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30 de Abril de 2024

Contra a intolerância religiosa - Wadih Damous

Publicado por OAB - Rio de Janeiro
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Um Estado laico é o único que pode garantir efetivamente a plena liberdade religiosa. Qualquer definição diferente do caráter do Estado quanto à religião põe em risco a liberdade de culto de uma ou outra crença.

O próprio Código Penal brasileiro é sensível a essa questão, tipificando como conduta criminosa, em seu artigo 208, "escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso".

Pois, semana passada, veio do Judiciário um exemplo flagrante de discriminação religiosa. Diante de vídeos postados no YouTube em que evangélicos pentecostais estimulam atos de violência contra praticantes de cultos de matriz africana, corno a umbanda e o candomblé, o Ministério Público recorreu à Justiça Federal, solicitando sua retirada da internet.

Para perplexidade geral, o juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17 a Vara Federal do Rio, não aceitou o pedido, argumentando que "manifestações religiosas afro-brasileiras não constituem religião e que não há crime se não há religião ofendida". Para fundamentar sua esdrúxula tese, afirma que a umbanda e o candomblé não contêm traços necessários de uma religião, quais sejam: um texto sagrado como fundamento e a veneração a uma só divindade suprema, além de uma estrutura hierárquica.

O juiz ignora o fato de que religiões de matriz africana são fundadas nos princípios da transmissão oral do conhecimento. Com isso, alinha-se tardiamente, de forma lamentável e preconceituosa, aos colonizadores europeus na afirmação de que os indígenas que ocupavam as terras das Américas e o povos africanos não tinham fé.

O Ministério Público recorreu da decisão judicial. Esperamos que ela seja reformada.

Não é pouco o que está em jogo.

A intolerância religiosa já causou inumeráveis sofrimentos e mortes na história da Humanidade. Num momento em que até concessões de TV servem para a divulgação de preconceitos contra religiões diferentes - num claro atentado à Constituição - e que o fundamentalismo religioso ocupa espaços no próprio aparelho do Estado, é crucial que a decisão seja reformada.

E que esses fatos sirvam de alerta para que a escalada fundamentalista seja contida em nossa sociedade.

Por fim, não se pode deixar de registrar algo grave: há traços de racismo na perseguição às religiões de matriz afro-brasileira. Eis aí mais uma razão para se criticar a absurda decisão da Justiça Federal.

Wadih Damous é presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio.

Morte do coronel: continua o mistério

Decididamente, é estranho o comportamento da polícia a respeito de tudo o que cerca a morte do coronel Paulo Malhães, assassino e torturador confesso de presos políticos durante a ditadura militar. Semana passada, a polícia informou a prisão de mais dois supostos participantes do roubo na casa de Malhães, mas os mantém incomunicáveis. O caseiro, preso antes, desmentiu para representantes do Senado e da Comissão da Verdade do Rio que tivesse confessado o crime - ao contrário do que informara a polícia. Por que tanto mistério? Por que não dizer claramente o que foi apurado? São muitos os mistérios que cercam o caso.

Como se explica que a notícia do crime tenha aparecido no site mantido pela esposa do coronel Brilhante Ustra antes de ser postada nos portais da grande imprensa?

Por que bandidos comuns da periferia da Nova Iguaçu teriam usado luvas cirúrgicas, de modo a não deixar impressões digitais? Por que teriam retirado o disco rígido de um computador?

Por que, uma vez na casa, esperaram a chegada do coronel, se o objetivo era apenas roubar objetos? Por que ficaram trancados com o coronel num cômodo durante horas, antes de irem embora?

São perguntas que não querem calar.

Artigo publicado no Jornal do Commercio.

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