JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CONSUMIDOR. CARTÃO DE CRÉDITO. COMPRAS REALIZADAS MEDIANTE FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. ESTORNO DA COBRANÇA INDEVIDA. POSTERIOR COBRANÇA PARCELADA DO VALOR ESTORNADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E NAS INFORMAÇÕES FORNECIDAS À CONSUMIDORA. DESCASO ANTE AS RECLAMAÇÕES. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO. EXTRAPOLAÇÃO DO MERO ABORRECIMENTO. OFENSA AOS ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE CARACTERIZADA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO. PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Gratuidade de justiça deferida, haja vista a hipossuficiência inferida dos documentos apresentados aos autos (ID XXXXX). 2. Trata-se de recurso interposto contra a sentença que julgou parcialmente procedente os pedidos para declarar a inexigibilidade das parcelas do contrato cédula nº 167456040, celebrado entre as partes, e, por conseguinte, condenar o requerido a cessar os descontos e a devolver as parcelas eventualmente descontadas, permitindo-se a compensação de R$ 55,27 (cinquenta e cinco reais e vinte e sete centavos). 3. Nas razões recursais, a autora/recorrente argui nulidade da sentença por ausência de fundamentação relacionada à improcedência da indenização por dano moral. No mérito, alega que, embora a ré tenha cancelado parte das compras realizadas por intermédio de fraude de terceiros, ainda subsiste um lançamento do dia 10/08/2019, no valor de 12 (doze) parcelas de R$ 53,71 (cinquenta e três reais e setenta e um centavos), o qual foi incluído no novo cartão de crédito da demandante, de número final 1126. Requer o cancelamento do referido lançamento inserido no seu novo cartão de crédito e a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral. 4. Inicialmente, rejeita-se a preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação. Conforme as provas dos autos, verifica-se que o Juízo de origem solucionou a lide nos estritos limites subjetivos e objetivos nos quais o conflito de interesses restou proposto. A sentença encontra-se devidamente fundamentada, porquanto examina as questões de fato e de direito debatidos nos autos. Ademais, segundo consta no Enunciado 162 do FONAJE, não se aplica ao Sistema dos Juizados Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 , diante da expressa previsão contida no art. 38 , caput, da Lei 9.099 /95 (XXXVIII Encontro - Belo Horizonte-MG). 5. No mérito, aplicam-se ao caso em comento as regras de proteção do consumidor, inclusive as pertinentes à responsabilidade objetiva na prestação dos serviços, haja vista as partes estarem inseridas nos conceitos de fornecedor e consumidor previstos no Código de Defesa do Consumidor . 6. Aplica-se, ainda, à hipótese em tela o Enunciado n.º 479 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." 7. A contratação fraudulenta com a respectiva cobrança indevida faz incidir sobre a instituição a responsabilização pelo ato, porquanto a fraude cometida por terceiro não pode ser considerada ato isolado e exclusivo do infrator (Art. 14 , § 3º , II do CDC e Súmula 479 do STJ). 8. No caso, a instituição financeira ré estornou as dívidas decorrentes de fraude de terceiro, contudo, acrescentou à fatura da autora o ?Parcelamento Fácil Losango? (ID XXXXX - Pág. 10). 9. Verifica-se que o referido parcelamento de dívida, além de não ter a concordância da consumidora, refere-se à cobrança de valores não devidos, uma vez que a autora logrou comprovar o pagamento de todos os créditos não decorrentes da referida fraude (ID XXXXX - Pág. 5). 10. Nesse contexto, a ré deve ser condenada à obrigação de cancelar a dívida referente ao parcelamento de fatura. 11. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ?a cobrança indevida não acarreta, por si só, dano moral objetivo, in re ipsa, na medida em que não ofende direito da personalidade. A configuração do dano moral dependerá da consideração de peculiaridades do caso concreto, a serem alegadas e comprovadas nos autos?. ( REsp XXXXX/RJ , Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 14/03/2016). 12. Conforme as provas dos autos, a conduta desidiosa da fornecedora dos serviços em dar solução à questão, em tempo e modo condizente com suas possibilidades, mesmo após as diversas tentativas da autora/recorrente em solucionar o problema, como demonstram os 4 (quatro) números de protocolos informados no documento de ID XXXXX - Pág. 12 e a Ocorrência Policial n.º 74.456/2019-1 da Delegacia Eletrônica da Polícia Civil do Distrito Federal, denota situação de extremo desgaste, circunstância que ultrapassa o mero aborrecimento e atinge a esfera pessoal, motivo pelo qual subsidia reparação por dano moral. 13. Com efeito, o dano moral em evidência não decorre apenas do inadimplemento contratual, mas do prejuízo decorrente do esforço e da desnecessária perda de tempo útil empregado pela autora/recorrente, pessoa idosa, para o reconhecimento dos seus direitos (Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor), causando-lhe sofrimento íntimo e transtornos que angustiam e afetam o seu bem-estar, restando caracterizada a ofensa aos direitos de sua personalidade. 14. Na seara da fixação do valor da reparação devida, mister levar em consideração a gravidade do dano, a peculiaridade do lesado, além do porte econômico da lesante. Também não se pode deixar de lado a função pedagógico-reparadora do dano moral consubstanciada em impingir à parte ré uma sanção bastante a fim de que não retorne a praticar os mesmos atos. 15. Destaca-se que na presente demanda a recorrida defendeu a tese de ter estornado todos os débitos decorrentes de fraude de terceiros, sem se atentar para a existência de posterior cobrança de tais valores efetuada por intermédio de parcelamento da fatura. 16. Sopesados todos estes elementos, e, ainda, o fato de se tratar de consumidora idosa, razoável e proporcional arbitrar o valor da indenização no montante correspondente a R$3.000,00 (três mil reais). 17. Destarte, deve ser dado parcialmente provimento ao recurso para acrescentar à condenação da demandada a obrigação de cancelar a cobrança denominada ?p fat ent XXXXX?, lançada com o valor de 12 parcelas de R$53,21 (14634864 - Pág. 3), e dos encargos decorrentes de tal parcelamento, bem como à obrigação de pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de reparação do dano moral, acrescido de juros de 1% ao mês, a partir da citação (art. 405 do CC ), e correção monetária, a contar desta decisão (Súmula 362 do STJ). 18. Recurso conhecido. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Parcialmente provido. Sentença parcialmente reformada nos termos do item anterior. 19. Sem condenação ao pagamento de custas e honorários de sucumbência, ante a ausência de recorrente integralmente vencido (art. 55 , Lei n.º 9.099 /1995). 20. A súmula de julgamento servirá de acórdão, nos termos dos artigos 2º e 46 da Lei n.º 9.099 /95.