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3 de Maio de 2024

Conjunção carnal sem violência com adolescente de catorze anos de idade: atipicidade

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LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadores: Patricia Donati e Danilo Fernandes.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. FERNANDES, Danilo. Conjunção carnal sem violência com adolescente de catorze anos de idade: atipicidade. Disponível em http://www.lfg.com.br 04 junho. 2009.

O sujeito mantém relação sexual com uma adolescente, de catorze anos de idade, com o seu consentimento (ou seja: sem violência ou grave ameaça). Comprova-se, ademais, que essa adolescente já tinha larga experiência sexual anterior. Os fatos que acabam de ser narrados são típicos?

Respostas possíveis, dentre outras:

Respostas orientativas extraídas do REsp 1.107.009-PR ( Quinta Turma, STJ)

a) não, porque a presunção de violência noCódigo Penall refere-se a menores de catorze anos (CP , art. 224 , "a');

Assertiva verdadeira

b) sim, porque o consentimento da vítima com catorze anos de idade não tem validade;

Assertiva falsa

c) não, porque o delito de corrupção de menores pressupõe uma vítima não corrompida;

Assertiva verdadeira

d) sim, porque não importa a vida passada da vítima no delito de corrupção de menores.

Assertiva falsa

Decisão da Quinta Turma do STJ: M ENOR. CONJUNÇÃO CARNAL. CORRUPÇÃO. A conduta do recorrido que praticou ato libidinoso consistente em conjunção carnal com vítima de 14 anos não se adequa ao delito tipificado no art. 213 do CP , pois houve consentimento daquela. Do mesmo modo não se amolda ao delito previsto no art. 218 do CP (corrupção de menor); pois, conforme o acórdão recorrido, soberano na análise do confronto fático-probatório, a vítima já teria, anteriormente, mantido relações sexuais com outras pessoas. Assim, conforme precedente da Turma, a anterior inocência moral do menor se presume iuris tantum como pressuposto fático do tipo. Quem já foi corrompido não pode ser vítima do delito sob exame. Precedente citado : REsp 822.977-RJ , DJ 12/11/2007. REsp 1.107.009-PR , Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/6/2009.

Comentários: correto o posicionamento da decisão no que diz respeito ao delito de estupro, ou seja, a presunção de violência prevista no Código Penal só vale para menores de catorze anos (CP , art. 224 , a). Quando a vítima já completou catorze anos, não há que se falar em presunção de violência. De outro lado, seu consentimento, a partir dessa idade (consoante o CP) já tem validade.

Pela letra do Código Penal , de modo algum o menor de 14 anos pode consentir validamente. O Código, datado de 1940, presume que na hipótese de estupro ou atentado violento ao pudor, a violência é absoluta, ou seja, independe do consentimento da vitima. Mas, na verdade, essa presunção absoluta não tem mais valor jurídico, adotando-se hoje (como no julgado), a presunção relativa (iuris tantum), que diz respeito ao consenso ou não da vítima para caracterização do crime.

Tendo havido consentimento válido, nada há de anormal na conjunção carnal. De delito de estupro não se pode falar. O que se pode questionar é se esse consentimento só seria válido a partir dos catorze anos ou a partir dos doze anos, por força do ECA . Como se sabe, até doze anos temos uma criança (o consentimento dela não vale). A partir dos doze anos temos um adoslecente (para nós o consentimento dele vale). Há um descompasso entre o CP e o ECA .(14 anos) (12 anos)

De 1990 para ca , com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que distinguiu a criança do adolescente (até 12 anos criança, entre 12 e 18 adolescente), o adolescente (pela lei) passou a tem certa capacidade de compreensão, sujeitando-se a sanções por atos infracionais, evidentemente, nunca idêntica à de um adulto, mas entendendo ter ele (o adolescente) certa capacidade motivacional. Ora, se o menor adolescente, pela lei, dentro de certos limites, é encarado como capaz de compreender o sentido ético do seu ato infracional, não há como excluir do mesmo a capacidade de compreensão os atos sexuais. Tudo depende, sempre, da análise do caso concreto.

Mas no caso real decidido pelo STJ (Quinta Turma) a adolescente já tinha catorze anos (na época dos fatos). Logo, seu consentimento foi válido. Estupro não houve.

Também acertado foi o entendimento da decisão no que diz respeito ao delito de corrupção de menores, previsto no art. 218 do CP . Esse delito pressupõe uma vítima não corrompida. Em outras palavras: pessoa já corrompida não pode ser vítima do crime. O que se visa a proteger é o adequado desenvolvimento moral e sexual da vítima. Se ela já conta com larga experiência sexual, não há o que se proteger (desaparece o bem jurídico).

A mídia divulgou amplamente o protesto da Unicef em relação a essa decisão do STJ. É importante essa preocupação com a violência contra as crianças e adolescentes (do mundo inteiro). O Brasil realmente já subscreveu vários documentos internacionais nesse sentido. Temos mesmo que censurar e considerar abominável a exploração sexual do menor. Essa é uma política importante. Os valores republicanos (respeito à dignidade humana, respeito aos menores, livre determinação sexual de cada um etc.) nos orientam nesse rumo. Do ponto de vista macro está correta a posição da Unicef. Mas concretamente o juiz julga o fato com base no ordenamento jurídico vigente. Quando se trata de uma pessoa já bastante experiente na área sexual, não há como vislusbrar a ocorrência do delito do art. 218, que pressupõe uma pessoa não corrompida. O crime consiste em corromper ou facilitar a corrupção de vítima com idade entre 14 e 18 anos, com ela praticando atos de libidinagem ou induzindo-a a praticá-los ou presenciá-los. O bem tutelado pela norma incriminadora é o adequado desenvolvimento sexual da vítima. De acordo com o entendimento firmado pelo Min. Felix Fischer, como a menor já havia mantido relações sexuais com outras pessoas, não haveria de se falar em corrupção de menor. Tratar-se-ia, assim, de pessoa já moralmente corrompida.

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