I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA - JBS S.A. NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467 /2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA. 1 - PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL . 1.1 - A reclamada aponta a ausência de análise pelo Tribunal Regional quanto aos procedimentos técnicos periciais realizados pelo perito na análise de exposição de amônia, em relação aos quais houve alegação de que não atendem o procedimento determinado na NR-15 pelo MTE. Alega que o acórdão foi proferido com fundamento na análise única e exclusivamente no laudo apresentado, sendo de suma importância a manifestação se houve o correto procedimento quanto ao determinado pela NR-15 do MTE. Lista os pontos questionados, como obscuros ou omissos. 1.2 - O Tribunal Regional enfrentou os questionamentos apresentados pela reclamada, quanto à impugnação do laudo pericial efetuado pelo perito do Ministério Público do Trabalho, tendo esclarecido que o valor máximo que cada uma das medidas de amônia poderia atingir era de 30 ppm, de modo que o valor atingido, na medição realizada, correspondente a 81 ppm, superou em muito o limite tolerado, caracterizando o vazamento de amônia como grave e iminente, não necessitando de novas medições, notadamente porque poderia colocar em risco a vida do Perito e demais pessoas presentes no local. Ademais, disso, destacou que, do registro fotográfico apresentado na mesma peça técnica, constata-se que a medição foi realizada em diferentes ângulos e à altura do nível respiratório, inexistindo, também sob este aspecto, o vício metodológico apontado pela reclamada. Nesse contexto, não caracterizada a alegada negativa de prestação jurisdicional. Agravo de instrumento conhecido e não provido. 2 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER MANTIDA QUANTO ÀS MEDIDAS AINDA NÃO CUMPRIDAS PELA RECLAMADA. 2.1 - A reclamada alega que a presente ACP foi fundamentada tão somente em um único caso isolado e eventual de vazamento de amônia, que foi prontamente combatido, inexistindo motivos para amparar a condenação em obrigação de fazer relativa aos seguintes itens: a) manutenção de inventário atualizado de máquinas e equipamentos; b) garantir que os vasos de pressão possuam prontuário, registro de segurança, projeto de instalação, projeto de alteração ou reparo, relatórios de inspeção e certificados de calibração e projeto de instalação; c) garantir a adoção de todas as medidas coletivas de prevenção para a utilização de refrigeração por amônia elencadas no item 36.9.3.2 da NR 36 da Portaria n. 3.214/78 do MTE; d) plano de respostas a emergências; e) demarcação da área de circulação nos locais de instalação de máquinas e equipamentos de acordo com as normas técnicas; e) garantir vias de circulação e saídas em consonância com as normas técnicas; f) implementar as medidas previstas no PSCIP; g) garantir medidas de prevenção a incêndios; h) garantir saídas de emergência em número suficiente. 2.2 - O Tribunal Regional avaliou cada um dos itens relativos à condenação de obrigação de fazer, para verificar, com supedâneo no laudo de inspeção judicial efetivado em 13/7/2016, que "depois da vistoria empreendida em 30 de março de 2016, na qual se constatou gravíssimo vazamento de amônia, entre outros ilícitos, a empresa adotou algumas medidas tendentes a reduzir os riscos de seu estabelecimento". Diante dessa constatação, foram excluídas da condenação em obrigação de fazer, os itens em que se constatou que a reclamada já havia adotado providências e mantidos tão somente aqueles que tinham sido atendidos parcialmente ou não atendidos. 2.3 - Nesse contexto, verifica-se que o exame das alegações da reclamada quanto à necessidade de exclusão das demais obrigações de fazer somente poderia ser feito com fundamento em reanálise do contexto fático-probatório, o que é inviável nesta fase recursal, por óbice da Súmula n.º 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. 3 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. FIXAÇÃO DO QUANTUM. 3.1 - Conforme se infere do acórdão recorrido, minuciosamente fundamentado, a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais decorreu dos seguintes fatos apurados nos presentes autos: a) o primeiro vazamento de amônia ocorrido nas dependências da empresa em 27/8/2013, que ocasionou a intoxicação de alguns trabalhadores, vazamento confirmado pela inspeção realização pela Vigilância Sanitária, acompanhada pela CEREST, que detectou um vazamento de amônia em uma válvula na sala de máquinas, com concentração de até 97 ppm; b) a constatação, em 3/9/2013, na inspeção realizada pelo Perito Engenheiro de Segurança do Trabalho da PRT 23ª Região, após denúncia de mais um vazamento de amônia, da veracidade da referida denúncia, e do descumprimento de inúmeras medidas de segurança listadas na NR 23 do MTE, que colocavam em risco a vida e a saúde de mais de 500 empregados; c) o fato de que, em 30.03.2016, quase três anos após o primeiro acidente e da abertura de Inquérito Civil n.º 000325.2013.23.004/3, em desfavor da JBS S/ A (Unidade Colíder), foi presenciado pelo Perito, in loco, mais um vazamento de amônia na sala de máquinas, cujo nível de concentração atingiu 81 ppm, além de outros vazamentos esparsos e pontuais de menor escala; d) por fim, o fato de que, em Inspeção Judicial em 13.07.2016, a qual foi realizada com a participação Magistrado condutor da instrução processual, de membro do Ministério Público e do Perito nomeado pelo Juízo, ainda existiam várias medidas de segurança que não haviam sido implementadas pela reclamada. 3.2 - Dessa feita, observa-se que as alegações trazidas pela parte recorrente constituem arrazoado totalmente direcionado a afastar as premissas fáticas assentadas pelo Tribunal Regional. Dessa forma, para alcançar conclusões em sentido contrário, qual seja, para concluir que não ficou caracterizado o dano à coletividade ou à sociedade, da forma como articulado pela parte recorrente, seria necessário antes reexaminar os fatos e provas dos autos, conduta vedada em recurso de revista, ante o óbice de natureza processual consolidado na Súmula nº 126 do TST, restando afastada a violação dos dispositivos indicados. 3.3 - Da forma como proferido, o acórdão está em consonância com a jurisprudência desta Corte, que tem decidido, reiteradamente, que os descumprimentos de obrigações trabalhistas extrapolam a esfera individual, ensejando dano moral coletivo a ser reparado, uma vez que atentam também contra direitos transindividuais de natureza coletiva. Julgados desta Corte. 3.4 - Quanto às alegações relativas à fixação do quantum da indenização por danos morais coletivos, remeto a discussão ao agravo de instrumento do Ministério Público do Trabalho. Agravo de instrumento não provido quanto ao tema . 4 - INDENIZAÇÃO POR DUMPING SOCIAL . Caracterizada possível violação do art. 186 do Código Civil , o agravo de instrumento deve ser provido para melhor exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido quanto ao tema . 5 - MULTA COMINATÓRIA. ASTREINTES. 5.1 - observa-se que a reclamada não observou o disposto no art. 896 , § 1.º-A, I, da CLT , visto que não transcreveu o trecho do acórdão recorrido que trata do tema, mas apenas procedeu a um pequeno resumo do entendimento firmado pelo Tribunal Regional. Nesse contexto, confirmado o óbice apontado na decisão denegatória de seguimento ao recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e não provido . II - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA - JBS S.A. NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467 /2017. 1 - INDENIZAÇÃO POR DUMPING SOCIAL . 1.1 - O Tribunal Regional concluiu que as circunstâncias descritas nos presentes autos demonstram que a reclamada reduz significativamente seus custos de produção, porquanto deixa de cumprir normas básicas de segurança, de adotar padrões técnicos necessários ao funcionamento de sua unidade produtiva, medidas estas que demandam investimento de recursos, o que propicia o fornecimento ao mercado de consumo, nacional e internacional, de mercadorias com preço mais competitivo e com o qual as demais produtoras não podem competir, motivo pelo qual concluiu que ficou caracterizado o dumping social, e condenou a reclamada ao pagamento de indenização. 1.2 - No tocante ao dumping social, o Enunciado nº. 04, da 1ª. Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho o conceitua o da seguinte forma: 'DUMPING SOCIAL'. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186 , 187 e 927 do Código Civil . Encontra-se no art. 404 , parágrafo único do Código Civil , o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652 , d, e 832 , § 1º , da CLT ."1.3 - A indenização por dumping social, portanto, é medida reparatória contra a empresa que pratica atos ilícitos trabalhistas reincidentes, precarizadores da mão de obra, de forma que diminua os custos com a produção, aumente o lucro demasiadamente e obtenha vantagens indevidas perante a concorrência, implicando macrolesões que afetam a sociedade como um todo ao ferir os direitos fundamentais do empregado, a concorrência econômica, a estrutura do Estado Social, bem como o modelo capitalista. 1.4 - Outro aspecto de relevo a ser ressaltado é que o agente violador acaba obtendo vantagem econômica indevida da situação de irregularidade por ele mesmo perpetrada, incorrendo na prática do dumping social. Isso porque, ao esquivar-se das obrigações trabalhistas relativas à manutenção da higidez do meio ambiente de trabalho, acaba por inviabilizar a atividade econômica daqueles que cumprem a lei, afrontando os princípios que regem a ordem econômica, especialmente a livre iniciativa e a livre concorrência ( CRFB /1988, artigo 170 e inciso IV). 1.5 - O dumping social, portanto, decorre de violação a direitos coletivos lato sensu, e o meio processual apto a repará-lo é a ação civil pública ou coletiva, conforme a Lei n.º 7.347 /85, a Lei Complementar n.º 75 /93 e o Código de Defesa do Consumidor , motivo pelo qual não há falar em inexistência de previsão legal. 1.6 - Esta Corte, por sua vez, já se manifestou no sentido de que o dumping social se caracteriza pela adoção de práticas contrárias aos direitos trabalhistas (reiteração no descumprimento das normas do direito do trabalho) por parte do empregador com o objetivo de reduzir os custos de produção e, assim, aumentar os seus lucros, prática lesiva que merece ser punida, por causa prejuízos aos seus próprios empregados e à coletividade, por ofender os direitos humanos e a livre concorrência. Julgados desta Corte. 1.7 - Todavia, na hipótese dos presentes autos , conquanto tenha sido demonstrado que a reclamada descumpria normas de segurança do trabalho, tendo sido verificada a ocorrência de vazamento de amônia em seu estabelecimento produtivo por mais de uma vez, entendo que não ficou devidamente caracterizado o intuito de prejudicar a concorrência, eliminar a competitividade e obter lucros indevidos, por meio de deliberada e reiterada desobediência do empregador à legislação trabalhista, porquanto não ficaram demonstrados nos autos os indícios de que o direito descumprido tivesse gerado alguma vantagem mercadológica para a empresa. Ainda que se possa verificar que a mencionada empresa tem sido condenada em outras ações por dumping social, o que, inclusive, foi citado pelo Tribunal Regional, a verificação do intuito de obter vantagem e eliminar a competitividade por meio da reiteração de violações à legislação trabalhista necessita ser devidamente configurada, no exame de cada caso específico, e, na presente hipótese, não é possível extrair do quadro fático delineado no acórdão recorrido o intuito de obter lucro ou a vantagem mercadológica obtida pela empresa demandada. Recurso de revista conhecido e provido quanto ao tema. III - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467 /2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA. 1 - TUTELA INIBITÓRIA. MANUTENÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER MESMO EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS JÁ IMPLEMENTADAS PELA RECLAMADA. 1.1 - A Corte de origem avaliou, minuciosamente, cada um dos itens apontados no laudo pericial para verificar quais as obrigações que já haviam sido cumpridos pela reclamada, mantendo, por conseguinte, a multa por descumprimento de obrigação de fazer tão somente quanto às obrigações que ainda não haviam sido implementadas ou implementadas parcialmente. Quanto às obrigações cumpridas pela reclamada, o Regional consignou que "inexiste nos autos elementos que demonstrem a existência de ameaça, efetiva ou ainda que em potencial, à reiteração das violações verificadas, motivo pelo qual entendo não subsistir razão para a manutenção da multa fixada". 1.2 - Diante da conclusão exarada pelo Tribunal Regional, no sentido que a multa não deve ser mantida quanto às obrigações já cumpridas, porque não há nos autos elementos que demonstrem ameaça, efetiva ou potencial, de que a reclamada reitere as violações às normas de saúde e segurança do trabalho, para se chegar a uma conclusão diversa seria necessária a incursão no contexto fático-probatório dos presentes autos, o que encontra óbice na Súmula n.º 126 do TST. 1.3 - Nesse contexto, a decisão do Tribunal Regional está em consonância com o art. 536 , § 1.º , do CPC/2015 , aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, que autoriza ao juiz a imposição de multa ao réu para o cumprimento imediato da obrigação de fazer, caso entenda necessário. Agravo de instrumento conhecido e não provido . 2 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM . Demonstrada possível violação do art. 944 do Código Civil , o recurso de revista deve ser admitido quanto ao tema. Agravo de instrumento conhecido e provido quanto ao tema. IV - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467 /2017. 1 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM . O Tribunal Regional, ao reduzir o valor da indenização por danos morais coletivos de R$1.300.000,00 para R$700.000,00, levou em consideração as circunstâncias fáticas descritas nos presentes autos, quais sejam, o fato de que no presente caso ficou demonstrado o efetivo vazamento de gás tóxico (amônia), a quantidade de trabalhadores submetidos ao incidente e ao risco de sua reiteração, o rol de violações verificadas, a demora na adoção de providências, e, de outro lado a atenuante acima apontada, ou seja, o fato de que a Ré atuou para sanar parte as infrações constatadas pela inspeção do trabalho, minimizando a extensão dos danos. Constata-se, nesse contexto, que o valor arbitrado na origem já se revela até mesmo acima das balizas da razoabilidade e proporcionalidade. Isso porque, embora a lei não estabeleça um parâmetro previamente definido para se apurar o valor em indenizações por dano moral coletivo, a regra recomenda que a indenização deve ter caráter pedagógico, reparador o suficiente para minimizar o sofrimento infligido à vítima, além do caráter coercitivo, de forma a desestimular o ofensor da prática continuada da conduta ilícita. In casu , a reclamada foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) em razão do descumprimento de preceitos constitucionais e infração às leis trabalhistas atinentes à segurança e saúde dos trabalhadores, haja vista o vazamento de gás tóxico (amônia). Não se pode olvidar, contudo, do fato de a empresa ter atuado para sanar parte as infrações constatadas pela inspeção do trabalho, minimizando a extensão dos danos. Considerando, assim, as circunstâncias do caso concreto, tem-se que o valor de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), arbitrado a título de dano moral coletivo já se mostra elevado, não comportando majoração nessa instância recursal extraordinária. Nesse contexto, em atenção ao princípio da proporcionalidade, à extensão do dano, ao porte da empresa, e ainda, às indenizações fixadas em situações análogas por esta Corte Superior, reputa-se razoável o valor do dano moral coletivo arbitrado, não comportando reforma o v. acórdão regional. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.