EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO POR SERVIÇO NÃO CONTRATADO, REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. EMPRÉSTIMO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DO DEVER DE INFORMAÇÃO. ABUSIVIDADE VERIFICADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 63 DO TJ/GO E SÚMULA 23 DA TUJ. REVISÃO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE JUROS DO CRÉDITO CONSIGNADO. EXTINÇÃO DA CAUSA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA CASSADA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA. 1. Trata-se os autos de recurso inominado em face de sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 51 , inciso II , da Lei nº 9.099 /1995, reconhecendo a incompetência do Juizado Especial ante a complexidade da causa, entendendo que necessita da produção de perícia contábil para a realização dos cálculos e a liquidez da sentença. 2. Entretanto, não procede tal entendimento, impondo-se a cassação da sentença, pois o caso em apreço não se qualifica como demanda complexa, até porque é possível a prolação de sentença líquida a partir de simples cálculos aritméticos, dispensando a realização de prova pericial. Nesse sentido, inclusive, é a orientação jurisprudencial das Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais do Estado de Goiás, que entende que não é complexa a causa em que se discute legalidade da continuidade dos descontos tidos por abusivo pelo consumidor, em razão de contrato de cartão de crédito consignado, que teria sido firmado mediante informação insuficiente e inadequada por parte da instituição financeira respectiva. Não há, ainda, que se falar em necessidade de perícia técnica contábil, quando a matéria já se encontra sumulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e os demais juizados cíveis do Estado apreciam o mérito de outras demandas idênticas, sem qualquer dificuldade. Precedente contido nos autos n.º XXXXX-20.2020.8.09.0051 , julgado pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado de Goiás, de Relatoria do Dr. Fernando César Rodrigues Salgado. Portanto, a sentença hostilizada deve ser cassada e considerando o disposto no artigo 1.013 , § 3º , inciso I , do Código de Processo Civil , aplicável por analogia, passo ao julgamento do mérito dos pedidos iniciais. 3. É direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços ofertados, com especificação correta de todas as suas características, bem como sobre os riscos que apresentem. 4. Em que pese a alegação do banco recorrido acerca da legalidade dos descontos e do estrito cumprimento do contrato firmado, cujos termos afirma ser de total ciência do contratante, isso não é o que se verifica dos autos. 5. Apesar da denominação dada à operação de crédito firmada entre as partes ?Cartão de Crédito Consignado?, a relação havida entre as partes, dentre tantas outras que são ajuizadas no Poder Judiciário, não preserva as características próprias de um contrato de cartão de crédito, por se restringir ao saque total do valor contratado, por meio de TED, e disponibilizado diretamente na conta do contratante, não havendo sequer utilização do cartão de crédito em realização de compras em estabelecimentos comerciais. 6. Não se vislumbra qualquer discriminação de compras ou saques com cartão efetuados pelo contratante, tal como comprovam as faturas anexadas a contestação (evento n.º 9, páginas 160 a 221). 7. Em verdade, o empréstimo concedido, na data 21 de janeiro de 2016, não expressa a quantidade de parcelas a serem consignadas em folha de pagamento, nem o termo final da quitação da dívida que, em caso de desconto apenas do valor mínimo da fatura do cartão de crédito, lhe confere um caráter indeterminado, mesmo que o autor/recorrente sequer utilize o serviço. 8. Embora regulamentado pelo Banco Central do Brasil, o cartão de crédito consignado passa a configurar prática onerosa ao consumidor (art. 51 , IV , do CDC ) e vantagem excessiva para o Banco fornecedor (art. 39 , V , CDC ) quando a instituição bancária, concomitantemente à contratação, disponibiliza valor ao contratante via TED, transferindo para sua conta montante a título de verdadeiro mútuo consignado, mas fazendo incidir sobre o negócio juros do crédito rotativo, descontando em folha de pagamento somente o mínimo faturado e refinanciando o saldo devedor remanescente, com o acréscimo de encargos inerentes ao cartão de crédito, sabidamente muito mais onerosos que os do empréstimo consignado. 9. No mesmo sentido, eis o teor do enunciado da súmula 23 da TUJ e súmula 63 do TJ/GO: Os empréstimos concedidos na modalidade ?Cartão de Crédito Consignado? são revestidos de abusividade, em ofensa ao CDC , por tornarem a dívida impagável em virtude do refinanciamento mensal, pelo desconto apenas da parcela mínima devendo receber o tratamento de crédito pessoal consignado, com taxa de juros que represente a média do mercado de tais operações, ensejando o abatimento no valor devido, declaração de quitação do contrato ou a necessidade de devolução do excedente, de forma simples ou em dobro, podendo haver condenação em reparação por danos morais, conforme o caso concreto.? 10. Assim, diante da ausência de esclarecimentos no contrato acerca das condições e da modalidade de ?empréstimo? efetivamente contraído e da não utilização do cartão de crédito para realização de compras, não há dúvida de que o contratante não detinha conhecimento das suas consequências, notadamente em razão da sua hipossuficiência originária enquanto consumidor, concluindo-se que houve omissão por parte da instituição bancária quanto ao dever de informação, lealdade e boa-fé. 11. No caso dos autos, não há que se falar em nulidade completa do contrato, como pretendido pela recorrente, mas apenas na conversão do contrato para empréstimo consignado. Embora não haja um pedido expresso da parte autora para que se implementasse a revisão do pacto, tal conclusão resulta da interpretação lógico sistemática da narrativa dos fatos e da causa de pedir. Com efeito, o art. 322 , § 2º , do CPC , dispõe que ?A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé?. 12. Assim, pode o julgador, por meio da interpretação lógico sistemática da petição inicial, extrair pedidos implícitos da parte, identificando aquilo que se pretende obter com a demanda, não havendo, nesse caso, vazão para reconhecimento de sentença extra petita. Precedentes do STJ e do TJGO (1ª Turma do STJ, AgInt no AREsp nº. 1.198.794/PR, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJ de 23/05/2019; 2ª Câmara Cível do TJGO, Apelação nº. XXXXX-95.2018.8.09.0051 , Relatora Des. Leobino Valente Chaves, DJ de 13/06/2019). 13. Portanto, não caracteriza julgamento extra petita a interpretação do contrato nominado de ?cartão de crédito consignado? como ?crédito consignado? (mútuo feneratício), porque constitui simples caminho mental percorrido pelo julgador para conhecer dos pedidos deduzidos. 14. Com efeito, impõe-se a revisão do contrato em análise em virtude da necessidade de se restabelecer o equilíbrio entre as partes, já que, na modalidade em que contratado, o consumidor é colocado em extrema desvantagem, com mínima expectativa de adimplir a obrigação contraída em razão da taxa de juros aplicada e do refinanciamento constante da dívida, além de permitir o aumento da margem consignável, o que caracteriza abusividade e falha no dever de informação sobre as cláusulas contratuais, uma vez que a reserva de margem consignável (RMC) se confunde com o pagamento mínimo da fatura. 15. Acresça-se, por oportuno, que ?nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.? (Súmula 530 , do STJ, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015). Assim sendo, impõe-se a taxa média de mercado disposta pelo BACEN para operações análogas, considerando-se a data do negócio jurídico. 16. Neste sentido é o entendimento que tem sido adotado pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais do Estado de Goiás (Precedentes: 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, processo nº 5199630.91.2018.8.09.0131, Relator Fernando Ribeiro Montefusco, publicado em 19/06/2019; 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, processo nº 5079038.51.2015.8.09.0057, Relator Altair Guerra da Costa, publicado em 09/08/2019, processo nº 5147720.64.2015.8.09.0055, Relatora Mônica Cezar Moreno Senhorelo, publicado em 30/05/2019; 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, processo nº 5314404.98.2018.8.09.0046, Relator Sebastião José de Assis Neto, publicado em 17/05/2019). 17. Quanto à repetição de indébito, é firme a orientação jurisprudencial em admitir a repetição do indébito na forma simples sempre que constatada cobrança indevida do encargo exigido. Precedentes do TJGO (2ª Câmara Cível, Apelação nº. XXXXX-54.2018.8.09.0087 , Relator Des. Carlos Alberto França, DJ de 27/05/2019). 18. Quanto ao dano moral pretendido, em matéria de responsabilidade contratual, a indenização por danos morais somente deve ser deferida em casos excepcionais, não gerando dano o mero aborrecimento cotidiano. A simples cobrança indevida, por si só, não é suficiente para a caracterização do dano moral, sem a efetiva inscrição no rol de inadimplentes ou grave abusividade, pois tal situação não configura abalo psíquico. Assim, inexistente a demonstração de violação a direito da personalidade, posto cuidar-se de fato não considerado lesivo a honra, não é possível a pretendida indenização por danos morais. 19. Corolário do provimento do recurso, e reconhecida a abusividade praticada pela recorrida/fornecedora, é medida imperativa a cassação da sentença hostilizada. 20. Recurso conhecido e provido para cassar a sentença proferida pelo juízo de origem e julgar procedentes, em parte, os pedidos iniciais, para: a) converter os contratos objetos desta demanda para empréstimo consignado e determinar ao Banco BMG S/A a aplicação de juros remuneratórios no patamar utilizado para o crédito pessoal consignado INSS, na data em que foram realizados os empréstimos, qual seja, 21 de janeiro de 2016, capitalizado anualmente, e correção monetária pelo INPC desde a data da disponibilização do crédito (10/12/2017, evento nº 9, arquivo 2; 10/12/2017, evento nº 9, arquivo 3; 10/03/2016, evento nº 9 arquivo 4; 10/03/2016, evento nº 7, arquivo 5), a ser apurado em cumprimento de sentença, hipótese em que a instituição financeira recorrida deverá restituir de forma simples, todo o valor pago em excesso pelo consumidor; b) julgar improcedentes o pedido de indenização por danos morais; c) deferir, em parte, o pedido de tutela provisória determinando a recorrida e ao INSS, este mediante expedição de ofício, que interrompa, de forma imediata, os descontos mensais sobre os proventos do recorrente, cujo número de benefício (NB) é 11798161260, relativo ao contrato objeto deste litígio ? que deverá acompanhar o expediente (evento n.º 9, páginas 113 a 116 e 121 a 124), sob pena de multa diária no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), até o limite de alçada dos Juizados Especiais Cíveis. Sem condenação de custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei 9.099 /1995.