PROCESSO Nº: XXXXX-42.2021.4.05.8100 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA ADVOGADO: Hugo Mendes Plutarco APELADO: AGENCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira - 3ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Gledison Marques Fernandes EMENTA APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ANS. MULTA. PODER JUDICIÁRIO. CONTROLE DE LEGALIDADE. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. PROVIMENTO. 1. Apelação interposta pela HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA em face de sentença que julgou improcedentes os embargos à execução fiscal ajuizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) visando a cobrança da Certidão de Dívida Ativa (CDA) nº 4.002.003316/19-41, decorrente do Processo Administrativo (PA) nº 25772.000761/2014-65, instaurado para apurar supostas infrações cometidas pelo apelante no âmbito da saúde suplementar. 2. Entendeu o Juízo a quo que a decisão administrativa que aplicou a penalidade de multa foi devidamente fundamentada e que não competiria ao Poder Judiciário rever o mérito de decisões administrativas, uma vez que não vislumbrou qualquer ilegalidade, não havendo como desconsiderar o convencimento da autoridade administrativa, anulando decisão que inclusive foi submetida ao crivo da instância recursal, sob pena de extrapolar os limites da jurisdição. 3. Ressaltou-se, ainda, que decidir por não adentrar no mérito do ato administrativo de maneira a alterar o fundamento fático probatório da decisão que aplicou a penalidade à operadora embargante não representa ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, mas apenas delimitação da atuação do Poder Judiciário, em respeito a outro princípio de igual relevância, qual seja, o princípio da independência dos Poderes. 4. Em suas razões recursais, alega a apelante, em síntese, além do caráter genérico da fundamentação da sentença, ao pretender não extrapolar os limites da jurisdição, acabou por negá-la, uma vez que não apreciou os fundamentos jurídicos e as provas que desconstituem a materialidade da infração, razão pela qual merece ser afastado seu fundamento que evoca uma espécie de trânsito em julgado material administrativo, devendo ser anulada para que ocorra efetiva apreciação das controvérsias fáticas e jurídicas. 5. O processo administrativo configura uma relação jurídica integrada pela Administração Pública (órgãos e entes) e por administrados, que nela exercem direitos, faculdades, obrigações e sujeições direcionadas para determinado fim. 6. Instrumentaliza-se o processo como sequência de atos e atividades do Estado e dos particulares ordenados, lógica e cronologicamente, a fim de produzir uma vontade final da Administração. Constitui, portanto, objeto do processo administrativo a prática de um ato administrativo. 7. Em se tratando de ato administrativo, o controle pelo Poder Judiciário - que deve conciliar os princípios da inafastabilidade jurisdicional e da separação harmônica entre os Poderes - insere-se no âmbito da legalidade ampla, que perfazem os princípios constitucionais explícitos (legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, motivação, isonomia) e implícitos (proporcionalidade, razoabilidade, boa-fé objetiva, proteção da confiança, supremacia do interesse público, indisponibilidade do interesse público), bem como as normas constitucionais e legais vigentes e as regras regulatórias. 8. A Constituição principiológica impõe ao Poder Judiciário o dever de impedir as ações ou omissões contrárias ao texto, e conferir efetividade, em última ratio, aos direitos fundamentais e as liberdades públicas. 9. Não se admite, contudo, que o controle judicial reavalie o mérito do ato administrativo para modificar a conveniência e oportunidade administrativa (art. 2º da CR/88 ). 10. No tocante aos atos administrativos discricionários, o Poder Judiciário pode aferir os seus elementos vinculados (competência, forma, finalidade) e analisar a juridicidade que condiciona os limites da liberdade outorgada ao administrador (conveniência e oportunidade), sem que invada o espaço reservado à decisão do Poder Público. 11. Com efeito, não invade o Poder Judiciário a esfera de competência da Administração nem viola o princípio da independência dos Poderes quando exerce o controle do ato administrativo discricionário se valendo de interpretação sistemática e teleológica de todo o ordenamento jurídico interno, levando em conta os princípios da Administração Pública expressos no caput do art. 37 da CR/88 e os princípios implícitos da razoabilidade, proporcionalidade, igualdade, proteção da confiança legítima, proibição de arbitrariedade, vedação ao excesso. 12. O controle jurisdicional dos processos administrativos restringe-se, prima facie, à regularidade do procedimento, à luz dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, bem como dos princípios constitucionais explícitos e implícitos norteadores de toda a atividade administrativa, sendo defeso o reexame do mérito do ato administrativo. 13. A ilegalidade administrativa admite o exame da realidade fática e das circunstâncias objetivas do caso que ensejaram a tomada de decisão pelo administrador público, ainda que no âmbito de sua discricionariedade. 14. Por sua vez, a teoria dos motivos determinantes vincula o administrador público, na medida em que se o motivo de fato ou de direito inexistir ou se dele forem extraídas consequências incompatíveis com a lógica do sistema jurídico, o ato será nulo. De fato, o exame da idoneidade ou subsistência dos motivos, que determina o agir do administrador público, é meio hábil para conter a arbitrariedade. 15. No caso dos autos, o ato administrativo sancionatório tem natureza de ato vinculado na medida em que deve estar prevista em lei a conduta tipificada como infração, cabendo ao administrador considerar as circunstâncias legais (natureza da infração, gravidade, extensão do dano, reincidência, capacidade econômica, etc.) para adequar a sanção à infração cometida, salvo se a lei previamente definir essa correlação. 16. A Agência Nacional de Saúde-ANS, criada pela Lei nº 9.961 /2000, ostenta a natureza jurídica de autarquia federal, sob regime especial, incumbindo-lhe o exercício das funções de controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. 17. No exercício do regular poder de polícia, incumbe, portanto, à Agência Reguladora apurar infração à legislação em vigor. O Processo administrativo nº 25772.000761/2014-65 foi instaurado a partir de denúncia formalizada perante a ANS por Osvaldo Lacerda de Sousa Neto (O. L.S.N. ) em nome de seu filho, sob a alegação de suposta negativa de cobertura de procedimento de tomografia com contraste. 18. De acordo com o parecer da ANS (ID nº 4058100.20834510), "a autuada deixou de cumprir os deveres atinentes à cobertura assistencial de seu beneficiário, porquanto não promoveu a realização do exame de Tomografia do qual aquele necessitava para seu tratamento de saúde. Assim, considerando que o Hospital Gabriel Soares não dispunha de equipamento para realização do exame em questão, a operadora deveria garantir o transporte para prestador apto para execução do mesmo. Vale dizer que, em sede de NIP, a operadora não praticou nenhuma conduta apta a atrair a incidência da Reparação Voluntária e Eficaz - RVE. O que poderia ser feito através do reembolso integral dos valores despendidos pelo denunciante para fins do transporte do beneficiário. Sendo assim, por tudo o que foi apontado, entendo que se configurou a infração às normas da saúde suplementar porque a operadora deixou de garantir a adequada cobertura assistencial para seu beneficiário M. I. C. L." 19. Por sua vez, a HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA alega que o referido exame foi agendado e disponibilizado regularmente ao beneficiário, não tendo sido realizado, entretanto, por fator alheio à operadora de plano de saúde (ausência de equipamentos na unidade hospitalar que realizou o atendimento inicial). Assim, o genitor do paciente teria arcado com as despesas de remoção e solicitado apenas o reembolso do custo da UTI móvel. 20. Destacou, outrossim, que a remoção de pacientes via UTI móvel só se torna obrigatória a partir do momento que a operadora de saúde é devidamente notificada do ocorrido, nos termos do artigo 2º, inciso III caput da RN/ANS nº 347/2014, o que asseverou não ter sido comprovado nos autos do respectivo processo administrativo. 21. A despeito de o ato administrativo ser vinculado, e ser a autoridade obrigada à aplicação da regra contida na lei, ao juiz, por sua vez, cabe a aplicação do direito ao fato concreto, sopesando os bens tutelados e ponderando princípios sob a ótica da razoabilidade/proporcionalidade. Está, portanto, dentro do âmbito de atuação do Poder Judiciário, verificar, no caso concreto, se houve o respeito às normas e diretrizes da ANS, além do respeito às demais normas existentes no ordenamento jurídico. 22. Logo, cabe ao Poder Judiciário, sem que se fira o princípio da separação dos poderes, analisar se houve ou não nulidade do ato administrativo sancionatório, bem como se foram observados os elementos afetos à competência, forma e finalidade. Cabendo, ainda, observar se os motivos de fato e de direito se encontram em conformidade com o regramento legal e a situação fática que o gerou. E se, na via administrativa, foi plenamente assegurado o exercício do direito de defesa e o contraditório. 23. Por fim, caso entenda que, de fato, houve infração, cabe ao Judiciário avaliar se o valor da multa se encontra em conformidade com os parâmetros legais ou se houve excesso de execução na multa cobrada. 24. Apelação provida para anular a sentença recorrida.