Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº XXXXX-92.2021.8.05.0103 Processo nº XXXXX-92.2021.8.05.0103 Recorrente (s): FUNDASP Recorrido (s): ALAN FILIPE NERI FIGUEIREDO DECISÃO MONOCRÁTICA RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO Nº 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. AÇÃO COMINATÓRIA E INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE VÍCIO DE SERVIÇO EDUCACIONAL. PLEITO QUE VISA COMPELIR A ACIONADA A PROCEDER O CANCELAMENTO SEM ÔNUS. COMPROVAÇÃO DOS FATOS CONSTITUTIVOS AUTORAIS. DANO MORAL VERIFICADO. REDUÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO NA INDENIZAÇÃO EXTRAPATRIMONIAL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO INTEGRATIVA PROFERIDA NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI 9.099 /95. A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado. Narra o autor que em 30/03/21 contratou curso de educação continuada de Programação de Smart Contracts em Blockchain, direcionado para profissionais em direito, que seria realizado remotamente. Disse que, depois da matrícula, a ré postergou o início das atividades de 20/04/21 para 04/05/21, fazendo com que o interesse do autor no curso se extinguisse, pois pretendia que o programa auxiliasse no seu TCC da graduação que, a esta segunda data, já deveria ter sido entregue. Aduziu que, quando recebeu a notificação de alteração do início das aulas, em 19/04/21, buscou rapidamente realizar o cancelamento do curso e o estorno do valor investido. Porém, por problemas técnicos da instituição de ensino, teriam sido gerados 2 usuários do autor dentro do sistema operacional, o que dificultou a efetivação do cancelamento. Ainda assim, em 07/06/21, o autor teria recebido boleto de cobrança de uma das parcelas do curso, sendo que sequer havia participado das aulas e, no mesmo dia, recebeu email notificando o encerramento da solicitação de cancelamento do curso. O autor alegou tentar resolver administrativamente a pendência pelos canais da Fundação, sem sucesso, e está recebendo ligações de cobrança. Postula tutela de urgência para suspender as cobranças relativas ao curso de educação continuada e abstenção de negativar o nome do autor sob pena de multa diária e, no mérito, requer a confirmação da liminar, o reembolso dos valores pagos e reparação moral. A ré contestou o feito. Sustenta que a parte autora estava inadimplente e, por esta razão, perdeu o benefício da bolsa 40% (quarenta por cento). Afirma ainda que a renovação é feita por semestre. Nega conduta indevida e dever de indenizar. Roga pela improcedência total dos pedidos. A ré, em sua defesa, alegou que: ¿Fato é que o autor apenas foi questionar sobre o procedimento para cancelamento do curso em 30/04/2021, quando recebeu o informe sobre o início das aulas. E, mesmo devidamente orientado, solicitou o cancelamento do curso no Portal do Aluno no dia em que as aulas iniciaram. Mesmo se considerarmos que o autor comprovou que houve tentativa de cancelamento no Portal apenas um dia antes do início do curso, de todo o modo, para que tivesse direito a devolução de valores, nos termos do Contrato, teria que requerer o cancelamento até dois dias antes da data de início do curso, o que não foi feito em qualquer cenário¿. Sentença proferida nos seguintes termos: ¿ Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO para, confirmando a liminar de ev. 08: A) determinar, EM SEDE DE TUTELA ANTECIPADA, que a ré , no prazo de cinco dias, efetue o cancelamento da inscrição/matrícula do autor no curso objeto da lide, sob pena de multa diária de R$ 100,00, limitada ao valor da causa B) condenar a ré a restituir ao autor o valor de R$ 895,74 (oitocentos e noventa e cinco reais e setenta e quatro centavos), ficando, porém autorizada a acionada a reter para si 25% (vinte e cinco por cento) do montante referente ao valor pago pelo bilhete, aplicando-se sobre o valor a ser restituído juros legais a partir da citação e correção monetária a partir do desembolso por parte do autor. C) Condenar a demandada a pagar aos requerentes o valor total de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de compensação moral, devendo ser monetariamente corrigido pelo INPC, a partir da presente decisão ( Súmula nº 362 STJ), bem como incidir juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês ( CC. Art. 406 e CTN art. 161 , § 1º ), a partir da citação.¿ Irresignado, a acionada apresentou recurso inominado, pugnando pela reforma pra total improcedência. Entende o STJ que, em se tratando de produção de provas, a inversão, em caso de relação de consumo, não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, conforme estabelece o art. 6º, VIII, do referido diploma legal. Pois bem, a teor do art. 373 , I , do NCPC , é da parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. E, mesmo que se considere como sendo de consumo a relação em discussão, a ser amparada pelo Código de Defesa do Consumidor , a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor somente deve ser determinada, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele - o consumidor - hipossuficiente (art. 6º , VIII do CDC ). Em sentido contrário, cabe ao fornecedor do serviço a comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373 , II , do CPC , ou mesmo a ausência de falha na prestação do serviço e culpa exclusiva de terceiro, nos termos do art. 14 § 3 do CDC . Compulsando os autos, o documento DOC 13 - CONVERSAS WHATSAPP - TENTATIVA DE SOLUÿÿO ADMINISTRATIVA.pdf (ev. 01) demonstra que o autor procurou a ré no dia 30/04/2021 para, CLARAMENTE, solicitar o cancelamento do curso. Já no documento DOC 11 - REQUERIMENTO DE CANCELAMENTO.pdf o autor deixa claro que não cancelou o curso pela plataforma da ré anteriormente devido a dificuldades no acesso aos canais de comunicação. No mesmo sentido, as razões apontadas na origem: ¿ Portanto, considerando que no dia 30/04/2021 o autor solicitou o cancelamento do curso perante a ré, revela-se devido o pedido de reembolso do valor pago (R$ 895,74, vide doc. 06, ev. 01), permitida a retenção pela ré de 25% desse valor, a título de taxa de cancelamento prevista no contrato. Outrossim, no que se refere ao pleito de danos morais, verifica-se que o acionante procurou resolver o impasse administrativamente, sem lograr êxito. Dessa forma, o insucesso na tentativa de resolução extrajudicial de um impasse ¿ que acaba compelindo o consumidor a provocar o já assoberbado Judiciário ¿ autoriza a presunção do dano extrapatrimonial, ante as dificuldades impostas ao prejudicado. ¿ Assim, a autora faz jus ao pleito cominatório de cancelamento do curso sem ônus, nos moldes já deferidos na sentença de origem. Desse modo, considerando as peculiaridades do caso, pelo comprometimento do serviço e desvio produtivo verificado após inúmeros contatos administrativos, gerando diversos transtornos, arbitro indenização extrapatrimonial no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), condizente com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como respeitando o caráter pedagógico e punitivo da indenização. Logo, o arbitramento pelo juízo de origem se mostrou excessivo. Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, reformando a sentença apenas para a reduzir a condenação extrapatrimonial para R$ 3.000,00 (três mil reais), mantendo-a nos demais termos. Sem custas e honorários. Decisão integrativa, conforme art. 46 da lei 9.099 . Salvador-BA, em 14 de abril de 2022. MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO Juíza Relatora