CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONSUMIDORA IDOSA E ANALFABETA. SITUAÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE. INSTRUMENTOS ASSINADOS A ROGO E SEM PROVA DE INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO DO CDC . NULIDADE DOS CONTRATOS RECONHECIDA. Ação declaratória de nulidade dos contratos de empréstimos consignados. Rejeita-se alegação de inovação recursal, porquanto o tema (validade do contrato) foi indicado na petição inicial e enfrentado em primeiro grau. A prova documental demonstrou a violação do direito à informação. No momento da contratação, o banco réu colheu a impressão digital da consumidora idosa (fl. 331) com assinatura a rogo de sua filha (fl. 339), mas sem prova de que houve leitura e explicação do conteúdo e do alcance do contrato e de suas cláusulas. Sintomático o fato de a autora sequer se recordar da realização daquele negócio jurídico. Nem se diga que a autora viu os créditos em sua conta corrente, presumindo-se a ciência da contratação. Ela afirmou que possuía alguns empréstimos consignados legítimos, até pela sua situação de precariedade financeira. Em tempos de admissão legal (daí a aprovação da Lei nº 14.181 /2021), deve-se exigir do fornecedor o cumprimento efetivo do seu dever de informar. Não bastava inserir um texto padrão de que o contrato havia sido lido à consumidora e sua filha. Era preciso provar! E há um outro fato destacado na réplica (fl. 359), que chama atenção. A celebração de dois contratos no mesmo dia. E, pior, um para quitar um outro (terceiro contrato). Só essa situação prova a falta de transparência e informação à autora e sua filha, insista-se pessoas humildes, sobre os contratos. É dever do fornecedor prestar informações adequadas ao consumidor relativas as dados essenciais de produtos e serviços, a teor dos artigos 4º , incisos I e IV , 6º , inciso III e 36 , todos do Código de Defesa do Consumidor . Não bastava ao banco-réu formalizar o contrato com assinatura a rogo e duas testemunhas, porque se exigia o efetivo esclarecimento à consumidora sobre o conteúdo do negócio jurídico a ser celebrado. Isto é, se assinado a rogo, é preciso verificar se a informação foi dada à pessoa de confiança do consumidor analfabeto. No caso concreto, verificou-se a adoção de duas operações, ambas no dia 30/10/2018, a primeira (contrato nº 586777370) no valor de R$ 787,68 para quitação em 72 parcelas de R$ 22,00 e uma segunda (contrato nº 589974499) de R$ 9.766,93 en 72 parcelas de R$ 264,00 (fl. 329). Essa dinâmica foi confirmada pelo banco réu em sua contestação (fl. 225). O restou absurdo: por que alguém faria duas operações, na mesma data, uma segunda para quitar um terceiro contrato (que não foi trazido para os autos)? Essa situação, como dito antes, chamou atenção para ocorrência indubitável de uma falta de transparência de violação do direito à informação, tanto para consumidora idosa analfabeta, como para filha desta última (igualmente humilde). Aliás, ninguém é capaz de explicar, a partir dos princípios da boa-fé e da informação, aquela dinâmica das operações. É espantoso, para dizer o mínimo, que a autora tenha feito dois empréstimos, num valor total superior a R$ 10.000,00, mas tenha visto creditada em sua conta corrente apenas as quantias de R$ 1.983,82 e R$ 787,68. (fls. 236 e 326). Não houve demonstração de como foi apurada dívida de um terceiro contrato (nº 587774307). Mesmo que se tenha em conta o instrumento contratual (fl. 331), diante da simplicidade das pessoas, era preciso demonstrar que o segundo empréstimo (crédito de R$ 10.104,04) foi realizado com efetiva e completa informação à consumidora analfabeta e sua filha (que assinou a rogo). Era preciso provar que aquele segundo contrato (com "troco") era realmente vantajoso em termos de taxa (em relação ao contrato que estava sendo renegociado e quitado – nº 587774307). E não se encontrava razão convincente para distinção dos instrumentos, realizando-se um empréstimo distinto de R$ 787,68 (fl. 343). Pedido procedente. VALORES DESCONTADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA CONSUMIDORA. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. COBRANÇA DE MÁ-FÉ CARACTERIZADA. RESTITUIÇÃO DOBRADA. AUTORIZADA COMPENSAÇÃO. A autora teve prejuízo patrimonial por descontos indevidos efetuados no seu benefício previdenciário. O caso é singular. Entendo demonstrada má-fé do banco réu. Não se pode admitir em face do consumidor, mormente os hipervulneráveis (analfabetos) uma conduta comercial violadora da boa-fé. E a realização de dois empréstimos consignados no mesmo ato, repito, deixou escancarada um método comercial sem transparência e informação. Colheu-se uma assinatura da filha da mutuária a rogo numa propositada tentativa de dar legalidade àquela conduta ilegal. Aplicação de jurisprudência fixada na Corte Especial do STJ sobre o assunto (EAREsp XXXXX/RS, EAREsp XXXXX/RS, EAREsp XXXXX/RS, EAREsp XXXXX/RS e EREsp XXXXX/RS precedentes prévios necessários). Os valores creditados na conta corrente da autora deverão ser por ela restituídos (pelos valores históricos - sem qualquer correção ou juros). Considerando-se que houve transferência para conta corrente dos valores R$ 1.983,82 e R$ 787,68 e a necessidade das partes ao estado anterior, fica autorizada compensação. Pedido acolhido. DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO QUALIFICADOS COMO INDEVIDOS. CASO CONCRETO QUE APONTOU PARA EXISTÊNCIA DE CONSEQUÊNCIA EXTRAPATRIMONIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. A autora (consumidora idosa e analfabeta), mesmo acompanhada pela filha (que assinou a rogo) viu-se levada a contratar dois empréstimos consignados. Um deles para quitar um terceiro contrato, mas sem prova pelo banco da vantagem dessa providência para o banco. Aliás, sequer detalhes sobre essa terceira operação (supõe-se mais antiga) foram trazidos aos autos. Para dois empréstimos que somados atingiram R$ 10.000,00, a autora recebeu pouco mais de R$ 2.700,00. Era preciso uma explicação razoável e que o banco réu não logrou apresentar e provar. É grave a afirmação da autora de que o referido contrato continuava a ser cobrado (fl. 405). Nessa quadra, reconhece-se a existência de danos morais passíveis de indenização. A autora experimentou uma violação ao direito básico de informação e viu-se cobrada por contratos de empréstimo consignados sem transparência e prova de correção ou exatidão. Indenização fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Precedentes da Turma julgadora. Pedido acolhido. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DA AUTORA PROVIDO.