TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA PODER JUDICIÁRIO QUINTA TURMA RECURSAL Padre Casimiro Quiroga, SN, Imbuí, Salvador - BA Fone: 71 3372-7460 ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br 5ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO ESTADO DA BAHIA PROCESSO: XXXXX-06.2018.8.05.0080 CLASSE: RECURSO INOMINADO RECORRENTE: EMPRESAS DE TRANSPORTES SANTANA E SÃO PAULO LTDA RECORRIDO: ROQUELINE DAS VIRGENS ALMEIDA JUIZ PROLATOR: JOSEFA CRISTINA TOMAZ MARTINS KUNRATH JUIZ RELATOR: ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA EMENTA RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. VENDA DE PASSAGEM EM DUPLICIDADE, IMPOSSIBILITANDO A VIAGEM DA PARTE AUTORA, POIS SEU ASSENTO JÁ HAVIA SIDO OCUPADO POR TERCEIRO, QUE ADQUIRIU A MESMA POLTRONA. FALTA DE PROVAS CAPAZES DE LEGITIMAR A EXCLUSÃO DO VÍCIO NO FORNECIMENTO DO ÂMBITO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PARTE RECORRENTE. MÁ-PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. MANUTENÇÃO, NOS SEUS PRÓPRIOS TERMOS, DA SENTENÇA QUE CONDENOU A PARTE RÉ POR DANOS MORAIS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Dispensado o relatório, nos termos do artigo 46 da Lei Federal 9.099 /1995. A parte recorrente se insurge contra a sentença de origem, que teve como parte dispositiva (sic): Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido para: I. CONDENAR a requerida a pagar à autora, a título de dano moral, a importância de R$4.000,00 (quatro mil reais), acrescidos de juros de 1% ao mês e correção monetária (INPC) a partir do arbitramento. Para tanto, afirma a ausência de conduta ilícita e de responsabilidade civil pelos fatos narrados, não havendo danos a serem reparados, tendo em vista a regularidade contratual e jurídica da conduta por ela adotada, pois não houve falha na prestação do serviço, mas sim clara falta de atenção da passageira a encontrar a poltrona designada para viajar. Já a parte recorrida defende que adquiriu passagem, no dia 02/01/2018, com origem em Salvador, e destino Feira de Santana, com horário de partida às 16h30, em ônibus da acionada, tendo marcado a poltrona de número 15. Entretanto, aduz ter sido impedida de seguir viagem no horário marcado, uma vez que sua poltrona se encontrava ocupada por terceiros. Afirma que a prática da venda em duplicidade de passagens perpetrada pela ré acarretou em atraso na chegada até o destino final. Por essas razões, ajuizou a presente demanda para requerer a condenação da ré ao pagamento de reparação moral e material. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma. VOTO A sentença recorrida, tendo analisado corretamente os aspectos fundamentais do litígio, merece confirmação integral, não carecendo, assim, de qualquer reparo ou complemento dentro dos limites traçados pelas razões recursais, culminando o julgamento do recurso com a aplicação da regra inserta na parte final do art. 46 da Lei Federal 9.099 /1995, que exclui a necessidade de emissão de novo conteúdo decisório para a solução da lide, ante a integração dos próprios e jurídicos fundamentos da sentença guerreada. A título de ilustração apenas, e para realçar o feliz desfecho encontrado para a contenda no primeiro grau, alonga-se na fundamentação do julgamento, nos seguintes termos. Nos termos da Constituição Federal , ¿a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social¿, observado, dentre outros princípios eleitos pelo legislador constituinte, a defesa do consumidor (art. 170, V). A Carta Magna também ordena que a lei deve reprimir ¿o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros¿ (art. 173, § 4º). Por outro lado, como norma de ordem pública constitucional, o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado com o objetivo precípuo de restabelecer o equilíbrio de direitos e deveres entre o consumidor e o fornecedor nas relações de consumo, pautado nos princípios da boa fé e lealdade. Como direitos básicos do consumidor, o art. 6º , do CDC estabelece ¿a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços¿ (IV); e ¿a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas¿ (V). Também o Código Civil consagra os princípios da probidade e boa-fé não só na conclusão, como também, na execução do contrato (art. 422), impondo, ainda, balizas à liberdade de contratar, a qual será ¿exercida em razão e nos limites da função social do contrato¿ (art. 421). Por fim, o CDC , em seu art. 22 , estabelece que as empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Assim, por força das normas constitucionais citadas e das infraconstitucionais ínsitas no Código de Defesa do Consumidor , bem como por imperativo do próprio Código Civil , ao juiz é permitido atenuar o princípio da força obrigatória do pacto (pacta sunt servanda), subjugando-o pela necessidade de restabelecer o equilíbrio entre as partes quando houver onerosidade excessiva decorrente ou não de fatos supervenientes e, não necessariamente imprevisíveis (rebus sic stantibus), podendo, assim, promover a exclusão das cláusulas e condições que estabeleçam prestações desproporcionais, bem como a revisão das que forem excessivamente onerosas ao consumidor, reconhecendo a abusividade (art. 51 , IV , do CDC ), privilegiando a interpretação que lhe seja mais favorável (art. 47 , CDC ). Igualmente não se deve esquecer, que o art. 6º , da Lei Federal 9.099 /1995, autoriza ao juiz adotar ¿em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum¿. Com isso, munidos desses instrumentos, o julgador tem autorização para promover a readequação de encargos contratuais, quando constatada a violação de quaisquer regras e princípios consagrados pelo legislador. No entanto, as discussões da espécie não podem ficar somente em termos abstratos, sem se ater ao contrato em julgamento. Assim, concentrando-se no contrato firmado entre as partes, investigando-os à luz dos sistemas de proteção ao consumidor aqui lembrados, não restam dúvidas de que, uma vez constatada a conduta lesiva e definida objetivamente pelo julgador, pela experiência comum, a repercussão negativa na esfera do lesado, surge à obrigação de reparar o dano moral. A acionada acabou por afrontar o quanto disposto nos artigos 14 , § 1º , I , e 20 , ambos do CDC . Não há dúvidas que, na hipótese dos autos, o serviço prestado mostrou-se defeituoso, não fornecendo ao consumidor a segurança que dele esperava, mostrando-se ainda mais relevante a inadequação do modo de fornecimento no qual o serviço se deu. Considerando ainda que padeceu a fornecedora de serviços para com a cautela e para com a obrigação anexa decorrente das cláusulas gerais, dentre as quais tem-se que ao fornecedor impõe-se a obrigação de cuidado com o consumidor e o seu patrimônio. Ainda no campo das considerações em torno da contrariedade firmada pela defesa, tem-se a considerar que a relação de consumo é regida pela boa-fé objetiva e pelo equilíbrio da relação contratual, de maneira que não é dado ao fornecedor de serviços exigir do consumidor obrigações excessivamente onerosas e que se encontra destoante da comutatividade inerente a relação negocial. Estas premissas balizam o fato em comento. Quando se trata dos direitos à informação, seja na fase pré-contratual, seja na de contratação, o CDC assegura ao consumidor o acesso às informações corretas, claras, precisas, sobre as características, qualidades, composição, preço, prazo de validade, origem e demais dados dos produtos ou serviços, bem como sobre os riscos que apresentem à sua saúde e segurança (arts. 6º e 31 do CDC ). Mais adiante, no seu art. 39 , o CDC enuncia, de modo exemplificativo, proibições de conduta ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre os quais podem ser colocadas sob relevo: prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor (inciso IV), exigir-lhe vantagem manifestamente excessiva (inciso V). Assim, no sistema do CDC , leis imperativas e alto cunho social, irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que razoavelmente dela se espera, normas que irão proteger também a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado. Busca-se, em última análise, proteger as expectativas legítimas dos consumidores. Ora, cabe ao julgador, com os olhos voltados para a realidade social, utilizar os instrumentos que a lei, em boa hora, colocou a nosso alcance para, seja de maneira preventiva, punitiva ou pedagógica, realizar o ideal de justiça no mercado de consumo. Apesar disso, o Juiz deve basear-se nas provas dos autos, já que conforme o mestre Pontes de Miranda, a falta de resposta pela outra parte estabelece, se as provas dos autos não fazem admitir-se o contrário, a verdade formal da afirmação da parte (in Comentários ao C.P.C. Rio de Janeiro - Ed. Forense, pág. 295). Com isso, uma vez constatada a conduta lesiva e definida objetivamente pelo julgador, pela experiência comum, a repercussão negativa na esfera do lesado, surge à obrigação de reparar o dano moral, sendo prescindível a demonstração do prejuízo concreto. Nestes termos, no mérito recursal, a hipótese é de parcial procedência da irresignação da parte recorrente. Isto porque, da análise das provas produzidas, verifica-se que a parte autora demonstrou a verossimilhança de suas alegações (que houve má-prestação dos serviços contratados entre as partes, tendo em vista a venda de passagem em duplicidade, impossibilitando a viagem da parte autora, pois seu assento já havia sido ocupado por terceiro, que adquiriu a mesma poltrona, causando-lhe prejuízos devidamente respaldados e contabilizados a partir dos fatos e provas processuais, e violando o princípio de proteção da confiança, tendo a parte ré se negado a reparar administrativamente a ilicitude, forçando-a à demanda judicial, pois, da análise dos autos, depreende-se que, com efeito, restou evidenciada a desídia da Financeira ré, sem falar que o depoimento da testemunha arrolada pela autora, realizado no evento processual 11, corrobora as alegações insertas na peça vestibular, de forma que inexistem, nos autos, provas capazes de desfazer a presunção formada a partir dos indícios de verossimilhança trazidos pela parte autora, apesar de toda a capacidade técnica e jurídica da parte ré de produzir a contraprova, e, assim, na situação concreta, a resistência do polo acionado em cumprir as determinações consumeristas se revela como fato do serviço de acordo com o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor , permitindo-se concluir que, em havendo serviço defeituoso, torna-se cabível a compensação por danos morais), enquanto a parte ré falhou em trazer ao processo elementos mínimos de convicção de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do pleito autoral, ou da absoluta impossibilidade de ser responsabilizada pelos danos resultantes da violação a este direito (vez que sua resposta processual não trouxe aos autos fundamentos jurídicos válidos nem para legitimar a falta de diligência no fornecimento dos serviços contratados, configurando o ato ilícito, nem para legitimar a exclusão do evento danoso dos riscos inerentes à atividade exercida, restando caracterizado o fortuito interno, pois a parte acionada se limitou a negar sua responsabilidade pelo evento, sem trazer prova alguma de suas alegações, não tendo, assim, se desincumbido do ônus estabelecido pelo art. 373 , II , do CPC , não logrando comprovar fato extintivo, desconstitutivo ou modificativo dos direitos do autor, sendo que os elementos de convicção por ela colacionados não têm o condão de demonstrar a licitude de seus atos, pois de produção unilateral e fácil manipulação, além do que, poderia ter colacionado indícios certificadores de sua tese de defesa, face à sua capacidade técnica e jurídica, mas se limitou a alegar a regularidade de sua conduta, e, dessa forma, as alegações da parte autora hão de ser tidas como verossímeis, na medida em que não foram elididas por prova idônea, militando em seu favor a inversão do ônus da prova, em face de sua evidente hipossuficiência). Com isso, uma vez constatada a conduta lesiva e definida objetivamente pelo julgador, pela experiência comum, a repercussão negativa na esfera do lesado, surge à obrigação de reparar o dano. O dano moral, na hipótese, encontra previsão no sistema geral de proteção ao consumidor inserto no art. 6º , inciso VI , do CDC , com recepção no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal , e repercussão no art. 186 , do Código Civil , e, sendo o dano eminentemente moral, sem consequência patrimonial, não há como ser provado, nem se investiga a respeito do animus do ofensor. Consistindo em lesão de bem personalíssimo, de caráter subjetivo, satisfaz-se a ordem jurídica com a demonstração do fato que o ensejou. Ele existe simplesmente pela conduta ofensiva, sendo dela presumido, tornando prescindível a demonstração do prejuízo concreto. Na situação em exame, a parte autora não precisava fazer prova da ocorrência efetiva dos danos morais relacionados aos fatos apurados. Os danos dessa natureza se presumem pelo descaso do fornecedor envolvido em solucionar o problema, não havendo como negar que ela se desgastou emocionalmente, sofrendo frustração, angústia e aborrecimento na busca de uma solução sem êxito administrativo, tendo a esfera íntima agredida ante a atividade negligente do fornecedor. Assim, torna-se inafastável o reconhecimento da responsabilidade civil da parte ré, em todos os efeitos declarados na sentença impugnada, inclusive de ofensa ao patrimônio moral da parte autora, cuja incidência se dá in re ipsa em casos como este, limitada apenas pelo postulado da proporcionalidade. Quanto ao valor da reparação, não se distanciando muito das lições jurisprudenciais, deve ser prestigiado o arbitramento do juiz de primeiro grau que, próximo dos fatos, pautado pelo bom senso e atentando para o binômio razoabilidade e proporcionalidade, estabelece quantia que traz compensação indireta ao sofrimento do ofendido e inibe a reiteração do evento ilícito pelo ofensor. In casu, o Juízo a quo respeitou as balizas assinaladas acima, tendo fixado indenização em valor moderado, que, assim, não caracteriza enriquecimento sem causa da parte autora, e não provoca abalo financeiro à parte ré, face ao seu potencial econômico. Por isso, voto por CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, para MANTER a sentença impugnada, por seus próprios fundamentos, e nos seus próprios termos. À parte ré, integralmente vencida, impõe-se a condenação ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 20% (vinte por cento) do valor pecuniário imposto à CONDENAÇÃO, atentando, especialmente, para a natureza, a importância econômica da ação, e o trabalho da profissional que defendeu os interesses da parte recorrida. Salvador, Sala das Sessões, em 18 de dezembro de 2018. ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA Relatoria COJE ¿ COORDENAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS TURMAS RECURSAIS CÍVEIS E CRIMINAIS PROCESSO: XXXXX-06.2018.8.05.0080 CLASSE: RECURSO INOMINADO RECORRENTE: EMPRESAS DE TRANSPORTES SANTANA E SÃO PAULO LTDA RECORRIDO: ROQUELINE DAS VIRGENS ALMEIDA JUIZ PROLATOR: JOSEFA CRISTINA TOMAZ MARTINS KUNRATH JUIZ RELATOR: ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA EMENTA RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. VENDA DE PASSAGEM EM DUPLICIDADE, IMPOSSIBILITANDO A VIAGEM DA PARTE AUTORA, POIS SEU ASSENTO JÁ HAVIA SIDO OCUPADO POR TERCEIRO, QUE ADQUIRIU A MESMA POLTRONA. FALTA DE PROVAS CAPAZES DE LEGITIMAR A EXCLUSÃO DO VÍCIO NO FORNECIMENTO DO ÂMBITO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PARTE RECORRENTE. MÁ-PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. MANUTENÇÃO, NOS SEUS PRÓPRIOS TERMOS, DA SENTENÇA QUE CONDENOU A PARTE RÉ POR DANOS MORAIS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. ACÓRDÃO Realizado o Julgamento pela 5ª TURMA RECURSAL CÍVEL, CONSUMIDOR, TRÂNSITO E CRIMINAL, composta dos Juízes de Direito ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA, MARIAH MEIRELLES DE FONSECA e ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA decidiu-se, à unanimidade de votos, por CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, para MANTER a sentença impugnada, por seus próprios fundamentos, e nos seus próprios termos. À parte ré, integralmente vencida, impõe-se a condenação ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 20% (vinte por cento) do valor pecuniário imposto à CONDENAÇÃO, atentando, especialmente, para a natureza, a importância econômica da ação, e o trabalho da profissional que defendeu os interesses da parte recorrida. Salvador, Sala das Sessões, em 18 de dezembro de 2018. ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA Relatoria e Presidência