APELAÇÃO CRIMINAL. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS. RECURSO PREJUDICADO, NO PONTO. FIXAÇÃO DA PENA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 171 , § 3º , DO CP . ESTELIONATO CONTRA O BANCO DO BRASIL S/A. INAPLICABILIDADE. REDUÇÃO DAS PENAS. RECURSO, NO PONTO, PROVIDO EM PARTE. 1. Apelação interposta pelos réus Orlando Polato e Odair Fernando Ferrari da sentença pela qual o Juízo: (i) absolveu os réus Enaide Alves Oliveira, Marcos Bachiega e Anderson Torquato Scosafava da imputação da prática do crime de estelionato qualificado, reconhecendo "não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal" e "não existir prova suficiente para a condenação" ( CP , Art. 171 , § 3º ; CPP , Art. 386 , V e VII ); (ii) condenou Orlando, mediante emendatio libelli, pela prática do crime de estelionato qualificado a 4 anos e 8 meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de multa fixada em 273 dias-multa à razão de 5 salários mínimos, no valor inicial vigente na data dos fatos ( CP , Art. 171 , § 3º ; CPP , Art. 383 ); (iii) condenou Odair pela prática do crime de estelionato qualificado, mediante emendatio libelli, a 4 anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de multa fixada em 233 dias-multa à razão de um salário mínimo, no valor inicial vigente na data dos fatos. CP , Art. 171 , § 3º ; CPP , Art. 383 . Denúncia, na qual o Ministério Público Federal (MPF) imputou aos réus a prática do crime consistente em "[o]bter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira", recebida em 14/09/2011. Lei 7.492 , de 16 de Junho de 1986, Art. 19 . Sentença prolatada em 17/11/2017, na qual o Juízo concluiu pela prescrição da pretensão punitiva, em abstrato, do crime capitulado na denúncia, porquanto o financiamento fora obtido em 22/07/1996 enquanto a denúncia foi oferecida e recebida em 2011. 2. Apelantes sustentam, em suma, que, diante da pena concretizada na sentença, de 4 anos de reclusão, ocorreu a prescrição da pretensão punitiva em relação ao acusado Odair; que, entre a data do fato (aditivo), ocorrido em 30/12/1999, até a data do recebimento da denúncia, em 14/09/2011, transcorreram mais de 8 anos, que é o prazo aplicável à pena fixada em 4 anos ( CP , Art. 107 , IV , Art. 109 , IV , Art. 111 , I , e Art. 117 , I ); que inexistiu a elementar do tipo do crime de estelionato consistente na obtenção de vantagem indevida por parte do acusado Orlando; "que o financiamento não foi obtido com o aditivo referido na denúncia [firmado em 30/12/1999], mas com a assinatura da própria Cédula Rural Hipotecária, o que se deu em data de 22/07/1996"; que, nessa data, "teria se verificado [...] a suposta vantagem ilícita"; que o aditivo "não significou novo financiamento, ou nova vantagem ilícita [...] já que foi assinado entre as partes com o único objetivo de alterar o vencimento de duas prestações, uma vencível em 31/10/1999 e, outra, em 31/10/2000, na forma da Resolução CMN/BACEN 2.666/1999, não consistindo em novação ou em qualquer privilégio novo"; que, "[s]e vantagem ilícita houve, esta já tinha sido obtida quando da materialização da 'securitização'"; que, ainda que se admita, "para argumentar, que a vantagem tenha sido obtida mediante fraude, isso ocorreu com a consolidação e repactuação da dívida, em data de [...] 22/07/1996"; que, "assim sendo, já tinha ocorrido a prescrição, quando a denúncia foi recebida em 14/09/2011, consoante" reconheceu o próprio Juízo; que a fixação da pena-base em 3 anos de reclusão "é um exagero, uma exasperação absurda, pois acrescentou mais 2 (dois) anos à pena mínima prevista pelo legislador"; que, para a incidência da agravante prevista no Art. 62 , I , do CP (aplicável àquele que "promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes"), "não basta ter ocorrido a simples coautoria", sendo "necessário que fique esclarecido como se deu essa liderança, essa organização ou direção das atividades do grupo criminoso ou dos demais agentes do crime"; que também é inaplicável a causa de aumento de pena prevista no § 3º do Art. 171 do CP (aumento da "pena [em] um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência"), porquanto o suposto estelionato teria sido perpetrado em detrimento do Banco do Brasil S/A, que tem natureza jurídica de sociedade de economia mista, e, portanto, pessoa jurídica de direito privado. Requer a decretação da extinção da punibilidade em virtude da ocorrência da prescrição em relação a ambos os apelantes; a redução da pena aplicada ao apelante Orlando. Contrarrazões da PRR1 pela decretação da extinção da punibilidade, pela prescrição, quanto ao acusado Odair e pelo parcial provimento do recurso no tocante ao acusado Orlando, para reduzir a pena. 3. Obtenção de financiamento, perante o Banco do Brasil S/A, mediante fraude, em 1996. Lei 7.492 , de 1986, Art. 19 . (A) Prescrição da pretensão punitiva reconhecida pelo Juízo. (B) Obtenção, em 1999, do alongamento ou securitização do financiamento obtido em 1996. (C) Conclusão do Juízo no sentido da caracterização de estelionato qualificado. CP , Art. 171 , § 3º. (D) Manutenção dessa classificação jurídica à vista da proibição da reformatio in peius. CPP , Art. 617 . (E) Condenação do acusado Orlando confirmada. 4. Fixação da pena. Pena-base. (A) Valoração negativa da culpabilidade com os seguintes fundamentos: "O fato de os réus terem se valido, para a perpetração da fraude, de documentos que tinham em sua posse por força da condição de empregador ou ex-empregador dos supostos parceleiros, com inobservância dos deveres de confiança e de boa-fé que lhes incumbe, deve ser reputado, na dosimetria da pena, para agravamento da culpabilidade." (B) "A culpabilidade, no sentido moderno, é reprovabilidade ao agente por haver praticado a ação, ou se omitido no cumprimento do dever legal. Ademais, é pessoal. Nessa linha, superado o conceito de homo medius. Urge, importante, necessário analisar a atitude do agente, em sua individualidade, e não com referência a comportamento hipotético." (STJ, REsp XXXXX/GO ; HC XXXXX/MS ; STF, HC XXXXX/MS ; HC XXXXX/RJ ; HC XXXXX/RS ; TRF1, ACR XXXXX-25.2004.4.01.3500/GO ; INQ XXXXX-1/PA.) (C) A conduta daquele que utiliza, "para a perpetração da fraude, de documentos que tinham em sua posse por força da condição de empregador ou ex-empregador dos supostos parceleiros, com inobservância dos deveres de confiança e de boa-fé que lhes incumbe", é mais reprovável do que, por exemplo, a fraude que não envolve terceiros estranhos ao empreendimento criminoso. (D) Consequente manutenção da valoração negativa da culpabilidade. 5. Fixação da pena. Pena-base. (A) Valoração negativa das circunstâncias do crime, "[c]onsiderando que os denunciados envolveram, na prática do ilícito, ao menos 9 [...] pessoas estranhas ao fato delituoso [...], tenho que tal circunstância do crime também deve ser reputada com maior censura." (B) As circunstâncias do crime são os elementos acidentais não integrantes da estrutura do tipo penal, embora envolvam o crime. (C) Hipótese em que a fundamentação exposta pelo Juízo seria legítima, não fosse o fato de a mesma circunstância, consistente no envolvimento dos nomes de terceiros inocentes na perpetração delituosa já não tivesse, com o uso de outras palavras, ter sido valorado negativamente a título de culpabilidade. (D) Caso em que o Juízo valorou desfavoravelmente a culpabilidade diante do "fato de os réus terem se valido, para a perpetração da fraude, de documentos que tinham em sua posse por força da condição de empregador ou ex-empregador dos supostos parceleiros". (E) Em consequência, sob pena de bis in idem, não é possível utilizar, a título de circunstâncias do crime, o fato de os réus terem envolvido, na perpetração do crime, "pessoas estranhas ao fato delituoso". (F) Valoração negativa das circunstâncias do crime afastada. 6. Fixação da pena. Pena-base. (A) Valoração negativa das consequências do crime [à] vista do grande e presumível prejuízo causado à União e ao Banco do Brasil em virtude da incidência de juros menores e do alongamento do prazo para pagamento dos débitos de natureza rural, cujo montante era de R$ 2.930.779,99 [...] quando da assinatura do aditivo em 30/12/1999". (B) A majoração da pena imposta ao réu não pode ser estabelecida com base em presunção contra o réu."[A] única presunção aceitável no campo penal é a de inocência, não podendo existir presunções contra o suspeito ou acusado."(ADA PELLEGRINI GRINOVER; CR , Art. 5º , inciso LVII .) No"processo penal, [...] a única presunção admissível é a de inocência do acusado". (TRF1, ACR XXXXX-1/GO.) (C) Assim, não é possível majorar a pena"[à] vista do grande e presumível prejuízo causado à União e ao Banco do Brasil" se esse prejuízo não foi devidamente quantificado. (D) Valoração negativa das consequências, sob esse fundamento, afastada. 7. Fixação da pena. Pena-base. (A) Valoração negativa das consequências do crime com fundamento em que "devem ser valorados como consequência do crime os transtornos narrados pelos supostos parceleiros, tais como dificuldades na abertura de contas e obtenção de crédito e cheque do Banco do Brasil, bem como a existência de contas bancárias em nome das vítimas." (B) Consequências danosas causadas aos "supostos parceleiros". Fundamento idôneo à majoração da pena-base. (C) Consequente manutenção da valoração negativa das consequências do crime sob esse fundamento. 8. Atenuante relativa à reparação do dano antes do julgamento. CP , Art. 65 , III , b . Ocorrência, no caso. (A) Hipótese em que os apelantes juntaram aos autos comprovantes da liquidação da cédula de crédito rural. (B) A PRR1, considerando que o "pagamento foi realizado em 29/11/2016 [...], isto é, como houve reparação do dano antes do julgamento do feito (17/11/2017 [...])", concluiu que "é justo atenuar-lhes as penas fixadas [...], conforme dispõe o art. 65 , III , 'b', do CP ". (C) Atenuante reconhecida. 9. Agravante relacionada à direção da atividade criminosa. CP , Art. 62 , I . Ocorrência, no caso. (A) Cabimento dessa agravante no concurso de pessoas. (B) Alegação de que a acusação precisa provar "como se deu essa liderança, essa organização ou direção das atividades do grupo criminoso ou dos demais agentes do crime." (C) Improcedência. "Não cabe à acusação demonstrar e comprovar elementares que inexistem no tipo penal". (STJ, AgRg no REsp XXXXX/SC .) (D) Agravante reconhecida. (E) "No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência." CP , Art. 67 . (F) Assim como "[é] possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência" (STJ, REsp XXXXX/MT ), a agravante da direção da atividade criminosa pode ser compensada pela atenuante relativa à reparação do dano antes do julgamento. CP , Art. 62 , I , e Art. 65 , III , b . (G) Inexistência, aqui, de fundamentos de fato ou de direito idôneos para afastar essa compensação. (H) Compensação reconhecida. 10. Causa de aumento de pena prevista no Art. 171 , § 3º , do CP . Estelionato perpetrado contra o Banco do Brasil S/A. Aplicabilidade. (A) "A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência." CP , Art. 171 , § 3º. (B) "As operações de financiamento agrícola realizadas junto ao Banco do Brasil, nos termos da política nacional do preço mínimo, são empréstimos do Governo Federal, implicando, quando o caso, delito praticado em detrimento da União." (STJ, AgRg no REsp XXXXX/RS .) (C) A obtenção de financiamento, mediante fraude, contra o Banco do Brasil, que é instituição financeira oficial, implica a incidência da causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do Art. 19 da Lei 7.492 . A aplicação do aumento da pena se justifica em virtude da maior gravidade da conduta que implica lesão aos recursos públicos da União, presentes nos financiamentos destinados ao crédito rural. (D) Aqui, o financiamento envolveu recursos da União destinados ao crédito rural. (E) Consequente legitimidade da incidência da causa de aumento de pena prevista no Art. 171 , § 3º , do CP . 11. Redução das penas aplicadas ao acusado Orlando Polato. Penas definitivamente fixadas em 3 anos e 1 mês de reclusão e 156 dias-multa. 12. Extinção da punibilidade, em virtude da prescrição, declarada em relação ao acusado Odair Fernando Ferrari, ficando, quanto a esse réu, prejudicado o recurso. Recurso provido em parte no tocante ao acusado Orlando Polato.