TJ-CE - Apelação Cível: AC XXXXX20178060001 CE XXXXX-23.2017.8.06.0001
APELAÇÃO. SENTENÇA PROCEDENTE DO PEDIDO DE REVISADOS OS VALORES DE ACORDO COM A ESTRUTURA TARIFÁRIA DA CAGECE. PRELIMINAR: TESE DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. PRONTA REJEIÇÃO. MÉRITO. SUBMERSÃO PROFUNDA DOS FATOS. CONFERÊNCIA DOS TERMOS DA RESOLUÇÃO N. 02/2006/ACFOR. NORMATIVO PERTINENTE AOS SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO. ENQUADRAMENTO JUDICIAL DA UNIDADE CONSUMIDORA. NADA A REPARAR. DECISÃO SINGULAR DE PRAGMATISMO EXEMPLAR. DESPROVIMENTO. 1. Rememore-se o caso. Nos autos, ação revisional de faturas de consumo de água com pedido de urgência ajuizada por IONE MEDEIROS CORDEIRO PAIVA em desfavor da COMPANHIA DE ÁGUA E ESGOTO DO CEARÁ-CAGECE. Nessa perspectiva, a Autora aduz que é possuidora do imóvel comercial localizado na Rua Tomas Idelfonso, nº 19 Altos, Bairro Cambeba, em Fortaleza/CE, e que, em janeiro/2017, solicitou o religamento do fornecimento dos serviços da demandada, para fins de dispor as salas para locação. Acontece que, uma vez restabelecido o serviço, a partir de fevereiro/2017 passou a receber a cobrança de "taxa mínima" de R$280,00 (duzentos e oitenta reais), período em que as salas permaneciam desocupadas e sem registrar nenhum consumo. Ressalta que, consoante a estrutura tarifária da CAGECE para imóveis com igual características "comercial popular" o valor mínimo a ser aplicado é de R$3,78 (três reais e setenta e oito centavos). À vista disso, buscou o judiciário para evitar que ocorra o corte do serviço prestado, bem como sejam revisados os valores de acordo com a estrutura tarifária exposta. Eis a origem da celeuma. 2. PRELIMINAR: ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA: De plano, a Parte Recorrente ressente-se de julgamento extra petita, pelo que roga a declaração de nulidade do julgado, o que faz nos seguintes termos: 1. PRELIMINARMENTE DA NULIDADE DO JULGADO JULGAMENTO EXTRA PETITA . De início cumpre destacar que a presente ação judicial postulou o reenquadramento da unidade usuária da acionante como comercial popular, de tal modo que a sentença recorrida incidiu em claro erro material, na medida em que decidiu, também, que a unidade usuária da parte acionante deve ser considerada como sendo composta por apenas uma economia, nos termos do art. 14, inciso VII, da Resolução n. 002/2006 da ACFOR. Resta patente que o referido julgamento foi extra petita, na medida em que o número de economias da unidade usuária da parte acionante/apelada não foi matéria posta em litígio, o que implica em violação do art. 141 do CPC adiante incrustado (...) Assim, de início, requeremos a decretação de nulidade da sentença recorrida. 3. A jurisprudência firme do colendo STJ consente a postura judicante que, no momento do exame do pedido e da causa de pedir, profira provimento jurisdicional considerando a interpretação lógica e sistemática de todos os argumentos expostos pelas partes. A propósito, o esmero, a acuidade e o zelo do Julgador apontam para o alcance das repercussões diretas e indiretas do fato descrito na exordial e agitado, de Parte a Parte, em toda a instrução. Com efeito, nesta hipótese, classificação da unidade consumidora está imbrincada, e de modo indissociável, com os fatos alinhados na exordial e com a causa de pedir, de modo a tornar imprescindível a avaliação judicial do aspecto. 4. Paradigma emblemático recentíssimo (13 de março de 2020) do colendo STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE VALORES C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO, DANOS MORAIS E NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. 1. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DA PETIÇÃO INICIAL. DECISÃO EXTRA PETITA NÃO CONFIGURADA. 2. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. 3. ALEGAÇÃO DE DESERÇÃO DO APELO DO AUTOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283 DO STF. 4. ILEGALIDADE NA COBRANÇA DE CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INCC. CONFIGURAÇÃO DO ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. REVISÃO DAS CONCLUSÕES ESTADUAIS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME DE FATOS E PROVAS. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 5 E 7 /STJ. 5. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 6. INAPLICABILIDADE DA CORREÇÃO MONETÁRIA COM BASE NO INCC APÓS A ENTREGA. SÚMULA 83 /STJ. 7. AGRAVO IMPROVIDO. 1. No que tange ao julgamento extra petita, o Tribunal local afastou o argumento por considerar que a petição inicial encontra-se em conjugação com a fundamentação da sentença. Na verdade, a conclusão adotada pelo Tribunal a quo mostra-se em perfeita sintonia com o entendimento jurisprudencial do STJ, o qual, conforme exposto no acórdão recorrido, permite que o julgador, no momento do exame do pedido e da causa de pedir, apresente provimento jurisdicional considerando a interpretação lógica e sistemática de todos os argumentos expostos pelas partes. Precedentes. Incidência da Súmula 83 /STJ. (...) (STJ, AgInt no AREsp XXXXX/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2020, DJe 13/03/2020) 5. Outros precedentes (ano de 2019) do STJ: ( REsp XXXXX/RJ , Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 31/05/2019) e ( AgInt no AREsp XXXXX/SP , Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 01/04/2019). Portanto, nada a reparar e pronta a rejeição da Preliminar. 6. MÉRITO: 2.1 CERNE DA QUESTÃO: CONTRAPOSIÇÃO DE TESES PARA COTEJO ANALÍTICO O cerne da questão posta a desate remonta ao fato de que a Autora discorda dos valores exigidos com o consumo mínimo atinentes às salas comerciais interligadas a unidade consumidora nº 1146823. Para tanto aduz que os cálculos estão em desconformidade com a "a estrutura tarifária" praticada na época para "comercio popular". Por esse motivo, requer sejam reformulados os cálculos reduzindo os valores da cobrança. A demandada por outro lado, aduz que a autora se equivocou com o cálculo apresentado, pelo que sustenta, por primeiro, que a unidade estaria classificada como "comercial II" e não como "comercial popular", e, em segundo lugar, porque o valor aplicado ao consumo mínimo de 10m³ previsto na Resolução n. 02/2006, era de R$7,91 (sete reais e noventa e um centavos), e não R$3,78 (três reais e setenta e oito centavos). 7. 2.2 - RESOLUÇÃO N. 02/2006/ACFOR NORMATIVO PERTINENTE AOS SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO: Resta imperativo, portanto, examinar o alcance da Resolução n. 02/2006/ACFOR, invocada pela demandada, bem como trazida às fls. 88/119. Com efeito, segundo se observa no endereço eletrônico da demandada a informação de que o modelo tarifário leva em consideração os custos dos serviços de água e esgoto e uma parcela destinada a investimentos (Disponível em https://www.cagece.com.br/produtoseservicos/precose prazos/estrutura-tarifaria/) 8. A estrutura adota vários tipos de tarifa, de acordo com o tipo de economia/categoria, com a finalidade principal de subsidiar a tarifa paga pelos clientes com menor poder aquisitivo e de incentivar o consumo consciente, evitando assim o desperdício da água tratada, numa demonstração de preocupação com o meio ambiente. Atualmente são praticadas oito tipos de tarifas, a saber: · Residencial Social; · Residencial Popular; · Residencial Normal; · Comercial Popular; · Comercial II; · Industrial; · Pública; e · Entidade Filantrópica. 9. Desta feita, ao ser requerida a ligação dos serviços disponibilizados pela demandada, deve o interessado fazer a regular descrição do imóvel para que a concessionária possa adequá-lo a uma das classificações disponíveis para fins de cálculos de consumo. 10. Confira-se na Resolução n. 02/2006/ARFOR: Art. 7º - O interessado no ato do pedido de ligação de água e/ou esgoto será orientado sobre o disposto nesta Resolução, cuja aceitação ficará caracterizada por ocasião da assinatura do contrato ou início da disponibilizarão dos serviços. (...) Art. 12 - O PRESTADOR DE SERVIÇOS classificará a economia de acordo com a atividade nela exercida, ressalvadas as exceções previstas neste capítulo. Ao passo dessa constatação, doravante o sentido é para a classificação correta da unidade da Requerente. 11. 2.3 O ENQUADRAMENTO JUDICIAL: Sedo assim, pro rigor e esmero, o ilustre Juiz Primevo, Doutor Magno Gomes de Oliveira pôs-se a pesquisar na internet acerca do normativo incidente à espécie em voga para a excelência da prestação jurisdicional. Repare, in verbis: Com base nesse esteio, para fins de embasar o meu próprio convencimento, busquei informações sobre o endereço da unidade consumidora por meio da ferramenta "Google Maps", e me deparei com o seguinte resultado: https://www.google.com/maps/place/R.+Tomaz+Idelfonso,+19+-+Cambeba,+Fortaleza+-+ CE,+60822-165/@-3.804115,-38.4799385,3a,75y,90.83h,97.68t/data=!3m7!1e1!3m5!1sy9eO BX2jlOLuo_ljdufQyg!2e0!6s%2F%2Fgeo1.ggpht.com%2Fcbk%3Fpanoid%3Dy9eOBX2jlO Luo_ljdufQyg%26output%3Dthumbnail%26cb_client%3Dsearch.gws- prod.gps%26thumb%3D2%26w%3D86%26h%3D86%26yaw%3D112.61465%26pitch%3D0 %26thumbfov%3D100!7i13312!8i6656!4m8!1m2!2m1!1srua+tomaz+ idelfonso+19!3m4!1s0x7c7457ed37df327:0x8ebec4c9dbcfbf5d!8m2!3d-3.804154!4d-38.479 8454 (Acesso realizado em 27/04/2020). 12. E segue o esmerado Magistrado: Pelo o que se observar, trata-se de pequeno imóvel comercial com dois pavimentos, de construção simples, localizado em logradouro com pouca pavimentação e entre terrenos baldios, em bairro essencialmente residencial. Características que, a meu ver, certamente não espelham unidade comercial de alto padrão. Continuando a descrição do local, é possível perceber que o pavimento superior é composto por quatro pequenas salas, fato que embasa a cobrança das economias pelo múltiplo de quatro, realizada pela demandada. Embora não discorde totalmente do raciocínio, ao persistir no estudo da Resolução, verifiquei que o art. 14 prevê que unidades comerciais compostas por quatro pequenas salas, resumem-se em apenas uma economia, isto é, sem incidência das devidas multiplicações. Cito o art. Art. 14 - Para efeito desta Resolução considera-se uma economia a unidade caracterizada consoante os seguintes critérios: (...) VII - Cada grupo de quatro ou fração de: sala, pensionato, boxe ou similar, em imóvel comercial com instalações em comum; (...) 13. E arremata do insigne Juiz Primevo: Dando seguimento ao feito, sob a ótica de que a unidade objeto dos autos classifica-se como "comercial-popular" e que conta com apenas uma economia, tem-se que a cobrança reclamada refere-se a fevereiro/2017 a julho/2017, período em que se pratico o cálculo reclama. Após essa data o reajuste foi feito por força do cumprimento liminar. Atinente aos valores aplicados para o período, a demandada traz às fls. 78/79, tabela vigente de abril/2016 a maio/2017 com tarifa de água fixada em R$3,35 (três reais e trinta e cinco centavos), e de esgoto em R$3,68 (três reais e sessenta e oito centavos), bem como a tabela sucessora, vigente de junho/2017 em diante 2017 com tarifa de água fixada em R$3,78 (três reais e setenta e oito centavos), e de esgoto em R$4,15 (quatro reais e quinze centavos). 14. A par disso, invoca-se o art. 93, da Resolução n. 02/2006/ACFOR, vide: A fatura mínima por economia ser equivalente ao valor fixado para o volume de dez metros cúbicos (10m3) por mês da categoria residencial, filantrópica e comercial, e quinze metros cúbicos (15m3) por mês para as demais categorias. 15. Por simples ilação, verifica-se que é necessária a adequação da classificação da unidade consumidora objeto dos autos, antes com status de "comercial II" passando ao enquadramento "comercial popular". Ademais, deve ser considerada a existência de apenas uma economia ainda que se apresente com quatro salas comerciais. 16. Por conseguinte, as circunstâncias atraem o cálculo do consumo mínimo, nos termos do art. 93 da Resolução n. 02/2006, do período de fevereiro/2017 a maio/2017, o qual deverá ser realizado com base nos valores indicados na tabela de fls. 78, e, do período de junho/2017 em diante, com esteio nos patrões apontados na tabela de fls. 79. 17. Finalmente, detecta-se que, de fato e de direito, razão assiste à Parte Autora e que as intelecções vertidas na Sentença são se um pragmatismo exemplar, pelo que merecer ser preservadas incólumes. 18. DESPROVIMENTO do Apelo, para preservar o Julgado Pioneiro intacto, em reverência ao pragmatismo exemplar do Magistrado Primevo. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, o Desprovimento do Recurso, nos termos do voto do Relator, Desembargador Francisco Darival Beserra Primo. Fortaleza, 23 de setembro de 2020 FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Relator