RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA EX-GESTORES DE FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA, EM RAZÃO DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS CONSIDERADAS ILÍCITAS (EM PROCESSO ADMINISTRATIVO). CONTROVÉRSIA ACERCA DO TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. NECESSIDADE DE SE AFERIR O MOMENTO EM QUE O TITULAR DO DIREITO LESADO TEM INEQUÍVOCA CIÊNCIA DA VIOLAÇÃO E DE TODA A SUA EXTENSÃO, NO QUE SE INSERE O CONHECIMENTO A RESPEITO DO CARÁTER ILÍCITO, INEXISTINDO CONDIÇÃO ALGUMA QUE O OBSTE DE PROMOVER A PRETENSÃO REPARATÓRIA EM JUÍZO. CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO INTENTADO NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, NO CASO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. RECURSO ESPECIAL DA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DOS EX-GESTORES PREJUDICADO. 1. O surgimento da pretensão ressarcitória não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da violação e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, condição alguma que o impeça de exercer o correlato direito de ação (pretensão). O instituto da prescrição tem por escopo conferir segurança jurídica e estabilidade às relações sociais, apenando, por via transversa, o titular do direito que, por sua exclusiva incúria, deixa de promover oportuna e tempestivamente sua pretensão em juízo. 2. Não se concebe, nessa medida, que o titular do direito subjetivo violado tenha contra si o início, bem como o transcurso do lapso prescricional, em circunstâncias nas quais não detém nenhuma possibilidade de exercitar sua pretensão, justamente por não se evidenciar, nessa hipótese, nenhum comportamento negligente de sua parte. 3. No específico caso dos autos, a questão que se coloca é saber se, durante a administração dos diretores executivos responsáveis pelas operações financeiras causadoras do prejuízo em questão, período no qual se deu justamente a instauração do procedimento administrativo no âmbito do Ministério da Previdência Social para apurar a irregularidade/ilicitude de tais investimentos, seria possível à entidade de previdência privada, em contrariedade aos interesses de seus próprios dirigentes com poder de gestão, e, antes mesmo do desfecho do processo administrativo, conhecer o caráter ilícito do correlato investimento, para então, postular em juízo a responsabilidade dos administradores. 4 Ainda que se reconheça, tal como ponderado pelo Tribunal de origem, que a negociação dos recursos financeiros no mercado de capitais em exame não se dá de modo sigiloso, havendo, inclusive, Conselhos Deliberativos e Fiscal independentes, com a função de supervisionar, internamente, a regularidade de tais operações, refoge da realidade dos fatos supor que os então administradores, com poderes de gestão, intentariam, em nome da entidade, uma ação ressarcitória contra si, pelos prejuízos por eles supostamente causados. 4.1 Tomando-se, em tese, como termo inicial, a posse da nova diretoria (4/1/2007) - momento em que não mais haveria óbice, no âmbito interno da entidade de previdência privada, para o exercício da pretensão - o protesto efetuado em 7/1/2010 (primeiro dia útil após o recesso forense), na linha da jurisprudência do STJ, teria o condão de interromper o prazo prescricional triental, a ensejar a conclusão de que o ajuizamento da ação, em 5/8/2012, deu-se dentro do prazo que recomeçou a contar do protesto. A insurgência recursal, por tal constatação, já mereceria provimento. 5. Superada esta inviabilidade prática, que se deu no âmbito interno da pessoa jurídica, tem-se, ainda assim, que, no específico caso dos autos, a entidade de previdência privada somente obteve condições de conhecer integralmente o caráter ilícito das operações financeiras feitas pelos seus ex-diretores executivos, a viabilizar sua pretensão ressarcitória em juízo, a partir da decisão definitiva no âmbito do processo administrativo. 5.1 Para tanto, é de suma relevância registrar que, a par do indiscutível caráter contratual do regime de previdência privada, a reger as relações jurídicas entre participantes e entidade, sobressai, de modo relevante, ante a fundamentalidade do direito social à previdência, o seu caráter institucional, com o estabelecimento de normas cogentes e ativa atuação estatal na disciplina, coordenação e supervisão de tais entidades, sobretudo no que diz respeito às operações financeiras por estas praticadas, a fim de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios previdenciários. 5.2 Os investimentos realizados pela entidade de previdência privada, a partir das reservas aportadas nos fundos de pensão, a despeito de se encontrarem sujeitos aos riscos naturais do mercado financeiro, devem observar regramentos legais próprios e padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, a fim de garantir que os assistidos recebam o benefício previdenciário no tempo e modo voluntariamente contratado. 5.3 Veja-se, portanto, que o caráter ilícito das operações financeiras realizadas pelos ex-diretores executivos da entidade de previdência privada não decorre - tampouco se pode supor conhecido - a partir da simples constatação de que o correlato investimento revelou-se negativo, ou menos lucrativo do que o esperado. Mostra-se, assim, de todo impróprio supor que a entidade, já por ocasião das operações financeiras que redundaram em prejuízo, teve integral ciência da lesão, sobretudo quanto ao seu caráter ilícito, a viabilizar o manejo de sua pretensão ressarcitória contra os gestores, como compreendeu o Tribunal de origem. 5.4 O procedimento administrativo instaurado pela Administração Pública (principalmente seu desfecho), a fim de apurar a ilicitude de uma operação financeira, em princípio regular, praticada pela entidade de previdência privada, não pode ser considerado um fato indiferente ao conhecimento da entidade privada sobre o caráter ilícito de tais investimentos, a viabilizar sua pretensão ressarcitória em juízo contra os então gestores, de modo sério e seguro (não temerário). 5.5 Refoge do sistema de responsabilidades (civil, penal e administrativo), ao qual se deve conferir interpretação harmônica, tornar prejudicada a ação de responsabilização civil contra os gestores pela prescrição, quando, em trâmite, a apuração do caráter ilícito, pela Administração Pública, das operações financeiras praticadas pela entidade de previdência privada, sujeita, por expressa determinação legal, à fiscalização estatal. 5.6 A independência entre as instâncias judicial e administrativa pressupõe, como anteriormente assentado, a inexistência de vinculação do Poder Judiciário com relação ao que for apurado administrativamente. Tampouco se olvida que, em regra, não há necessidade de se aguardar o exaurimento da instância administrativa para viabilizar o ajuizamento da ação ressarcitória. É possível, entretanto, cogitar situação prática em que a decisão definitiva da Administração Pública, notadamente em se atentando para o seu papel central na regulação de certos segmentos, é determinante para imprimir, ao menos prima facie, o caráter ilícito de determinado ato, sem o qual o titular do direito potencialmente lesado não tem base segura para responsabilizar o causador do dano e, por isso, viabilizar sua pretensão em juízo. 5.7 Ressai claro, especialmente da causa de pedir vertida na inicial, que sem o reconhecimento, pela Administração Pública, do caráter ilícito das operações financeiras praticadas pelos ex-administradores, conferindo-se à parte lesada, no caso dos autos, ciência a esse respeito, a presente ação ressarcitória contra os administradores responsáveis pelo investimento afigurar-se-ia não apenas sem sustentação sólida, mas, possivelmente, nem sequer seria promovida. 6. Recurso especial da Entidade de previdência privada provido e prejudicado o recurso especial dos ex-gestores.