ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Serra - Comarca da Capital - 4º Juizado Especial Cível Avenida Carapebus, 226, Fórum Desembargador Antônio José Miguel Feu Rosa , São Geraldo/Carapina, SERRA - ES - CEP: 29163-392 Telefone:(27) 33574864 ou XXXXX-4864; 3357-4865 PROCESSO Nº XXXXX-06.2023.8.08.0048 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) AUTOR: FAGNER DIAS DE SOUZA REQUERIDO: SC INVESTIMENTOS E SOLUCOES FINANCEIRAS LTDA Advogado do (a) AUTOR: LORRAINE ANGELA DA VITORIA - ES28575 Advogado do (a) REQUERIDO: ALEXANDRE FONTANA DE BARROS - SP308870 PROJETO DE SENTENÇA Trata-se de ação movida por FAGNER DIAS DE SOUZA em face de SC INVESTIMENTOS E SOLUÇÕES FINANCEIRAS LTDA, por meio da qual alega que celebrou contrato com a ré, acreditando tratar-se de financiamento veicular, contudo após o pagamento da entrada não recebeu o bem conforme pactuado, descobrindo posteriormente tratar-se de consórcio, razão pela qual postula a restituição do que pagou e reparação moral. A inicial veio instruída de documentos e em audiência UNA as partes não celebraram acordo, diante da ausência da requerida, vindo os autos conclusos para sentença. Eis, em breve síntese, o relatório. Passa-se a fundamentar e decidir. Inicialmente, observa-se que diante da ausência da Requerida não compareceu a audiência (id. XXXXX), imperiosa a decretação da revelia, na forma do artigo 20 , da Lei n. 9.099 /95, reputando-se verdadeiros os fatos alegados no inicial, até porque o patrono constituído pela requerida tomou ciência da designação do ato (id. XXXXX). No mérito, diante da ausência de impugnação dos fatos, bem como a parte autora trazer aos autos provas mínimas dos fatos constitutivos (o artigo 373 , inciso I , do CPC ), juntando aos autos contrato (id. XXXXX), conversas da negociação (id. XXXXX e id. XXXXX) e comprovante de pagamento no próprio termo de contrato de id. XXXXX. Ainda se ressaltar que este Juizado e quase todos os Juizados Especiais Cíveis da Grande Vitória estão abarrotados de ações da mesma natureza, ou seja, ações em que consumidores, em regra de baixa renda e de pouca ou nenhuma instrução, alegam que são atraídos para a contratação pela promessa de contemplação e essa circunstância não pode ser desconsiderada no julgamento da ação, pois esta ação não é lide pontual e eventual, mas uma dentre centenas de outras, o que se autoriza a chegar à conclusão de que a promessa de contemplação se constitui atualmente em verdadeira estratégia de venda. A propósito, exigir que a parte autora, fizesse prova de que houve promessa da contemplação por documento ou testemunha, seria o mesmo que tornar a situação experimentada fora do âmbito da comprovação, seria o mesmo que exigir da parte autora a prova impossível, diabólica, ao passo que a ré sequer compareceu ao ato e impugnou as alegações. Assim, incontroverso que no caso concreto houve dolo na contratação e não se garantiu ao consumidor os direitos básicos previstos no art. 6º do CDC , dentre os quais se insere o direito a ter acesso à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Nesse rumo, diante da ausência de comprovação pela ré de que seus vendedores fizeram a proposta de adesão ao grupo de consórcio com informação adequada e clara sobre o contrato, com especificação correta sobre suas características e sobre os riscos que apresentava, mister reconhecer que a parte autora foi induzido a celebrar contrato sob garantia de contemplação rápida e segura, o que não é próprio dos contratos de consórcio. Nessa perspectiva, a teor do disposto no art. 138 do Código Civil : ´´são anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio´´ e, no caso dos autos, diante da demonstrada falta de informação a respeito dos reais riscos que o negócio jurídico apresentava, especialmente no tocante ao modo e prazo de contemplação, resta evidenciado, aos olhos do Juiz, o vício de consentimento na celebração do negócio jurídico objeto desta ação por erro substancial, pois o autor não teria aderido ao consórcio se soubesse da possibilidade de não ser contemplado com o crédito no prazo sinalizado pela vendedora. Nesse rumo, diante do erro substancial, deve o negócio jurídico ser declarado nulo, com retorno das partes ao status quo ante (art. 182 do Código Civil ), isto é, com a restituição a parte autora da quantia que pagou, devidamente atualizada, cabendo à requerida buscar o ressarcimento de eventual comissão paga ao vendedor pela via adequada. A propósito, nesse sentido: EMENTA: DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR . CONSÓRCIO. PROMESSA DE CONTEMPLAÇÃO IMEDIATA . ERRO SUBSTANCIAL CONFIGURADO . MANIFESTAÇÃO DE VONTADE VICIADA . CONTRATAÇÃO ANULADA . RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS . DANO MORAL CONFIGURADO . VALOR REDUZIDO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1.Hipótese em que restou provado que preposto da apelante levou seu cliente pessoa humilde moradora da cidade interiorana de Governador Lindemberg, que se encontrava assolada pela enchente de 2013 e pela seca que se seguiu a acreditar que estava aderindo a um grupo de consórcio já em andamento e que sua contemplação sairia em poucos meses, o que posteriormente soube-se tratar de uma armadilha para angariar clientes. 2. Caracterizada a conduta abusiva praticada em desfavor do consumir (art. 6º , IV , do CDC ) e o vício na vontade expressada pelo apelado, que caracteriza erro substancial que, nos termos do arts. 138 e 139 do CC?02, anula o negócio jurídico firmado. 3. A condenação da apelante à imediata restituição dos valores pagos pelo apelado tem fundamento tanto no dever do fornecedor de reparar os danos por ele causados (art. 6º , VI , do CDC ), quanto na anulação do negócio jurídico, que produz efeitos ex tunc, exatamente porque promove o retorno das partes ao status quo ante, nos termos do art. 182 do CC?02. 4.Definida, pois, a conduta abusiva da apelante, não há razão para afastar sua condenação ao pagamento de dano moral ao apelado, exposto a situação de angústia decorrente da constatação de ter sido enganado e ludibriado, mas o valor fixado pelo juízo a quo R$ 20.000,00 (vinte mil reais) - mostra-se elevado e deve ser reduzido para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante este que atende ao disposto no art. 944 do CC?02 e se mostra justo, proporcional e suficiente para compensar o dano e punir a atitude da apelante. 5.Recurso parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, na conformidade da ata da sessão, à unanimidade de votos, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto do Relator. (TJES, Classe: Apelação, 14150008739, Relator: Carlos Simões Fonseca - Relator Substituto: Ubiratan Almeida Azevedo , Órgão Julgador: Segunda Câmara Cível, Data de Julgamento: 14/03/2017). EMENTA: rescisão contratual Consórcio Promessa feita pelo vendedor de que a contemplação do veículo ocorreria no prazo máximo de 48 horas da assinatura do contrato Informação que foi determinante para a adesão ao contrato Desrespeito ao art. 6º , III , da Lei 8.078 /90 Informação que deve ser adequada e clara - Autor que faz jus à rescisão do ajuste, bem como à devolução do valor pago. Responsabilidade civil Consórcio Impossibilidade de se isentar a ré da responsabilidade pelo evento sucedido Relação de consumo Caso em que toda a cadeia de fornecedores deve responder solidariamente pela reparação dos danos - Arts. 7º , parágrafo único , e 34 da Lei 8.078 /90 Responsabilidade objetiva dos prestadores de serviço em relação aos seus clientes Conduta da ré que acarretou ao autor aflição, transtornos e aborrecimentos passíveis de indenização Dano moral evidenciado Indenização devida. Consórcio Erro substancial Inviabilidade de devolução do valor pago ao autor somente após o término do grupo consorcial Impossibilidade de abatimento dos valores pagos a título de taxas de adesão e de administração, fundo de reserva e seguro de vida Impossibilidade de aplicação da cláusula penal prevista na avença Hipótese que não versa sobre devolução de quantias pagas em virtude da exclusão ou desistência de consorciado, mas sobre anulação de contrato de consórcio decorrente de vício de consentimento por erro substancial quanto à natureza do negócio Art. 139 , I , do CC . Dano moral "Quantum" Arbitrada na sentença, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 5.000,00 Valor que não comporta redução - Critério de prudência e razoabilidade Ressarcimento que se deve moldar pelo comedido arbítrio do juiz Justa a fixação da indenização nos moldes estipulados na sentença Apelo da ré desprovido. (TJ-SP - Apelação: APL XXXXX20078260309 SP XXXXX-02.2007.8.26.0309 , Publicação18/08/2014 Julgamento13 de Agosto de 2014, Relator: José Marcos Marrone ). Por outro lado, o valor pago deverá ser restituído de forma integral, pois não se está diante de mera desistência, mas de invalidação do negócio jurídico, de sorte que não há que se falar em taxa de administração e de forma imediata. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, malgrado o STJ tenha pacificado entendimento de que o mero descumprimento contratual não enseja dever de indenizar, o caso sob análise apresenta contornos que transbordam a barreira do mero inadimplemento do contrato, pois o que se extrai dos autos é ato criminoso, que se investigado de forma efetiva se desdobraria em responsabilidade criminal e nestas condições houve flagrante violação dos direitos extrínsecos e intrínsecos da personalidade da parte autora, com aviltamento de seu patrimônio e de sua honra, razão pela qual se reconhece lesão moral e dever de indenizar, fixando-se indenização em R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia suficiente a reparar o dano moral amargado, sem lhes causar enriquecimento sem causa. Ante o exposto, julgam-se parcialmente procedentes os pedidos, resolvendo-se o processo, na forma do art. 487 , I do CPC , para o fim de: A) DECLARAR a nulidade do contrato celebrado entre as partes diante do dolo constatado, impondo-se à ré o dever de baixar o contrato e cobranças, tudo em até trinta dias corridos, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) por cobrança realizada, até o limite de R$ 3.000,00 (três mil reais). B) CONDENAR a requerida, a restituir a parte autora a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigida monetariamente a contar do desembolso e acrescida de juros de mora a partir da celebração do contrato que se invalida (ato ilícito) (não haverá retenção de taxa de administração, diante do reconhecimento do vício de consentimento). C) CONDENAR a requerida a pagar R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de indenização por danos morais, quantia que deverá ser corrigida monetariamente a partir do arbitramento (súmula 362 do STJ) e acrescida de juros legais do ato ilícito. Publique-se, registre-se, intime-se o autor (a requerida é revel) e ocorrendo cumprimento voluntário da sentença, expeça-se alvará e arquivem-se. Em caso de recurso por qualquer das partes, a Secretaria deverá certificar tempestividade e em caso positivo, intimar a parte recorrida para apresentar resposta e com ou sem estas remeter os autos para a Turma Recursal, a análise dos pressupostos recursais é da instância revisora (inclusive análise de pedido de assistência judiciária e eventual intempestividade). Transitada em julgado e nada sendo requerido em dez dias, arquivem-se. Oficie-se ao Ministério Público com atribuição na Defesa do Consumidor para adotar, se for o caso, medidas cabíveis, dada a quantidade de ações que versam sobre o mesmo tema. Submete-se, em derradeiro, o presente projeto de sentença à análise do Juiz Togado, para homologação, nos termos do artigo 40 , da Lei n. 9.099 /95. HANNA PIMENTEL POLEZE Juíza Leiga S E N T E N Ç A Homologa-se o projeto de sentença acima, para que produza seus efeitos legais, na forma do artigo 40 da Lei n. 9.099 /95. SERRA, 20 de fevereiro de 2024. RONALDO DOMINGUES DE ALMEIDA Juiz de Direito