Apelação nº XXXXX-76.2016.8.19.0210 Apelante: Ministério Público Estadual - RJ Apelado: Vanessa Pereira Francisco Juízo de Origem: 10º Juizado Especial Criminal da Capital - Regional da Leopoldina Relatora: Juíza Rosana Navega Chagas Ementa: Apelação. Crime. Posse de entorpecente. Uso próprio. Art. 28 da Lei nº 11.343 /06. Quantidade ínfima. Princípio da Insignificância. Aplicabilidade. Inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343 /2006, por ferir princípios consagrados no art. 5º , XXXV da CF . Relatório Trata-se de Recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público contra decisão que rejeitou a denúncia, com fundamento no artigo 395 , III , do Código de Processo Penal , por conduta que considerou atípica, a norma descrita no artigo 28 da Lei 11.343 /2006. O recorrente pugna pela cassação da sentença e regular prosseguimento do feito, por entender típica a conduta de uso de substância entorpecente, entendendo não incidir o princípio da insignificância em crimes que buscam tutelar a saúde ante seu caráter indivisível e imprescindibilidade para o bem-estar social, embora reconheça que o STF vem mitigando tal assertiva em alguns julgados. Por sua vez, a defesa, em suma, insiste que a conduta do recorrido, ao contrário do que pretende o Ministério Público, não merece ser punida, uma vez que não se amolda com os princípios constitucionais fundamentais, destacando-se o Princípio da Alteridade, o qual veda a punição de conduta meramente subjetiva, não gerando qualquer ofensa ou perigo de ofensa ao bem jurídico tutelado. No mais, que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a r. decisão monocrática. Na sua sentença, o Magistrado invoca em suas razões os princípios da adequação social, da intervenção mínima e da igualdade, como fundamentos para exclusão da tipicidade material do fato em análise. É o relatório, no que passo a proferir o voto. Trata-se de recurso do Ministério Público contra decisão que rejeitou a denúncia ofertada contra o Recorrido referente à conduta descrita no artigo 28 da Lei 11.343 /2006. Em que pese o entendimento do Ilustre Membro do Parquet, entende esta Relatora que a conduta sobredita é atípica, como veremos a seguir: A denúncia narra que a substância supostamente apreendida em poder do denunciado, para consumo próprio, seria de 7,3g de Cannabis Sativa L (maconha). Inicialmente, destaca-se que a atual lei de drogas prima pela falta de clareza, transparecendo descriminalizar a sua conduta, uma vez que acentua o caráter terapêutico da abordagem, afastando a possibilidade da aplicação de pena privativa de liberdade, autorizando, contudo, a imposição de penalidades diversas da prisão. Ressalte-se, que a tipicidade, como afirma Rogério Greco (2009, p. 65-66 e 161-162), é formada pela tipicidade formal ou legal (subsunção da conduta ao modelo abstrato previsto pelo legislador) e pela tipicidade conglobante, sendo esta formada pela antinormatividade e pela tipicidade material. Daí conclui-se que não basta, para caracterizar uma conduta como fato típico, sua perfeita subsunção à hipótese abstrata prevista na lei, pois se deve averiguar também se tal conduta é contrária à norma penal (antinormatividade) e se realmente se mostra ofensiva e capaz de causar relevante lesão (lesividade/ofensividade) ao bem juridicamente protegido pelo Direito Penal (tipicidade material). Em dissonância com o acima exposto, os operadores do Direito Penal têm preferido se ater ao aspecto formal consagrado pela legislação em vigor, entendendo como típica a conduta ora em exame, simplesmente porque a lei arbitrariamente assim dispõe, deixando de fora aspectos fundamentais como o exame mais acurado dos fatos e a ética. Tal entendimento, no meu sentir, ignora a própria realidade, e não atenta para outro aspecto essencial ao tema, qual seja, o de que uma conduta somente pode ser considerada típica, quando além de se amoldar a determinado tipo sob o ponto de vista formal, também apresenta relevância material ou normativa, ou seja, ofende, ainda que minimamente algum bem jurídico importante de terceiro. Frise-se, que até os delitos de menor potencial ofensivo, como a conduta em comento, devem apresentar alguma relevância normativa, ainda que leve seja a violação ao bem jurídico supostamente protegido, o que não tem sido visualizado por alguns dos nossos mais prestigiados julgadores. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal vem aplicando em hipótese como a retratada nos autos o princípio da insignificância, dirigido justamente ao Magistrado que aplica a lei ao caso concreto, segundo o qual "é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinados tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal, porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado." Por fim, adota esta Magistrada todos os demais fundamentos da decisão recorrida, como fundamentação. Voto Por todo o exposto, conheço do recurso, eis que presentes seus requisitos legais, votando pelo não provimento, para manter a decisão que rejeitou a denúncia.