamentais, o direito à moradia, o qual está relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nota-se, entretanto, milhares de cidadãos sem qualquer amparo para exercerem o direito a uma moradia digna, diante de uma atuação Estatal ineficiente, precária, corrompida e sem políticas habitacionais, resultando em uma ocupação do espaço, principalmente, urbano, de forma desordenada. Os conhecidos ¿puxadinhos¿ que se encontravam desprotegidos legalmente, embora assunto de discussões doutrinárias, foi objeto de Medida Provisória n.º 759 /2016 para promover a regularização das construções irregulares. A Lei nº 13.465 /2017 alterou o texto do artigo 1.225 do Código Civil que passou a constar no rol dos direitos reais, o direito sobre a laje, no inciso XIII e é a responsável por introduzir os artigos 1.510-A a 1.510-E no Código Civil . O conceito de direito real de laje é explicitado no art. 1.510-A , § 1º, Código Civil , abaixo transcrito: Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. § 1º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção base. Trata-se de um direito real sobre coisa alheia limitado à construção acima ou abaixo do imóvel original, denominado ¿construção-base¿ de propriedade de outrem. Constata-se que tal direito não se confunde com a propriedade, apesar da ampla dimensão que confere quase todos os poderes que lhes são inerentes, como usar, gozar e dispor. O novo texto legal não traz como requisito, para a caracterização da laje, o ¿isolamento funcional e acesso independente¿, previsto na Medida Provisória nº 759 /2016. Nesse sentido, Salomão Viana salienta que o direito de laje pressupõe que a construção esteja isolada do imóvel original e das lajes subsequentes, configurando uma ¿célula habitacional distinta¿.1 Poderá, assim, a parte vir a legalizar sua posse perante o Tabelionato com a averbação do registro à margem do registro. No caso em tela, a parte autora propôs a ação para que seja permitida a construção de uma escada para ter acesso ao seu imóvel através da garagem e não mais pela lateral e passando pelo imóvel do réu, bem como a construção de um muro para delimitar a área das partes. Acostou aos autos o contrato de compra e venda de laje firmado no ano de 1997, entre seu esposo, falecido, e o réu, tio deste. A certidão de casamento revela que a união ocorreu no dia 18 de fevereiro de 2011 e, conforme, narrativa na peça autoral e na contestação, a autora e seu esposo já conviviam quando da aquisição da laje, tornando indiscutível a posse mansa e pacífica sobre o imóvel construído sobre laje. Nota-se que o fato constitutivo mais comum da laje é o contrato e Pablo Stolze ponderou que: ¿dependendo da circunstância, poderá, até mesmo, operar-se a aquisição do direito real de laje por usucapião, observados os requisitos legais da prescrição aquisitiva.¿2 Ressalte-se que o direito de construir uma passagem para melhor funcionalizar o acesso à Laje é inerente ao exercício da posse justa e de propriedade conferido à autora conjuntamente exercida pela autora e seu falecido marido. Diante do exposto, VOTO no sentido de DAR PROVIMENTO AO RECURSO para REFORMAR A SENTENÇA, para determinar que o réu se abstenha de impedir a construção da escada para a autora ter acesso ao imóvel através da garagem, permitindo o acesso como decorrente da validade da venda feita em 1997 na presença de duas testemunhas, no prazo de 5 dias, sob pena de multa de diária R$ 100.00 (cem reais). Sem condenação em custas e honorários, eis que vencedora a parte recorrente. Salvador/BA, Sala das Sessões, em 22 de novembro de 2018. NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS Juíza Relatora ACÓRDÃO Realizado julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a PRIMEIRA TURMA, composta dos Juízes de Direito, NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS, CÉLIA MARIA CARDOZO DOS REIS QUEIROZ E SANDRA SOUSA DO NASCIMENTO MORENO, decidiu, por maioria de votos, DAR PROVIMENTO AO RECURSO para REFORMAR A SENTENÇA, para determinar que o réu se abstenha de impedir a construção da escada para a autora ter acesso ao imóvel através da garagem, permitindo o acesso como decorrente da validade da venda feita em 1997 na presença de duas testemunhas, no prazo de 5 dias, sob pena de multa de diária R$ 100.00 (cem reais). Sem condenação em custas e honorários, eis que vencedora a parte recorrente. Salvador/BA, Sala das Sessões, em 22 de novembro de 2018. NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS Juíza Relatora 1 VIANA, Salomão. Direito Real de Laje: Finalmente, a Lei!. Disponível em: < https://salomaoviana.jusbrasil.com.br/artigos/478132365/direito-real-de-laje-finalmente-a-lei>. Acesso em: 22 nov. 2018. 2 STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN XXXXX-4862, Teresina, ano 22, n. 4936, 5 jan.2017. Disponível em: .