I - AGRAVO DE INSTRUMENTO . RECURSO DE REVISTA . LEI Nº 13.467 /2017. RECLAMANTE . TRANSCENDÊNCIA . EMPREGADA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE E ESTIGMATIZANTE (HEPATITE C). DISPENSA DISCRIMINATÓRIA 1. Deve ser reconhecida a transcendência jurídica quando se mostra aconselhável o exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado da matéria. 2. Aconselhável o provimento do agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista, em razão da provável contrariedade à Súmula 443 do TST. 3. Agravo de instrumento a que se dá provimento. II - RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467 /2017. EMPREGADA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE E ESTIGMATIZANTE (HEPATITE C). DISPENSA DISCRIMINATÓRIA 1. No caso, o TRT assentou que é incontroverso que a reclamante foi diagnosticada com hepatite C. Aduziu o Regional que era ônus da reclamante, por ser fato constitutivo do seu direito, a comprovação de que a despedida tenha sido discriminatória, ônus do qual não teria se desincumbido, de forma que considerou que a reclamada fez uso do seu poder potestativo para dispensá-la. Ficou registrado que a empresa deslocou a reclamante para um setor onde ela trabalhava sozinha; e que a empresa tinha conhecimento da doença da reclamante. Além disso, o Regional afastou a aplicação da súmula 443 do TST, por concluir que a hepatite C não se enquadra como doença estigmatizante. Ao final, o TRT validou a dispensa da obreira, justificando-a no poder potestativo do empregador. 2. Quanto à alegada contrariedade a Súmula nº 443 do TST, observa-se que a presunção de que a dispensa de empregado portador de doença grave ou estigmatizante é discriminatória foi uniformizada por meio da Súmula nº 443 do TST, no seguinte sentido: "DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego". 3. A SDI-1, no julgamento do processo AgR-E-RR-XXXXX-71.2013.5.02.0083 , de relatoria do Ministro José Roberto Freire Pimenta, concluiu que a Hepatite C é doença grave que causa estigma, de modo a possibilitar a aplicação da presunção da dispensa discriminatória prevista na Súmula nº 443 do TST. Esse também é o entendimento adotado pelas Turmas desta Corte. Julgados. 4 . Em matéria de discriminação na relação de emprego, importa notar que o Brasil ratificou a Convenção n. 111 da OIT, comprometendo-se a formular e aplicar uma política nacional com a finalidade de promover "igualdade de oportunidades em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria". Referida norma internacional conceitua em seu Art. 1º, II, o que considera discriminação em matéria de emprego e ocupação: "qualquer [...] distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado". 5. O ato discriminatório praticado pelo empregador fere a dignidade da pessoa humana, vai de encontro a um dos objetivos da República Federativa do Brasil, de erradicar qualquer tipo de preconceito e discriminação (arts. 1º, III, e 3º, IV, da Constituição Federal , respectivamente) e, ainda, deixa de observar o princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal ). 6. No âmbito da legislação nacional, houve a positivação da Lei nº 9.029 /95, com a finalidade de coibir práticas discriminatórias na relação de trabalho, inclusive relacionadas à manutenção do emprego, conforme se observa do seu art. 1º : "É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção , por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas noinciso XXXIII do art. 7oda Constituição Federal ". 7. Deste modo, a Súmula nº 443 do TST, ao prever que, nas hipóteses de doença estigmatizante, será do empregador o ônus de comprovar que a dispensa do trabalhador não é discriminatória, visa coibir a discriminação e proteger a relação de emprego contra despedida arbitrária (art. 7º, I, da Constituição Federal ), estando em sintonia com os preceitos internacionais e com o compromisso internacional firmado pelo Brasil ao ratificar a Convenção nº 111 da OIT. 8. Ademais, a Súmula nº 443 do TST também privilegia o princípio da continuidade da relação de emprego, além da distribuição do ônus da prova a partir do princípio da aptidão da prova, consagrado no art. 373 , § 2º , do CPC e no art. 818 , § 1º , da CLT . 9. Assim, sendo incontroverso que a reclamante é portadora de Hepatite C - doença reconhecida como estigmatizante pela SBDI-I - cabe à parte reclamada comprovar que a dispensa fundamentou-se em outro motivo, que não guarde relação direta ou indireta com a enfermidade que acomete o trabalhador . Julgados. 10. Não se está aqui pretendendo restringir o direito potestativo da reclamada de dispensar empregados ou de contratar novos trabalhadores, o que se pretende é evitar que esse direito potestativo seja um meio para prática de atos discriminatórios, com o consequente esvaziamento do conteúdo da Súmula nº 443 do TST. 11. Diante de todo exposto, conclui-se que os fatos comprovados nos autos não demonstram que a ruptura do pacto laboral decorreu de motivo alheio à enfermidade da reclamante, de modo que o Regional, ao afastar o caráter discriminatório da dispensa da reclamante, incorreu em má-aplicação da Súmula nº 443 do TST. 12. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento .