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5 de Maio de 2024

Ausência de defesa preliminar do art. 514 do CPP: nulidade absoluta (novo entendimento do STF)

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Como citar este artigo: DONATI, Patricia; GOMES, Luiz Flávio; PARRA, Daniella. Ausência de defesa preliminar do art. 514 do CPP : nulidade absoluta (novo entendimento do STF) . Disponível em http://www.lfg.com.br. 24 de março de 2009.

"A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 96.058) a um servidor público acusado dos crimes de peculato e extorsão, que teriam sido praticados em concurso material e de agentes. O motivo da concessão foi o impedimento de o acusado exercer o seu direito de ampla defesa ainda na primeira instância, quando deixou de ser intimado a prestar seus argumentos sobre a denúncia. Por unanimidade, o colegiado do Supremo anulou a ação penal desde o início para garantir ao servidor o direito de apresentar defesa preliminar antes do recebimento da denúncia. Segundo o advogado que defende o servidor, houve tentativas - ainda na primeira instância - da não convocação da defesa a ser ouvida. Contudo, a denúncia acabou por ser feita apenas com base no inquérito policial e em informações da instrução, o que, no entendimento do Supremo, não substitui o direito à defesa e ao contraditório" (STF, rel. Min. Eros Grau, j. 17.03.09).

Comentários: mais uma vez foi julgada pelo STF a prescindibilidade (ou não) da notificação do funcionário público antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa, nos termos do art. 514 do CPP (Código de Processo Penal).

O tema, diante da polêmica que o envolve, foi sumulado pelo STJ. Trata-se da súmula de nº. 30 , segundo a qual "é desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 , do Código de Processo Penal , na ação penal instruída por inquérito policial".

Nos diversos julgados que originaram a referida súmula o STJ decidiu que: 1º) a resposta preliminar do art. 514 do CPP é desnecessária quando a ação penal estiver instruída com inquérito policial, sendo necessária apenas nos casos em que a denúncia basear-se, simplesmente, em documentos ou justificação oferecidos com a representação [2] ; 2º) a falta de notificação do acusado para apresentação da resposta preliminar enseja apenas nulidade relativa, dependente, portanto, de argüição em momento oportuno e de demonstração de efetivo prejuízo para o acusado (nesse sentido: REsp 106.491/PR , j. 10.03.97, DJ 19.05.97; Resp 203.256/SP , j. 13.03.02, DJ 05.08.02, 5ª Turma.; HC 28.814/SP , j. 26.05.04, DJ 01.07.04, 6ª Turma; HC 34.704/RJ , j. 28.09.04, DJ 01.02.05, 6ª Turma; Resp 174.290/RJ , j. 13.09.05, DJ 03.10.05, 6ª Turma; Resp 594.051/RJ , DJ 20.06.05, 5ª Turma; HC 29.574/PB , j. 17.02.04, DJ 22.03.04, 5ª Turma).

Ressalte-se que o STF, identicamente ao STJ, também entendia, até a presente decisão, proferida pela Segunda Turma, dispensável a defesa preliminar do art. 514 do CPP quando a denúncia estivesse instruída com inquérito policial, e que a falta dela enseja apenas nulidade relativa. A propósito:

"A inobservância ao disposto no artigo 514 do CPP , para configurar nulidade, exige o protesto oportuno e a demonstração de prejuízo daí decorrente quando a acusação está supedaneada em inquérito (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso)" (Resp. 481.974/RJ, DJ de 20.10.2003 e ainda STF, RTJ 110/601)[3].

E ainda:

"Habeas Corpus - crime funcional afiançável - denúncia oferecida com fundamento em inquérito policial - ausência de notificação prévia (CPP , art. 514)- nulidade processual inocorrente - pedido indeferido - Revela-se indispensável a notificação prévia, para efeito de defesa preliminar (CPP , art. 514) nos casos em que a denúncia é apresentada com base em inquérito policial. Doutrina. Precedentes". (HC n. 85.560/SP , j. 13.06.06, 2ª Turma).

Data maxima venia, a verdadeira finalidade do procedimento especial contemplado no CPP , arts. 513 e ss., é a de aferir a regularidade do exercício da ação penal, que deve contar com plausibilidade jurídica. Essa regularidade poderia (e pode) ser averiguada pelo juiz de oficio, mas de qualquer modo, em se tratando de crimes funcionais afiançáveis, entendeu por bem o legislador estabelecer uma fase contraditória antes do recebimento da peça acusatória. O descumprimento dessa regra procedimental, que compõe o devido processo, conduz inexoravelmente à nulidade do processo. O fundamento dado pelo STJ, destarte, é utilitarista, contraria o texto legal e suprime direito fundamental do acusado, a fim de atender a interesses do Estado-Justiça em não anular processos inteiros nos quais foi descumprida a fase do art. 514 do CPP (que integra o devido processo criminal regente).

Ressalte-se que os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral (art. , LV , da CF/88). Assim, embora na fase do art. 514 do CPP ainda não tenha havido o recebimento da denúncia, já há acusação formal, e, portanto, já há o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Como se vê, a falta da resposta escrita no procedimento dos delitos funcionais afiançáveis acarreta, de uma só vez, ofensa ao devido processo criminal, ao contraditório e à ampla defesa (que, aliás, deixa de ser ampla se o funcionário não puder exercitar um ato de defesa expressamente previsto no procedimento legal).

Nessa linha, outra não poderia ser a nossa conclusão: a defesa inserta no artigo 514 do CPP não é dispensável e passível de acarretar mera nulidade relativa, mas ao contrário, é ato de defesa obrigatório do procedimento dos delitos funcionais, cuja inobservância acarreta irregularidade processual e constitucional, ensejando, conseqüentemente, nulidade absoluta, por ofensa aos princípios constitucionais citados.

E, sendo nulidade absoluta, independe de comprovação de prejuízo para o acusado, devendo ser decretada de ofício pelo juiz ou tribunal, ou argüida pela defesa em qualquer fase processual ou grau de jurisdição, não havendo preclusão nessa questão.

Esse é o nosso entendimento e, com grande sabedoria, a nova posição consagrada pela Segunda Turma do STF.

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