TJ-CE - Apelação Criminal: APR XXXXX20198060137 Fortaleza
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ART. 2º , § 4º , I , DA LEI 12.850 /13. RECURSO EXCLUSIVO DAS DEFESAS. PRELIMINAR DE NULIDADE DAS PROVAS POR ILICITUDE. PROVAS OBTIDAS MEDIANTE ACESSO NÃO AUTORIZADO A APARELHO CELULAR DA RÉ. ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ALEGAÇÃO POLICIAL DE PERMISSÃO DA PROPRIETÁRIA DO APARELHO. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR AUTORIZAÇÃO VOLUNTÁRIA. INEXISTÊNCIA. CONSENTIMENTO, ACASO EXISTENTE, PRESUMIDAMENTE VICIADO. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORA ENVENENADA. PROVAS DERIVADAS CONTAMINAS PELA ILICITUDE. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS INDEPENDENTES. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, PARA ABSOLVER OS ACUSADOS NOS TERMOS DO ART. 386 , VII , DO CPP , FACE AO RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DAS PROVAS. SENTENÇA REFORMADA. 1. No presente caso, se observa situação de flagrante nulidade absoluta, na medida em que se constata que houve acesso desautorizado e injustificado ao aparelho celular de um dos réus, derivando daí o restante das provas utilizadas para embasar a denúncia, o que torna as provas constantes nos presentes autos ilícitas. 2. Nessa perspectiva, considerando que dados, fotos, vídeos e conversas armazenados em aparelho celular, seja através do aplicativo 'Whatsapp', seja por mensagens de texto, seja através de qualquer outro aplicativo, estão guarnecidos pelo princípio constitucional da inviolabilidade da intimidade, qualquer acesso a tais dados, sem a prévia autorização judicial, contamina tal prova de vício irremediável. 3. Registre-se que, no presente caso, não havia autorização judicial para a diligência policial, tendo sido deflagrada de forma ocasional, durante patrulhamento. Em casos dessa jaez, a jurisprudência admitia a mitigação do princípio de proteção à intimidade, quando o investigado consentia aos policiais o acesso ao seu aparelho celular. Recentemente, porém, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Processo de Habeas Corpus nº 609.221/RJ , em situação análoga, declarou a ilicitude de tal prova, por entender que tal consentimento é viciado. 4. Nota-se, nos presentes autos, que não haviam razões para justificar a atitude dos policiais de acessar os dados do celular da acusada, na medida em que não haviam elementos suficientes para fundamentar suspeitas que a mesma estaria envolvida em um crime permanente e que o acesso urgente às informações que se encontravam no celular seria necessário, isto é, não se apresentou qualquer razão que justificasse os policiais terem apreendido o celular da ré, bem como que por qual motivo não poderiam aguardar o tempo necessário para requerer e obter autorização judicial para a acessar os dados que ali existissem. 5. Em verdade, fica evidente que, caso os agentes estatais tivessem realizado maiores investigações preliminares, ou solicitado autorização judicial para acesso aos dados do celular da ré, teria sido possível obter as provas necessárias validamente para instruir a ação. No entanto, ao contrário, pelas provas colacionadas aos autos percebe-se que ocorreu situação de 'fishing expedition' isto é, houve uma investigação especulativa, sem objetivo certo ou declarado, que 'lançou' suas redes com a esperança de 'pescar' qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação. 6. Diante de todo o contexto narrado, não é outra a conclusão, se não a que se mostram inadmissíveis as provas obtidas em violação às normas constitucionais (art. 157 do CPP ), como no caso dos autos. Importante relembrar, ainda, da teoria dos "frutos da árvore envenenada", segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos, isto é, a eventual existência de prova lícita que derive de prova ilícita também é considerada inválida para fins processuais. 7. É cediço que, por força da regra da distribuição probatória, o ônus da prova recai sobre a parte acusadora, cabendo-lhe demonstrar, em grau suficiente de certeza, a autoria e a materialidade do delito. Pertinente, nessa esteira, a aplicação do brocardo latino in dubio pro reo, que consiste numa regra simples de apreciação da prova, utilizado no momento de valoração, de modo que, na dúvida, a decisão tem de favorecer o imputado, que não tem a obrigação de provar sua inocência. Cabe, isto sim, ao Ministério Público laborar para extirpar a presunção constitucional de presunção de inocência o que, em verdade, não logrou êxito em fazê-lo. 8. Recursos conhecidos e providos. Sentença reformada, para absolver os réus, nos termos do art. 386 , VII , do CPP . ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os integrantes a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso apelatório interposto, para dar-lhe provimento, reformando sentença para absolver os réus, ante ao reconhecimento da ilicitude das provas obtidas, nos termos do voto desta Relatoria. Fortaleza, 19 de abril de 2022 MARLÚCIA DE ARAÚJO BEZERRA Relatora