TRF-3 - HABEAS CORPUS: HC 13727 SP XXXXX-0
HABEAS CORPUS - ARTIGOS 16 E 22 DA LEI Nº 7.492 /86 - PRETENDIDA ANULAÇÃO PARCIAL DO PROCESSO PARA ASSEGURAR NOVOS INTERROGATÓRIOS, DE MODO QUE OS ADVOGADOS DOS CO-RÉUS POSSAM PARTICIPAR ATIVAMENTE NA INQUIRIÇÃO DE CADA UM DOS ACUSADOS, FORMULANDO PERGUNTAS - DESCABIMENTO, À FALTA DE PREVISÃO LEGAL E AINDA PORQUE O INTERROGATÓRIO CONSTITUI AUTÊNTICO ATO DE DEFESA, INFORMADO PELA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E PELA VELHA MÁXIMA NEMO TENETUR SE DETEGERE, SENDO QUE O INTERROGATÓRIO NO PROCESSO CRIMINAL NADA TEM A VER COM O DEPOIMENTO PESSOAL DO PROCESSO CIVIL - O ENTENDIMENTO AFIRMATIVO DA SUBMISSÃO DE UM ACUSADO ÀS REPERGUNTAS FORMULADAS POR ADVOGADOS DOS CO-RÉUS DESATENDE AOS POSTULADOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL GARANTISTA, SEGUNDO O QUAL O INTERROGATÓRIO DEVE SER VISTO COMO ATO DE DEFESA PESSOAL E NÃO COMO OPORTUNIDADE DE SE OBTER PROVA DESFAVORÁVEL AO ACUSADO - IMPOSSIBILIDADE DE SE CONFERIR AO RÉU O MESMO TRATAMENTO DISPENDIDO À TESTEMUNHA - NECESSIDADE DE O INTERROGATÓRIO TRANSCORRER EM CLIMA DE TRANQUILIDADE, SEM OPORTUNIDADE PARA QUEM QUER QUE SEJA EFETUAR PRESSÃO MORAL SOBRE O INTERROGANDO - TEMERIDADE EM ASSENTAR AS BASES DA DEFESA DE UM ACUSADO SOBRE AS DECLARAÇÕES QUE SE PRETENDE OBTER NO INTERROGATÓRIO DE CO-RÉU, JÁ QUE EXISTE A POSSIBILIDADE DE RECURSO AO SILÊNCIO E MESMO À MENTIRA - SUPERVENIÊNCIA DE QUESTÕES PRÁTICAS DE DIFÍCIL SOLUÇÃO - CONSONÂNCIA ENTRE OS ARTIGOS 188 E 191 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - A MONTAGEM DE ESTRATÉGIA DE DEFESA EM DETERMINADO PROCESSO NÃO PODE SER O FATOR CONDUCENTE DO DESRESPEITO A POSTULADOS E NORMAS LEGAIS - ORDEM DENEGADA. 1. Habeas Corpus impetrado contra decisão do Juízo da 6ª Vara Criminal Especializada no combate de crimes contra o sistema financeiro e lavagem de valores da Seção Judiciária de São Paulo que, nos autos da ação penal instaurada pela suposta prática dos crimes descritos nos artigos 16 e 22 da Lei nº 7.492 /86 - processo nº 2007.61.81.005185-7 - indeferiu requerimento da defesa dos pacientes para participar ativamente dos interrogatórios de cada um dos acusados, formulando perguntas. 2. Especialmente depois da Constituição Federal de 1988, e sempre ressaltando a irrelevância da colocação topográfica no Código de Processo Penal , não há como conceber o interrogatório, senão como autêntico ato de defesa, e de defesa pessoal, posto à disposição do réu como oportunidade de, desejando falar - porque o réu pode optar pelo direito constitucional ao silêncio -, fornecer ao Juiz a sua versão própria sobre os fatos, reservando-se a defesa técnica ao advogado. 3. Fundamentado no falso e infeliz argumento de prestigiar o exercício do direito de defesa, o estabelecimento pela via judicial de uma norma não cogitada pelo legislador, segundo a qual devem ser chamados todos os advogados dos co-réus para participar do interrogatório e formular reperguntas, desatende aos postulados do direito processual penal garantista, pois renega a benfazeja natureza de "ato de defesa" que caracteriza o interrogatório, informado ainda pela presunção de inocência e pela máxima nemo tenetur se detegere. Tal pretensão constitui verdadeiro desvirtuamento e retrocesso de um ato que ao longo do tempo evoluiu do processo inquisitivo para o processo acusatório, em benefício do réu, seja ele quem for. Estamos longe dos domínios do direito processual civil, onde, conforme se verifica do texto dos artigos 343 e 344 do Código de Processo Civil , a parte submetida a depoimento pessoal pode ser amplamente reperguntada e se sujeita à pena de confesso. 4. A reforma do instituto ventilada pela Lei nº 10.792 /03, que assegurou a sadia participação da acusação pública ou privada, e do advogado constituído ou nomeado em favor do acusado, cuja intervenção deve direcionar-se unicamente à obtenção de "esclarecimentos", não pode ser desvirtuada através da interferência de outras figuras, o que certamente distorceria a natureza e contaminaria a pureza do ato de defesa. No processo penal, não só o réu não pode ser reperguntado "como se testemunha fosse", como não tem o dever de colaborar com o Juízo na descoberta da verdade, sendo-lhe permitido calar-se e até mesmo mentir, sem que isso lhe acarrete qualquer gravame. 5. Não há fundamento algum para o Judiciário criar uma providência que o Poder Legislativo não cogitou. Não cabe ao Judiciário legislar; apenas interpretar a lei. E quando a letra da lei é clara, não há espaço para interpretação extensiva, in claris cessat interpretatio. A lei não previu a participação, sequer mitigada, de advogados dos co-réus no interrogatório de outro acusado. 6. Cabe ao Juiz, nos termos do Código de Processo Penal , assegurar ao réu tranqüilidade no momento de seu interrogatório. Não tem propósito conturbar o interrogatório com acréscimo da participação dos advogados dos outros processados, sejam quem forem, ricos ou pobres. Entendimento contrário reflete conduta temerária que certamente ensejará ampla oportunidade de pressão moral sobre o interrogando, seja ele quem for, especialmente na hipótese de colidência de teses defensivas. 7. A impossibilidade de conciliação entre o direito constitucional ao silêncio e a permissão de ampla intervenção de advogados e acusador no interrogatório corrobora a inviabilidade de interpretação extensiva do texto legal. Outrossim, a possibilidade do réu mentir no interrogatório, o que é muito freqüente, revela a temeridade e a absoluta inutilidade em assentar as bases da defesa de um acusado, a partir de afirmações feitas por outro processado e obtidas mediante reinquirição. 8. Superveniência de questões práticas - como por exemplo, um processo desmembrado em diferentes fases, ou réus presos em lugares diferentes acarretando a expedição de várias Cartas Precatórias - impossíveis de serem solucionadas em uma pincelada, justamente porque a participação dos defensores dos co-réus no interrogatório não é providência cogitada pela lei, dependendo, assim, da criação de um arcabouço instrumental que confira viabilidade a esse suposto direito de todos os advogados interrogarem. 9. Consonância entre os artigos 188 e 191 do Código de Processo Penal , sendo que o último dispositivo determina o interrogatório dos acusados em separado, justamente para preservar quem é interrogado, sem que haja participação ativa de co-réus, por intermédio de defensores por estes constituídos. 10. Na singularidade do caso apontado na impetração, pode ser que a participação dos advogados dos co-réus no interrogatório de outro acusado seja - ou fosse - vantajosa para a defesa deles; mas a especialidade de um caso, a montagem de estratégia de defesa em um determinado processo, não pode ser o fator conducente do desrespeito a postulados e normas legais que, ao longo do tempo e a duras penas, tornaram o interrogatório um ato de pura defesa pessoal do acusado, garantindo-lhe ser ouvido com tranqüilidade pelo Juiz. O que hoje, na singularidade do caso, pode parecer aos causídicos uma "boa estratégia" de defesa, amanhã, noutro processo, pode ser um desastre para eles. 11. Ordem denegada.