APELAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REJEITADA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DEFENSORIA PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. RESPONSABILIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS AO CONSUMIDOR. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZADO. RENEGOCIAÇÃO DE CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. REDUÇÃO DE ATÉ 80% DA PARCELA. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO. PUBLICIDADE ENGANOSA. POTENCIALIDADE DE INDUZIR EM ERRO O CONSUMIDOR. FALSA EXPECTATIVA DE RESULTADO CERTO. DUBIEDADE QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS. ESTÍMULO AO INADIMPLEMENTO. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DO CONSUMIDOR ÀS CONSEQUÊNCIAS DA MORA. COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO AOS DEVERES ANEXOS DE CUIDADO, ESCLARECIMENTO, INFORMAÇÃO, SEGURANÇA E COOPERAÇÃO. PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO. NÃO CARACTERIZADA. CONTRAPROPAGANDA. DANO MORAL COLETIVO. REDUÇÃO. PROPORCIONALIDADE. DANOS MATERIAIS. MANTIDOS. EFICÁCIA TERRITORIAL DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO XXXXX/SP . LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AUSÊNCIA DE DOLO PROCESSUAL. 1. De acordo com o artigo 946 , do Código de Processo Civil , O agravo de instrumento será julgado antes da apelação interposta no mesmo processo. A literalidade do dispositivo revela inexistir óbice ao julgamento do feito na primeira instância, trazendo hipótese de prioridade de análise quando pendente, na instância recursal, julgamento de Agravo de Instrumento e Recurso de Apelação. 2. O pano de fundo estampa questão atinente à prática publicitária da ré que propaga serviços de assessoria e intermediação extrajudicial com suposta garantia em benefício de um número incerto de consumidores, que, segundo a autora, se encontram sujeitos ao engodo decorrente da falta de informação clara quanto à real possibilidade de revisão contratual e redução do saldo devedor e quanto aos riscos inerentes à negociação meramente extrajudicial deflagrada perante a financeira. 2.1 Consoante se extrai, infere-se da causa de pedir que a lesão decorrente da publicidade enganosa é de ordem difusa, por alcançar direitos transindividuais, de natureza indivisível, dos quais são titulares um número indeterminado de consumidores ligados pela mesma circunstância de fato, que potencialmente poderão ser atraídos pelas promessas veiculadas pela ré no afã de reduzirem o saldo devedor de seus financiamentos. A matéria ventilada nos autos também aponta para a violação a direitos individuais homogêneos de consumidores já lesados pela contratada, os quais teriam recorrido à Defensoria Pública para obterem a rescisão do contrato e a indenização cabível. 3. A Defensoria Pública pode se valer da Ação Civil Pública para a defesa não apenas de direitos difusos de consumidores lesados pela publicidade veiculada, mas também de seus interesses individuais homogêneos, tal como relatado nos autos, diante de sua origem comum, qual seja, a contratação dos serviços fornecidos pela ré. 4. Os sujeitos do processo têm o direito de requerer a produção das provas que julgarem necessárias para demonstrar a veracidade de suas alegações. Caberá ao Magistrado, no entanto, enquanto destinatário da prova, analisar e indeferir os pedidos que não tenham utilidade para a entrega da tutela jurisdicional, apresentando os fundamentos de sua decisão. 5. O Princípio da Informação outorga à recorrente o dever de prestar ao consumidor de forma transparente, clara, correta e precisa todas as informações pertinentes aos serviços contratados e às consequências advindas do inadimplemento total ou parcial da obrigação, de sorte a repercutir, na fase pré-contratual, na tomada de decisão consciente e na efetividade do direito de escolha. No campo dos contratos de consumo, a violação do comportamento positivo de informar, qualificada pela frustração da expectativa associada ao déficit de informação, infringe não apenas o Princípio da Transparência, mas também o da Boa-fé Objetiva e da Confiança. 6. A informação constitui mais do que simples elemento formal, afetando a própria essência do negócio. Justo por isso, a legislação põe a salvo o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva, contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. 7. Constitui publicidade enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou que, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, tenha potencialidade de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre os produtos ou serviços 7.1 O fornecedor que fizer veicular publicidade enganosa estará descumprindo a proibição legal e, portanto, praticando ato ilícito passível de punição. 8. Restou amplamente demonstrado que a recorrente disseminava propaganda publicitária em diversos meios de comunicação (redes de televisão, internet e redes sociais) contendo promessa de redução de até 80% (oitenta por cento) da parcela do veículo para quitar o financiamento. A mensagem, tal como transmitida, despertava nos consumidores, já fragilizados pela delicada situação financeira, a falsa expectativa de resultado certo, sem a necessidade de intervenção judicial, induzindo-os a erro, também, quanto ao modo de execução dos serviços. 9. A vedação à publicidade enganosa dispensa a aferição de má-fé do responsável, bastando, nesse caso, que ela, sendo falsa ou omissa, leve o consumidor a erro. 10. De acordo com o artigo 37 , parágrafo 3º , do Código de Defesa do Consumidor , é enganosa por omissão a publicidade que deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. Na espécie, a propaganda atraía a vítima dissimulando os prejuízos potenciais inerentes ao modus operandi da empresa e dando como certo o resultado prometido. O cliente ficava impedido de negociar seu próprio débito junto à instituição bancária por força de cláusula contratual, sujeitando-se às consequências jurídicas do inadimplemento, como inscrição em órgão de proteção ao crédito ou ações de busca e apreensão, na certeza de obter a redução das parcelas do seu financiamento, resultado nem sempre obtido. 11. A publicidade veiculada pela ré é flagrantemente enganosa, em virtude da duvidosa obtenção do resultado prometido, havendo inequívoca violação aos deveres anexos de cuidado, esclarecimento, informação, segurança e cooperação, derivados da regra de conduta veiculada pelo Princípio da Boa-Fé Objetiva, 12. De acordo com a doutrina, a eficácia da contrapropaganda é aferida mediante critérios objetivos indicados pelo Código de Defesa do Consumidor , devendo ocorrer da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local espaço e horários, de modo a desfazer verdadeiramente o malefício da publicidade enganosa ou abusiva. 13. Para alcançar a finalidade a que se destina, deve a contrapropaganda ser veiculada do mesmo modo como eram as campanhas publicitárias da ré. 14. No plano dos danos morais coletivos está-se a falar não no indivíduo, ou mesmo no somatório das violações dos danos morais de todos os sujeitos de uma coletividade. Efetivamente, ultrapassa-se a órbita do direito individual para se adentrar à órbita dos direitos difusos. Consiste numa violação à dignidade de determinada comunidade, do que se infere um abalo à potencialidade do pleno desenvolvimento dessa coletividade. Trata-se, pois, de uma perspectiva que parte do paradigma da socialização dos danos. 15. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a Sentença genérica prolatada em Ação Civil Pública que reconhece conduta ilícita deve conter em seus termos a reparação de todos os prejuízos suportados pelas vítimas, sem a obrigação de ter que especificar, caso a caso, o tipo de dano sofrido. 15.1 As hipóteses de exclusão/limitação de responsabilidade indicadas pela recorrente, embora relevantes, devem ser alegadas oportunamente em fase de Liquidação de Sentença, ocasião na qual cada consumidor deverá comprovar, individualmente, os danos efetivamente sofridos e o nexo de causalidade com o ilícito reconhecido na Ação Coletiva. 16. O Supremo Tribunal Federal, no bojo do Recurso Extraordinário XXXXX/SP , submetido ao regime da repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei nº 7.347 /1985, afastando a eficácia da Sentença proferida em sede de Ação Civil Pública dos limites da competência territorial do seu órgão prolator. 17. Preliminares de nulidade da Sentença, de inadequação da via eleita e de cerceamento de defesa rejeitadas. Recurso conhecido e parcialmente provido.