TJ-CE - Apelação Criminal: APR XXXXX20218060104 Itarema
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33 , CAPUT, DA LEI 11.343 /06. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA SOB ARGUMENTO DE VIOLÊNCIA POLICIAL. NÃO ACOLHIDO. AUTO DE EXAME DE CORPO DE DELITO QUE NÃO APONTA OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA DO ACUSADO. EVENTUAL VIOLÊNCIA, SE OCORRIDA, NÃO INFLUENCIOU NA PRISÃO DO RÉU. SITUAÇÃO QUE NÃO INFLUENCIA NO POSTERIOR DECRETO DE SEGREGAÇÃO CAUTELAR DA SENTENÇA. MÉRITO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. ACOLHIMENTO. PROVAS OBTIDAS MEDIANTE BUSCA PESSOAL NO ACUSADO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA JUSTIFICAR A REALIZAÇÃO DA ABORDAGEM. PROVAS ILÍCITAS. PRECEDENTES DO STJ E DESSE EG. TJCE. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS INDEPENDENTES. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. FACE AO RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA ILICITUDE DAS PROVAS. SENTENÇA REFORMADA. 1. Inicialmente, afasto a preliminar de nulidade suscitada, tendo em vista que o laudo pericial de corpo de delito, à pág. 28, não constatou qualquer ofensa física ao acusado. . Por fim, registro que eventual irregularidade ocorrida na prisão em flagrante do acusado não interfere no atual decreto de segregação cautelar do acusado, o qual deriva de comando emanado na sentença condenatória. 2. No mérito, observa-se, no presente caso, a existência de situação de flagrante nulidade absoluta na colheita das provas iniciais, na medida em que se constatou, de ofício, que o acusado sofreu abordagem policial seguida de uma injustificada busca pessoal, derivando daí as provas utilizadas para embasar a denúncia, o que torna o conjunto probatório constantes nos presentes autos inválido. 3. Com base nas provas colhidas na instrução processual, verifica-se que a diligência policial iniciou-se com base em uma denúncia anônima que teria comunicado a ocorrência de tráfico de drogas em uma determinada casa, tendo sido fornecido o nome do indivíduo que estaria traficando, mas, ao chegarem ao local da denúncia, os policiais não foram na casa denunciada, por presumirem que a mesma estava desabitada. No entanto, na mesma rua dessa casa, avistaram o acusado (que não era o indivíduo denunciado) numa calçada e, ao notarem que ele usava tornozeleira eletrônica, resolveram abordá-lo. 4. Nesse ponto, registro que tanto o art. 240 , § 2º , quanto o art. 244 , do Código de Processo Penal são expressos ao delimitar que a permissão de realização de busca pessoal se restringem aos casos em que há fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos que constituam corpo de delito, sendo que essa suspeita deverá ser baseada em elementos concretos e objetivos, não servindo, portanto, meras presunções dos policiais, por serem dotadas exclusivamente de subjetivismo. 5. No entanto, ao arrepio do que prevê a legislação, no presente caso, percebe-se que ocorreu uma situação daquilo que se pode chamar de 'fishing expedition', isto é, houve uma investigação especulativa, sem objetivo certo ou declarado, que 'lançou' suas redes com a esperança de 'pescar' qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação, o que não pode ser admitido em um Estado Democrático de Direito, sob pena de se permitir que direitos constitucionais individuais sejam rotineira e sistematicamente violados sem qualquer controle ou pudor. 6. Em incontáveis ações penais analisadas pelo Judiciário em todo o país, tem sido observada a alegação de uma mesma justificativa para a realização de abordagens e revistas pessoais a suspeitos, consistindo na alegação dos policiais de que o réu estava com uma "atitude suspeita", sem, no entanto, se referenciar, com elementos objetivos, no que consistiria essa 'atitude suspeita'. 7. No presente caso, a "atitude suspeita" que foi relatada que o acusado estava, na ocasião da sua abordagem, era estar parado em uma rua, conversando com outro indivíduo, e ter uma tornozeleira de monitoramento eletrônico na perna. No entanto, registro que não é possível se considerar como "atitude suspeita" tão somente o fato de um indivíduo sob monitoramento eletrônico estar parado em uma rua, especialmente se não houver nenhum outro elemento concreto apresentado no caso, sob pena de se estigmatizar que todos os indivíduos que respondem alguma ação penal ou foram condenados serão tratados eternamente como potenciais suspeitos. 8. Nesse ponto, ressalto que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado nos últimos anos, um posicionamento firme em casos análogos, considerando inválidas as provas obtidas em situações como a dos presentes autos, em que não há menção a elementos concretos que permitam concluir pela existência de fundadas razões que justifiquem a realização de busca pessoal no réu. Cito como precedentes: STJ - RHC nº 158.580/BA , Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 25/04/2022; e deste Eg. Tribunal de Justiça: TJCE - APR nº XXXXX20208060001/CE , Rel. Des. Mario Parente Teófilo Neto, 1ª Câmara Criminal, DJe 16/11/2021. 9. Diante de todo o contexto narrado, não é outra a conclusão, se não a que se mostram inadmissíveis as provas obtidas em violação às normas constitucionais (art. 157 do CPP ), como no caso dos autos. Importante relembrar, ainda, da teoria dos "frutos da árvore envenenada", segundo a qual, o vício da planta se transmite a todos os seus frutos, isto é, a eventual existência de prova lícita que derive de prova ilícita também é considerada inválida para fins processuais. 10. Assim, verificando-se que somente foi possível encontrar determinadas provas (drogas e dinheiro) nos bolsos do réu, mediante injustificada (e, portanto, ilegal) realização de busca pessoal, resulta inquestionável que as provas subsequentes somente vieram à tona em razão da ilicitude inicialmente praticada e, portanto, são igualmente inadmissíveis, de modo que impõe-se a absolvição do acusado, haja vista a ausência de provas independentes e suficientes para condenação. 11. Recurso conhecido e provido, para, face ao reconhecimento da ilicitude das provas colhidas e ao reconhecimento de insuficiência probatória independente e suficiente, absolver o acusado, nos termos do art. 386 , VII , do CPP . ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso apelatório interposto, para dar-lhe provimento, de modo que, em razão do reconhecimento da ilicitude das provas obtidas e da ausência de provas independentes e suficientes para embasar uma condenação, reforma-se a sentença para absolver o acusado, nos termos do voto desta Relatoria. Fortaleza, 19 de julho de 2022 MARLÚCIA DE ARAÚJO BEZERRA Relatora