PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C , DO CPC . DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45 /2004. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NOVEL POSICIONAMENTO ADOTADO PELA SUPREMA CORTE. 1. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 7º, § 7º, vedou a prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese do devedor de alimentos. Contudo, a jurisprudência pátria sempre direcionou-se no sentido da constitucionalidade do art. 5º, LXVII, da Carta de 1.988, o qual prevê expressamente a prisão do depositário infiel. Isto em razão de o referido tratado internacional ter ingressado em nosso ordenamento jurídico na qualidade de norma infraconstitucional, porquanto, com a promulgação da constituição de 1.988, inadmissível o seu recebimento com força de emenda constitucional. Nesse sentido confiram-se os seguintes julgados da Suprema Corte: RE XXXXX - GO , Relator Ministro MOREIRA ALVES , Primeira Turma, DJ de 29 de junho de 2.006 e RE 206.482 - SP , Relator Ministro MAURICIO CORRÊA , Tribunal Pleno, DJ de 05 de setembro de 2.003.2. A edição da EC 45 /2.004 acresceu ao art. 5º da CF/1.988 o § 3º, dispondo que "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados , em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais", inaugurando novo panorama nos acordos internacionais relativos a direitos humanos em território nacional.3. Deveras, "a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva do pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, (art , 7º, 7), ambos do ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da constituição , porém acima da legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código civil de 1916 e com o Decreto-Lei 911 /1969, assim como em relação ao art. 652 do novo Código Civil (Lei 10.406 /2002)."(voto proferido pelo Ministro GILMAR MENDES , na sessão de julgamento do Plenário da Suprema Corte em 22 de novembro de 2.006, relativo ao Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP , da relatoria do Ministro CEZAR PELUSO).4 . A Constituição da Republica Federativa do Brasil , de índole pós-positivista, e fundamento de todo o ordenamento jurídico, expressa, como vontade popular, que a República Federativa do Brasil , formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária.5. O Pretório Excelso, realizando interpretação sistemática dos direitos humanos fundamentais, promoveu considerável mudança acerca do tema em foco, assegurando os valores supremos do texto magno. O Órgão Pleno da Excelsa Corte, por ocasião do histórico julgamento do Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP , Relator MIn. Cezar Peluso , reconheceu que os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordinária, ostentando status normativo supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade, máxime em face do efeito paralisante dos referidos tratados em relação às normas infra-legais autorizadoras da custódia do depositário infiel. Isso significa dizer que, no plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade.6. No mesmo sentido, recentíssimo precedente do Supremo Tribunal Federal, verbis: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619 /STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes.Revogação da Súmula 619 /STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos ( CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO , que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO . - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição . A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da Republica , se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano. ( HC 96772 , Relator (a): Min. CELSO DE MELLO , Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, PUBLIC XXXXX-08-2009 EMENT VOL-02370-04 PP-00811) 7. Precedentes do STJ: RHC XXXXX/SP , Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES , SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 15/10/2009; HC XXXXX/RS , Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA , QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 14/09/2009; AgRg no Ag XXXXX/SP , Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR , QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 28/09/2009; RHC XXXXX/RS , Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 14/10/2009; EDcl no REsp XXXXX/RS , Rel. Ministra DENISE ARRUDA , PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 11/05/2009; REsp XXXXX/RS , Rel. Ministro LUIZ FUX , PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 19/02/2009; HC XXXXX/SP , Rel. Ministra LAURITA VAZ , QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 09/02/2009) 8. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.