DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS APENAS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO CONAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DO IBAMA. SENTENÇA. ANULAÇÃO DO PROCESSO DE LICENCIAMENTO POR INCOMPETÊNCIA DA ENTIDADE ESTADUAL (FEMA/MT). REFORMA. 1. A ação civil pública foi proposta com a finalidade de afastar, por alegada incompetência, a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso - FEMA/MT do processo de licenciamento ambiental e, em conseqüência, levar para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, que seria a entidade competente, esse licenciamento. O pedido, tal como feito, envolve, portanto, questão de interesse da referida autarquia, daí o litisconsórcio necessário, independentemente do final reconhecimento da competência federal. Para a caracterização do litisconsórcio necessário, basta a possibilidade, em tese, da competência administrativa federal ser finalmente reconhecida. 2. A competência administrativa - da FEMA/MT ou do IBAMA - é o mérito da causa. Dito de outra forma, o IBAMA, em caso dessa espécie, será litisconsorte necessário, seja para efeito de negar sua competência, caso em que - como inicialmente procedeu - colocar-se-á ao lado da entidade estadual e contra o pedido do Ministério Público, seja para efeito de admitir sua competência, hipótese em que estará reconhecendo a procedência do pedido do autor e, em conseqüência, refutando a pretensão da entidade estadual. 3. A legitimidade do IBAMA se confunde com o mérito. Aliás, é o próprio mérito da causa, razão pela qual se rejeita a preliminar em que se pretende sua exclusão do processo e conseqüente declaração de incompetência da Justiça Federal. 4. Em face do pedido e da causa de pedir, a que se ateve a sentença, as provas constantes dos autos são suficientes. O indeferimento de outras provas requeridas pelas partes não implicou cerceamento de defesa. Aplicação, por outro lado, do disposto no art. 249 , § 2º , do Código de Processo Civil . Rejeitada, também, esta preliminar de anulação do processo. 5. Só "o custo da obra é estimado em R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais)". O valor da causa - no caso, de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) - deve corresponder, ainda que por estimativa, a seu conteúdo econômico. Por isso, improvido o Agravo de instrumento interposto de decisão em que foi rejeitada impugnação ao valor da causa. 6. Estabelece o art. 10 da Lei n. 6.938 /81: "A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis". O § 4º prevê: "Compete ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional". 7. Por sua vez, dispõe o art. 4º da Resolução CONAMA n. 237/97: "Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei n. 6.938 , de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas (grifei) ou em unidades de conservação do domínio da União; II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados (grifei); III - cujos impactos ambientais diretos (grifei) ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; ...". 8. A PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas. Apenas encontra-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também está evidenciado que o impacto ambiental em outro Estado é apenas indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida, além disso, do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 9. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. O impacto regional, para justificar competência do IBAMA, deve subsumir-se na especificação do art. 4º da Resolução n. 237/97, ou seja, deve ser direto; semelhantemente, justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos" (grifei). 10. Não foge desse critério a Constituição , no art. 231 , § 3º , quando prevê que "o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas (grifei) só poderão ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei". 11. Na Constituição , as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes. Significa dizer que, em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas), as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição , o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. 12. Fatos supervenientes à propositura da ação devem ser considerados na sentença, regra que, sem prejuízo da ampla defesa, alcança o julgamento de recurso pelo Tribunal. Mas o início da demarcação de outra terra indígena, com a possibilidade de esta alcançar a área em que construída a usina, não é fato suficiente para influenciar no julgamento do recurso. Até o momento, a causa de pedir - cuja alteração, aliás, está excluída da referida regra - é o fato de a usina encontrar-se próxima a terra indígena. 13. Providas as apelações da empresa-ré e do Estado de Mato Grosso, bem como a remessa oficial (tida por interposta). Prejudicada a apelação do IBAMA e o agravo contra o respectivo recebimento. 14. À inteligência do art. 18 da Lei n. 7.347 /85, ausente litigância de má-fé, não há condenação ao pagamento de honorários advocatícios.