Depois de reviravolta no Senado, a LGPD entra em vigor - e o governo publica o decreto da ANPD
Com uma tramitação longa e um dos maiores períodos de adaptação da história, a Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor
Há algum tempo atrás, escrevi sobre as reviravoltas da definição da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados.
Naquele momento, o plenário da Câmara dos Deputados havia acabado de divulgar um parecer que se mostrava favorável a barrar o dispositivo da MP 959/20 que versava sobre o adiamento da vigência da LGPD.
Fato é que esse dispositivo parece descontextualizado da Medida Provisória como um todo, que trata da operacionalização do pagamento do benefício emergencial.
Mas existia uma movimentação por parte do governo para manter o dispositivo e, após negociações com a Câmara, acabou por se chegar a um acordo pela reformulação do artigo 4º da MP 959, estabelecendo que a vigência da LGPD teria início no dia 1º de janeiro de 2021, ao invés da data em maio prevista anteriormente.
Então a vigência da LGPD fica pro ano que vem?
Na verdade não. Quando se trata de LGPD, as coisas não costumam ser tão óbvias assim...
Após a modificação do dispositivo, o texto final foi encaminhado para a aprovação no Senado, que teria um dia para se pronunciar. Grande parte dos especialistas que acompanhavam essa movimentação estivessem confiantes de que o Senado apenas ratificaria as mudanças.
No entanto, Davi Alcolumbre, no exercício de sua função como presidente do Senado, estabeleceu que a matéria do artigo 4º da MP 959 teria sido prejudicada, uma vez que o tema já teria sido discutido exaustivamente pelo Plenário.
Prejudicado? Como assim?
No meu outro texto, falei sobre como a vigência da LGPD tem sido alterada sistematicamente e como era incerto o futuro daqueles que têm de se adequar para conformidade com a lei.
Em linhas gerais, esse tema já foi debatido:
- Nas discussões que precederam a promulgação da lei, em consultas públicas e espaços multissetoriais (que iniciaram em 2010)
- Na tramitação da lei nas casas legislativas (entre 2016 e 2018)
- Na edição da MP 959/2020
- Na elaboração do Regime Jurídico Emergencial e Transitório (Lei 1.410/20)
- Na discussão sobre a conversão da MP 959 em Lei
Acontece que, ao discutir o Regime Emergencial Transitório, o debate apartou duas questões: i) a vigência da lei e; ii) a aplicabilidade das sanções previstas nela.
Entendeu-se que a postergação da vigência poderia abrir brecha para que o governo implemente uma postura de proteção de dados ainda mais negligente do que a que já estava sendo implementada.
A aplicação das multas, entretanto, deveria ser postergada, devido às externalidades negativas da pandemia na nossa economia.
Vale lembrar que o governo teve dois anos para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (órgão que fiscaliza, aplica e regula a LGPD), e não tinha o feito ainda.
Então, Alcolumbre entendeu que, por conta do próprio Regimento Interno do Senado, a matéria já teria sido apreciada em outra oportunidade e, portanto, prejudicada.
Então a LGPD já está valendo?
Em nota, o Senado Federal esclareceu que, por mais que tenha sido considerada prejudicada a matéria do artigo 4º da MP 959, o texto final deve ser ainda encaminhado para sanção ou veto da Presidência da República.
Independentemente do resultado (sanção ou veto), o dispositivo não vai integrar a Lei fruto da Medida Provisória. Entretanto, até essa definição, a LGPD ainda não entra em vigor. O artigo ou MP devolvida ou retirado seria o mesmo que uma rejeição no ponto específico.
Na visão do governo, que manteve contatos com a Mesa do Senado, a lei entrará em vigor após a sanção ou veto da MP, mas possui efeitos retroativos ao dia 16 de agosto.
Ou seja, com esse entendimento, na prática, as disposições da LGPD possuem efeito retroativo até o dia 16 de agosto de 2020.
E a ANDP?
Em meio a toda essa movimentação pela vigência da LGPD, o governo editou o Decreto 10.474/20, aprovando a estrutura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
O órgão terá as funções de uma agência reguladora:
- editar regulamentos e procedimentos sobre proteção de dados pessoais e privacidade
- fiscalizar e aplicar sanções na hipótese de tratamento de dados realizado em descumprimento à legislação
- deliberar, na esfera administrativa, em caráter terminativo, sobre a Lei nº 13.709, de 2018
O decreto foi publicado hoje e ainda é cedo para saber como se comportará a Autoridade - o que vai depender muito da sua composição.
Mas uma coisa é certa: se antes havia alguma dúvida sobre a urgência da adequação à LGPD, agora essa urgência é certa.