ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Serra - Comarca da Capital - 2º Juizado Especial Criminal e Fazenda Pública Avenida Getúlio Vargas, 250, Fórum Des. João Manoel Carvalho , Serra Centro, SERRA - ES - CEP: 29176-090 Telefone:(27) 33574556 PROCESSO Nº XXXXX-21.2021.8.08.0048 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) REQUERENTE: CLAUDIONOR BISPO MONTEIRO REQUERIDO: ESTADO DO ESPÍRITO SANTO S E N T E N Ç A Trata-se dos presentes autos de Ação Ordinária proposta por CLAUDIONOR BISPO MONTEIRO em face do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Alega o Requerente que, no dia 02 de outubro de 2020, por volta das 06:30h, foi surpreendido com a informação de que sua residência havia sido invadida por policiais civis, aparentemente da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa – DHPP de Serra, de modo que teve sua viagem interrompida antes do planejado, tendo que retornar as pressas para o município de Serra/ES. Aduz que os policiais civis além de danificar o muro da residência, arrombaram a porta de entrada, reviraram e danificaram objetos em seu interior e, na saída, ainda cortaram o cadeado do portão, deixando a moradia desguarnecida (ID XXXXX e XXXXX). Em razão dos acontecimentos, pleiteia indenização por danos morais e materiais no montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e R$ 414,00 (quatrocentos e quatorze reais) respectivamente. Em sede de contestação (ID XXXXX), o Requerido requer a improcedência dos pedidos formulados na inicial. Intimadas as partes acerca do interesse na produção de outras provas (ID XXXXX), o Requerente pugnou pela produção de prova testemunhal (ID XXXXX) e o Requerido manifestaram seu desinteresse (ID XXXXX). Foi realizada uma audiência de instrução e julgamento no dia 21/06/2023 (ID XXXXX) para oitiva das testemunhas SELMA DE OLIVEIRA DULTRA e JOSÉ CARLOS VELOSO . É o relatório. Decido. O ponto controvertido da demanda diz respeito se houve conduta ilícita por parte da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo ao adentrar no domicílio do Requerente. Pois bem. Consoante se verifica na documentação carreada aos autos, o Requerente anexou documento denunciando os fatos a Corregedoria Geral da Polícia Civil (ID XXXXX), e fotos dos danos no imóvel (ID XXXXX e XXXXX). Ato contínuo, o Requerente requereu a oitiva de duas testemunhas ( SELMA DE OLIVEIRA DULTRA e JOSÉ CARLOS VELOSO ) que foram ouvidas em juízo no dia 21/06/2023 (ID XXXXX). Sendo relevante destacar os seguintes trechos dos depoimentos: SELMA DE OLIVEIRA DULTRA “Que no dia dos fatos, a depoente estava dormindo na casa do requerente; Que saiu por volta das 06:30 da manhã para ir para o seu trabalho; Que quando estava chegando em Laranjeiras recebeu um telefonema do autor, informando que haviam invadido a casa; Que a depoente avisou sua patroa e retornou a sua residência, onde constatou q e haviam quebrado o muro, o portão, a porta e dois guarda-roupas; Que a casa estava toda revirada; Que foi o irmão do autor que improvisou o fechamento da casa.” JOSÉ CARLOS VELOSO “Que o depoente estava acordado quando por volta das 06:15 da manhã ouviu um barulho, que a princípio pensou que era na rua; Que ao chegar no portão observou que havia carros descaracterizados, que em seguida uma pessoa quebrou a lajota do muro e ingressou na área da residência; Que procederam batidas na porta, que chegou a danificá-la, arrombando-a, e em seguida ingressando na residência; Que não sabe o que os Policias Civis estavam procurando; Que o irmão do autor que passava no local conversou com os Policiais, porém, não ficou sabendo o que foi conversado. Que conhece o autor há aproximadamente 25 anos; Que nesse lapso nunca viu nenhum problema do autor com Policiais; Que as pessoas estavam usando o jaleco de Policiais; Que foram esses Policiais que quebraram o muro, adentraram no imóvel e quebraram a porta; Que os policias danificaram o guarda-roupa, não podendo precisar se outros bens foram também danificados.” Por sua vez, o Requerido na sua Contestação (página 05), explica que: “É compreensiva a mágoa do requerente, por ter sido alvo de investigações por parte da Justiça Criminal. Todavia, a realização de investigação criminal visando a elucidação de fatos criminosos é direito e dever do Estado, não caracterizando ato lesivo ao cidadão, mesmo quando este vem a ser absolvido ou impronunciado futuramente.” (...) “Com efeito, a persecução penal de cidadão que é suspeito de prática delituosa é exercício regular de um direito público, de maneira que não enseja o direito à indenização, seja por danos morais ou materiais, salvo se resultar substanciosamente provada a má-fé ou a ilegalidade por parte do agente da persecução.” Portanto, com base na informação fornecida na contestação e na ausência de qualquer outra prova apresentada pelo Requerido, concluo que não havia um mandado judicial para a busca e apreensão realizada no imóvel do Requerente. Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema XXXXX/STF), a tese de que “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados” ( RE n. 603.616/RO , Plenário, Rel. Ministro Gilmar Mendes , DJe de 8/10/2010). De igual forma o Superior Tribunal de Justiça, seguindo esse entendimento, vem decidindo no sentido de que o ingresso em domicílio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões, dando conta de contexto fático anterior, com lastro em circunstâncias objetivas, que indiquem a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. Assim, diante da ausência de um mandado judicial, caberia ao Requerido justificar as razões que o levaram a entrar no imóvel do Requerente, ou seja, qual suposta situação de flagrante estava ocorrendo. No entanto, observa-se que o Requerido não apresentou qualquer elemento que justificasse a ação da Polícia Civil, não cumprindo, assim, seu ônus probatório estipulado pelo artigo 373 , inciso II , do CPC , tendo em vista tratar-se de fato que, em tese, seria impeditivo do direito do Autor. Em virtude disso, e com base nos documentos apresentados nos autos, bem como no depoimento das testemunhas, considero como verossímil os relatos expostos na petição inicial. No que diz respeito à responsabilidade do Poder Público por danos decorrentes de suas ações, é importante ressaltar que ela é objetiva. Em outras palavras, o Estado é responsável independentemente de culpa, desde que o requerente possa comprovar a existência do dano e a relação causal. Essa abordagem segue a teoria do risco, que é adotada pelo nosso sistema jurídico. Tais elementos (dano e nexo de causalidade), conforme já mencionado, são suficientes a ensejar a responsabilidade de reparação por parte do Estado. Nesta ótica, considero devidamente caracterizado o ato ilícito cometido pelo Requerido ao realizar uma busca indevida na residência do Requerente. Há, portanto, um claro vínculo causal entre a conduta do Requerido e o dano sofrido pelo Requerente. Com relação ao dano moral, este Juízo não tem dúvida de que a situação narrada na Inicial foi além do normal, no sentido de que causou mais do que simples aborrecimentos ao Requerente. No entanto, o dano não pode ser fonte de lucro, devendo a indenização ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível. Temos, desta forma, que inexistindo padrões pré-fixados para a quantificação do dano moral, ao julgador caberá a difícil tarefa de valorar cada caso concreto, atentando para os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para o seu bom senso e para a justa medida das coisas. Desse modo, tomando-se em conta as condições pessoais do Requerente, o caráter compensatório, punitivo e preventivo do ato danoso, bem como a capacidade econômica do Requerido, entendo como necessário e suficiente à sua reparação, a condenação da Municipalidade no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). No tocante ao pedido de danos materiais, o Requerente junta aos autos comprovante de gasto com material e mão de obra, para consertar o muro que foi danificado pelo Requerido (Evento Id nº 8007553), totalizando o valor de R$ 414,00 (quatrocentos e quatorze reais), sendo tal gasto compatível com os danos apresentados, bem como que tal valor sequer foi especificamente impugnado na contestação, razão pela qual o tenho por adequado. Logo, no que concerne ao dano material, verifico que o Requerente logrou demonstrar o prejuízo sofrido. EM FACE DO EXPOSTO: I - JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na Inicial para CONDENAR o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao pagamento de indenização a título de DANOS MORAIS ao Requerente CLAUDIONOR BISPO MONTEIRO no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), devendo tal quantia ser devidamente corrigida unicamente por meio da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), conforme artigo 3º da emenda Constitucional nº. 113 /2021, desde a presente data, conforme Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça, e, via de consequência, II - JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO a pagar ao Requerente CLAUDIONOR BISPO MONTEIRO a quantia de R$ 414,00 (quatrocentos e quatorze reais) que será corrigido monetariamente pelo IPCA/IBGE a partir de 04/10/2020, e com juros de mora previstos no artigo 1o-F da Lei 9.494 /1997, com a redação dada pela Lei 11.960 /2009, a partir da citação, ambos até o dia 08 de dezembro de 2021, data a partir da qual deverá ser corrigida unicamente por meio da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), conforme artigo 3o da emenda Constitucional no 113 /2021, até a data do efetivo pagamento. III - RESOLVO o mérito, na forma do artigo 487 , inciso I , do Código de Processo Civil . Sem custas e despesas nesta fase processual, nos termos do artigo 27 da Lei 12.153 /09 c/c artigo 55 da Lei 9.099 /95. Transitada em julgado a sentença, CERTIFIQUE-SE e ARQUIVEM-SE com as cautelas de estilo. P.R.I.C. Submeto à apreciação do Juiz Togado para homologação do projeto de sentença, nos termos do artigo 40 da Lei 9.099 /95. Serra/ES, 11 de setembro de 2023. Roberto Ayres Marçal Juiz Leigo Homologo o projeto de sentença apresentado pelo Juiz Leigo, na forma do artigo 40 da Lei 9.099 /95. Serra/ES, 11 de setembro de 2023. JOÃO PATRÍCIO BARROSO NETO Juiz de Direito