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17 de Junho de 2024

Artigo: Os sem cérebro - Luiz Garcia

Publicado por OAB - Rio de Janeiro
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Os sem cérebro

Luiz Garcia*

Um feto sem cérebro não sobrevive; quase sempre morre umas poucas horas depois do parto. No Brasil, e, com certeza, na maioria dos países razoavelmente civilizados, o aborto nesses casos é quase sempre autorizado pela Justiça, mesmo que a anencefalia não esteja na relação de abortos justificados pelo Código Penal.

A questão está para ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal, e o resultado é duvidoso. Sete anos atrás, uma liminar do ministro Março Aurélio Mello, a favor do aborto, foi derrubada por sete votos contra quatro. Hoje, a interrupção da gravidez tem, se vale o precedente, quatro votos garantidos contra três. Os entendidos em STF não arriscam previsão sobre a posição dos outros quatro.

Seja qual for a decisão da Justiça, a questão pode ter uma utilidade: a difusão de informações sobre a anencefalia. Ela ocorre em um caso por mil, e não representa risco para a saúde da mãe. Sua causa é desconhecida, mas alguns especialistas sustentam que a ingestão de ácido fólico durante a gravidez pode evitar cerca de metade dos casos. Se houver o diagnóstico, um juiz pode autorizar o aborto. Os fetos, que não têm calota craniana, visão ou audição, vivem por pouco tempo: cerca de 25% morrem no parto, metade resiste de alguns minutos a uma hora e 25% resistem alguns dias.

Num quadro como esse, que não inclui a mais remota possibilidade de sobrevivência e no qual o sofrimento da mãe é o que se pode imaginar, fica difícil concordar com quem não inclui a anencefalia na curta lista de motivos aceitáveis para o aborto. O Código Penal o permite quando houve estupro ou existe risco de vida para a mãe. Não custa lembrar, a propósito, que o filho nascido de um estupro pode ser uma pessoa inteiramente normal. E que o direito da mãe ao aborto não costuma fazer qualquer diferença para o criminoso autor da violência contra ela.

Enquanto o STF não chega a uma decisão sobre o direito ao aborto dos fetos sem cérebro e sem futuro, juízes e tribunais estaduais têm decidido por conta própria - e na maioria dos casos o aborto é permitido. Inclusive com um argumento pelo menos curioso: o de que a Constituição assegura o direito à vida dos recém-nascidos, o que os fetos ainda não são.

Parece ser um sofisma com boa causa, o que não diminui a necessidade de uma decisão definitiva do mais alto tribunal do país.

Luiz Garcia é jornalista.

Artigo publicado no jornal O Globo, 28 de junho de 2011.

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