APELAÇÃO. ARTIGO 1º , I, `A¿, COMBINADO COM O § 4º, III, DA LEI Nº 9.455 /1997 E ARTIGOS 159 , § 1º DO CÓDIGO PENAL . CRIMES DE TORTURA MEDIANTE SEQUESTRO E EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRRO. RECURSOS MINISTERAIL E DEFENSIVO. PLEITEIA O ÓRGÃO DO PARQUET A CONDENAÇÃO DO RÉU EDERSON PELOS CRIMES PREVISTOS NO ARTIGO 1º , I, `A¿, COMBINADO COM O § 4º, III, DA LEI Nº 9.455 /1997 E ARTIGOS 159 , § 1º E 288 , AMBOS DO CÓDIGO PENAL . A DEFESA SUSCITA PRELIMINAR: 1) DE NULIDADE DO PROCESSO, ARGUINDO OFENSA AO ARTIGO 155 DO CPP , ALEGANDO QUE A CONDENAÇÃO TERIA SE BASEADO SOMENTE NOS ELEMENTOS INDICIÁRIOS COLHIDOS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL. NO MÉRITO, REQUER: 2) A ABSOLVIÇÃO, ARGUMENTANDO A FRAGILIDADE PROBATÓRIA, A QUAL SERIA INAPTA A CORROBORAR O ÉDITO CONDENATÓRIO. RECURSO CONHECIDOS E, NO MÉRITO, DESPROVIDOS. O réu Jailson foi condenado pela prática delitiva prevista no artigo 1º , inciso I, `a¿, combinado com o inciso § 4º, III da Lei nº 9.455 /1997, às penas finais de 07 (sete) anos de reclusão, em regime de cumprimento, inicialmente, fechado, e pagamento das despesas processuais, sendo, contudo, absolvido da imputação das condutas delitivas previstas nos artigos 159 , § 1º e 288 , ambos do Código Penal , com fulcro no artigo 386 , inciso V do Código de Processo Penal . O corréu, Ederson, foi absolvido da imputação dos crimes insertos no artigo 1º , I, `a¿, combinado com o § 4º, III, da Lei nº 9.455 /1997 e artigos 159 , § 1º e 288 , ambos do Código Penal , também com fulcro no artigo 386 ,in ciso V do Código de Processo Penal . Quanto à questão preliminar, suscitada pela Defesa do réu Jailson, aduzindo suposta ofensa ao ditame do artigo 155 do CPP , alegando que a condenação teria se baseado somente nos elementos indiciários colhidos na fase pré-processual, observa-se que a mesma se inclui no cerne do mérito da presente apelação, sendo em seguida, tal questão abordada, de forma pormenorizada, no bojo da análise do pleito absolutório. Passa-se ao exame do mérito recursal de ambos os recursos, já que imersos no mesmo contexto factual, rechaçando-se, desde logo, qualquer possibilidade em torno da absolvição do acusado, Jailson. Do exame das provas produzidas durante a instrução processual, constata-se que, ao cabo de investigação policial, foi instaurado inquérito, para apurar a prática de crime de sequestro, tendo como vítima, Virlany, a qual vem a ser ex-companheira de réu Ederson José, de alcunha "Sam", traficante condenado e cumprindo pena na Penitenciária de segurança máxima de Campo Grande-MS, este tio de Priscila, que teria sido brutalmente assassinada por traficantes rivais, e era a responsável por tomar conta dos negócios ilícitos comandados por seu tio (Ederson), na comunidade de Cidade de Deus. Consta, também, dos autos que diante da morte de Priscila, Ederson "dono do tráfico" teria, supostamente, dado ordens a Ricardo Eduardo, de apelido "Neném" e "frente" do tráfico de drogas da localidade, após tomar conhecimento da participação de Amanda, filha daquele (Ederson) na morte da sua sobrinha, Priscila, inclusive por estar a mesma subtraindo-lhe recursos financeiros obtidos no comércio de drogas, para sequestrá-la a fim de que fornecesse informações acerca do homicídio de Priscila, tendo a mãe daquela, de nome Virlany, sido o alvo da arrebatação, permanecendo esta em cárcere privado por mais de trinta dias. No curso da investigação, foi possível reunir conteúdo probatório que identificou a autoria do crime de tortura, no qual foi vítima, Ivanildo José, de apelido "magrinho", o qual teria sido levado para o interior da comunidade por traficantes, em local conhecido como "Karatê", e lá torturado, com requintes de crueldade, a fim de fornecer informações sobre a autoria do homicídio de Priscila. Por certo, a vítima, Ivanildo, afirmou em sede policial que foi conduzido pelo réu, Jailson, de alcunha "Jarrule", à localidade conhecida como "Karatê", onde se encontravam cerca de outros dez traficantes, e lá foi torturado pelos mesmos, os quais exigiram que apontasse para outro grupo de extermínio como sendo os responsáveis pela morte de Priscila, sobrinha de Ederson, líder da associação criminosa, que dominava o tráfico de drogas na comunidade, tendo sofrido lesões, conforme se verifica no Boletim de Atendimento Médico, decorrentes da prática de tortura, sendo necessário até mesmo procedimento cirúrgico para a reparação de fratura de membro. Verifica-se, ainda, que embora a vítima, Ivanildo, não tenha comparecido em juízo, para confirmar a versão postada na Delegacia de Polícia, por não mais ter sido mais localizada (circunstância bastante comum em delitos que envolvem violentos grupos criminosos), tais declarações encontram-se em harmonia com o depoimento prestado em sede judicial, pela testemunha, Aleksandro, companheiro de Amanda, o qual afirmou se recordar do áudio, este divulgado na comunidade (disseminado por meio do aplicativo WhatsApp), contendo a voz do réu Jailson e outra pessoa, que se identificavam como os torturadores e que, estariam ali a mando de ¿Neném"a fim de que Ivanildo informasse quais teriam sido os executores do homicídio de Priscila (que, por sua vez, seria amante de" Neném "). Importante destacar que, a testemunha Aleksandro declarou, em juízo, que, por já ter conversado diversas vezes com o réu Jailson, não tinha dúvidas em reconhecer a voz do mesmo no referido áudio. Neste cenário, é essencial registrar que, em sendo idôneos e coincidentes com os demais elementos do processo e não invalidados por contra-indícios a ensejarem dúvida, apta a periclitar a certeza quanto a algum tema, são os indícios hábeis a colaborar com um decreto condenatório, como apresenta-se, no ponto, o caso dos autos, no qual, repise-se, os fatos apurados em sede administrativa, no que tange ao depoimento da vítima Ivanildo, apresentam concatenação lógica à prova oral colhida em juízo, sob os mantos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Precedentes jurisprudenciais. Ante o exposto, tem-se que, à toda evidência, as alegações da Defesa não encontram seguro respaldo nos autos, inexistindo quaisquer embasamentos probatórios que expliquem a tese, sustentada em interrogatório pelo réu Jailson, no sentido de que as imputações criminosas estavam lhe sendo feitas sem qualquer motivo ou razão. Ao revés, vislumbra-se da sentença vergastada, que o Juiz primevo, espancando, de forma eficiente, as argumentações defensivas, realizou exauriente análise do acervo probatório amealhado, o qual se mostrou seguro e suficiente à convicção condenatória pela prática do crime de tortura mediante sequestro pelo réu Jailson. Destarte, evidenciado que a Defesa não se desincumbiu de comprovar o que alegou em sede recursal, ônus que lhe cabia, encontrando-se as argumentações, aduzidas em sede recursal, isolada do caderno probatório, impõe-se a mantença da condenação do acusado Jailson, nos termos da sentença monocrática. No que tange à pretensão ministerial, no sentido de ver condenado, nesta instância, o réu Ederson pela autoria mediata (mandante) dos crimes de extorsão mediante sequestro e tortura mediante sequestro, não merece a mesma acolhida. Quanto ao crime de extorsão, a vítima, Virlany, ao depor em juízo, declarou que foi sequestrada, permanecendo no cárcere por cerca de trinta e dois dias, enfatizando não ter condições de reconhecer quaisquer das pessoas, que permaneceram no local, pois ficou trancada em um cômodo escuro, sendo impedida de olhar para os sequestradores. Ressaltou, ainda, desconhecer as motivações de seu sequestro, tampouco que o teria ordenado. Já o nacional Ivanildo, vítima do crime de tortura, apesar de relatar, em detalhes, toda a dinâmica da ação criminosa sofrida, em nenhum momento indicou quem seria ¿ ou mesmo se haveria ¿ um mandante do delito. O que se verifica, afinal, dos elementos de prova colhidos nos autos, não ter seguramente resultada a configuração de ter o réu Ederson - líder do tráfico na região, preso em unidade de segurança máxima ¿ dado ordens para a realização dos dois crimes em comento. Com efeito, embora haja elementos nos autos, no sentido de que o réu Ederson teria como seu braço direito, o comparsa Eduardo, ¿Neném¿, e que, por tal razão, este estaria a frente de comandar as determinações recebidas daquele (Ederson,) observam-se, também, passagens nos autos a indicar que poderiam existir rixas ou disputas entre os mesmos. Desta forma, não obstante algumas testemunhas e transcrições das interceptações telefônicas se direcionarem no sentido de que o réu Ederson seria o mandante dos crimes de sequestro e tortura, por outro lado, há transcrições e narrativas de testemunhas que revelariam ter sido o indivíduo alcunhado ¿Neném¿ o verdadeiro autor intelectual das ações criminosas, podendo ser destacado, neste diapasão, que a testemunha Aleksandro, em seu depoimento, sob o crivo do contraditório e da ampla Defesa, declarou ¿que acredita que não foi o réu Ederson que determinou que a sogra do depoente (Virlany) fosse sequestrada. Acredita que essa atitude foi tomada por `neném¿¿. Conforme ressurge dos autos, o indivíduo de ápodo ¿Neném¿, embora casado, teria um relacionamento amoroso, duradouro, com Priscila, o que revelaria, em tese, seu interesse em descobrir (por meio do sequestro) e punir (pela extorsão) as pessoas que estariam envolvidas no homicídio de sua amante. Aliás, ainda de acordo com a testemunha Aleksandro, no áudio da tortura de Ivanildo, o indivíduo apelidado de ¿Neném¿ se identificou e ¿afirma que foi ele que mandou¿ praticar o delito, acrescendo, ainda, a testemunha, que ¿Neném¿ seria o principal suspeito do assassinato, situação que o teria levado a tomar tais atitudes. Aliás, a possibilidade do indivíduo alcunhado de ¿Neném¿ ter sido o mandante do crime de tortura surge em outra transcrição das interceptações telefônicas, na qual Leonardo, ex-marido de Amanda, relata tal circunstância. Quanto à possibilidade do sequestro de Virlany ter sido motivado pela resultado do teste de DNA, o qual revelou que o réu Ederson não era o pai de Amanda, observa-se tal circunstância pouco coerente, uma vez constar dos autos que Thiago, outro então filho de Ederson, também teve resultado negativo de seu teste de paternidade, sendo que, neste caso, não há notícias de qualquer tipo de represália em relação à genitora de mesmo (Thiago). Assim, ante o contexto perfectibilizado nos autos, resulta inevitável o arremate absolutório, ante à fragilidade do arcabouço probante quanto ao réu Ederson, com as invencíveis dúvidas e incertezas sobre as imputações que lhe forma feitas na exordial acusatória. Não se desmerece a norma contida no artigo 239 do C.P.P. , que outorga força probante aos elementos indiciários colhidos na fase inquisitorial, contanto que devidamente corroborados pela prova produzida em juízo. Ocorre, no entanto, que tais elementos de convicção a testificar contra o recorrido Ederson, no caso sub examen, em torno do qual girou toda a investigação policial e a instrução processual, cujos teores não foram confirmados em juízo, sob o crivo do contraditório, fazem transparecer, destarte, a patente dubiedade e fragilidade da prova acusatória, inapta a supedanear um decreto reprobatório em face do mesmo, o qual, registre-se, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, negou as práticas delitivas. É forçoso ressaltar que, em matéria de responsabilização penal, não vicejam, na seara probante, as conjecturas, as probabilidades, as possibilidades e as suposições, devendo o decisum que vier a reconhecer a autoria do agente da prática, em tese, do delito descrito na denúncia, ser fundamentado, concretamente, com elementos caracterizadores do dolo dos tipos penais em tela, pois estes não se presumem, sob pena de nulidade, por violação ao comando do inciso IX do artigo 93 da C.R. F.B/1988. Desta forma, o que ora se constata é que, diante da escassez dos elementos de convicção coligidos nos autos, o órgão ministerial não se desincumbiu do ônus que lhe cabia, de demonstrar, com a certeza exigível na esfera penal, a prática delitiva pelo réu Ederson, nos termos da exordial, o que faz, no mínimo, pairar sobre os autos, fundada dúvida acerca da autoria que se lhe imputa na presente ação penal. Sendo assim, em harmonia com a conclusão alcançada pelo Juiz sentenciante, o qual, após a colheita da prova judicializada, fundamentou, plenamente, a absolvição do apelado Ederson, tendo por frágil e contraditório o acervo probante amealhado aos autos, no que tange à sua autoria mediata nos crimes de extorsão e tortura, uma vez que se viu desconstituída, em juízo, a prova sobre a qual se lastreou a própria justa causa, nos pontos, de modo que ora se revela imperiosa a mantença do édito absolutório. Processo dosimétrico que não merece reparos, tampouco tendo sido objeto de irresignação por parte do apelante Jailson, sendo oportuno destacar que sua condição de reincidente (anotação 01 da FAC) sequer foi valorada na sentença monocrática. No que tange à alegação de prequestionamento, para fins de interposição eventual de recursos extraordinário ou especial, a mesma não merece conhecimento e tampouco provimento eis que não se vislumbra a incidência de quaisquer das hipóteses itemizadas no inciso III, letras ¿a¿, ¿b¿, ¿c¿ e ¿d¿ do art. 102 e inciso III, letras ¿a¿, ¿b¿ e ¿c¿ do art. 105 da C.R. F.B./1988 e por consequência nenhuma contrariedade/negativa de vigência, nem demonstração de violação de normas constitucionais ou infraconstitucionais, de caráter abstrato e geral. Face ao exposto, vota-se pelo CONHECIMENTO e DESPROVIMENTO dos recursos, ministerial e defensivo, interpostos, mantendo-se, integralmente, a sentença monocrática vergastada.