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17 de Maio de 2024

Entenda o que está em jogo (e as polêmicas) com a PEC que limita o gasto público

Publicado por Camila Vaz
há 8 anos
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Nesta semana, o plenário da Câmara deve votar a Proposta de Emenda Constitucional 241, principal aposta do governo Michel Temer para colocar as contas públicas em ordem. A medida, que estabelece um teto para o crescimento das despesas, está causando polêmica por congelar os gastos durante vinte anos e alterar o financiamento da saúde e da educação no Brasil.

De um lado, a PEC é considerada necessária para reduzir a dívida pública do país - que está em 70% do PIB (soma das riquezas produzidas) - e tirá-lo da crise fiscal. Do outro, é vista como muito rígida e criticada por, em tese, ameaçar direitos sociais.

Afinal, o que está em jogo com a aprovação do texto?

A BBC Brasil ouviu economistas para explicar o que diz a proposta e quais são seus pontos mais debatidos.

O que diz a PEC?

A PEC 241 fixa para os três poderes - além do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União - um limite anual de despesas.

Segundo o texto, o teto será válido por vinte anos a partir de 2017 e consiste no valor gasto no ano anterior corrigido pela inflação acumulada nesses doze meses. A inflação, medida pelo indicador IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), é a desvalorização do dinheiro, quanto ele perde poder de compra num determinado período.

Dessa forma, a despesa permitida em 2017 será a de 2016 mais a porcentagem que a inflação "tirou" da moeda naquele ano. Na prática, a PEC congela as despesas, porque o poder de compra do montante será sempre o mesmo.

Caso o teto não seja cumprido, há oito sanções que podem ser aplicadas ao governo, inclusive a proibição de aumento real para o salário mínimo.

Mais do que colocar as contas em ordem, o objetivo da PEC, segundo mencionado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, seria reconquistar a confiança dos investidores. A aposta da equipe econômica é que a medida passe credibilidade e seja um fator importante para a volta dos investimentos no Brasil, favorecendo seu crescimento.

O teto ameaça saúde e educação?

Um dos principais questionamentos é que, ao congelar os gastos, o texto paralisa também os valores repassados às áreas de saúde e educação, além do aplicado em políticas sociais. Para esses setores, a regra começa a valer em 2018, usando o parâmetro de 2017. A mudança foi incluída no relatório feito pelo deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator da proposta na comissão especial da Câmara.

Segundo os críticos, tais restrições prejudicariam a qualidade e o alcance da educação e da saúde no país. Hoje, os gastos com esses segmentos podem crescer todo ano. As despesas com saúde, por exemplo, receberam um tratamento diferenciado na Constituição de 1988, a fim de que ficassem protegidas das decisões de diferentes governos.

A regra que vale hoje é que uma porcentagem mínima (e progressiva) da Receita Corrente Líquida da União deve ir para a saúde. Essa porcentagem, de 13,2% neste ano, chegaria a 15% em 2020. Como a expectativa é de que a receita cresça, o valor repassado também aumentaria. No relatório da PEC, esses 15% foram adiantados para 2017 e então ficariam congelados pelo restante dos 20 anos.

Para o professor de economia da Unicamp Pedro Rossi, essas mudanças afetam sobretudo os mais pobres.

"A população pobre, que depende mais da seguridade social, da saúde, da educação, vai ser prejudicada. A PEC é o plano de desmonte do gasto social. Vamos ter que reduzir brutalmente os serviços sociais, o que vai jogar o Brasil numa permanente desigualdade."

Rossi diz que a medida não faz parte de um sistema de ajuste fiscal, mas de um projeto de país no qual o governo banca menos as necessidades da população.

Além disso, argumenta a professora da PUC-SP Cristina Helena de Mello, é inadequado colocar um teto para os gastos com saúde, porque não dá para prever como os atendimentos vão crescer.

"Você pode ter movimentos migratórios intensos, aumento da violência e das emergências, aumento dos nascimentos. Vai ter hospital superlotado, com dificuldade para atender."

Segundo a professora, com a PEC, o acesso das próximas gerações a esses serviços públicos fica comprometido: "estamos prejudicando vidas inteiras"

"Muitas pessoas nesse debate não enxergam o dilema real: se não contermos a crise agora, a inflação vai aumentar muito."

Ela diz que o país está à beira de uma crise fiscal. Se o governo não consegue aumentar a receita para pagar os juros de sua dívida nem cortar gastos, explica Battisti, ele precisa pressionar o Banco Central a imprimir mais dinheiro - e a inflação sobe.

De acordo com a professora, o tamanho do prejuízo na saúde e na educação vai depender de como os cortes serão feitos. Se eles atacarem a máquina burocrática, e não as escolas, podem ser menos danosos. O importante, diz, é preservar a ponta: a sala de aula.

O que preocupa Battisti é o perfil dos cortes feitos até agora pelo governo Temer, como os critérios mais rígidos para conseguir o seguro-desemprego.

"Na minha percepção, os congelamentos que estão acontecendo atingem as transferências para a população, como o seguro-desemprego, e não os gastos correntes, como os salários de funcionários públicos. Isso é muito ruim, porque as pessoas precisam dessa garantia para pagar seus compromissos. É uma coisa que numa economia avançada seria impensável."

No entanto, há quem acredite que os cortes serão feitos da forma correta, melhorando a gestão dessas áreas.

O professor de Economia do Insper João Luiz Mascolo afirma que é não é uma questão de quantidade de dinheiro, mas de colocá-lo no lugar certo. Para ele, não faltam recursos, falta boa administração.

O coro é engrossado pelo economista Raul Velloso, para quem "o Brasil sempre gasta mais do que precisa".

"A gente tem muita gordura no gasto. Se queimar essa gordura, está de bom tamanho. E estamos partindo de uma base que não é assim tão pequena. Numa situação tão complicada, crescer pela inflação, variável constante, não é uma coisa tão apertada."

Ele argumenta que, no relatório apresentado à comissão especial da Câmara, saúde e educação receberam um tratamento especial, com o teto valendo a partir de 2018. Isso daria uma "folga inicial" na aplicação da regra.

Mesmo se o dinheiro for insuficiente em algum ponto, Velloso e Mascolo dizem que valores podem ser retirados de outros setores para cobrir essas necessidades. Além disso, afirmam, o período de dez anos - depois do qual o presidente pode propor mudança no formato da correção - não seria assim tão longo.

"As pessoas esquecem é que o gasto (afetado) é global. A mensagem central é que o gasto total da união não cresça mais do que a inflação. É uma tentativa de organizar as contas. Tem a possibilidade de alterar em dez anos. É um sinal de que vão conseguir retomar o controle da dívida em uma década".

Vinte anos é um bom prazo?

Outro ponto de discussão é a duração da PEC. Para uns, ela é uma medida muito rígida para durar tanto tempo, e deveria ser flexível para se adaptar às mudanças do país. Para outros, um período tão extenso passa a mensagem de que o Brasil está comprometido com o equilíbrio das contas.

A professora Cristina de Mello, da PUC-SP, faz parte do primeiro grupo. Ela diz que, se houver uma queda abrupta da arrecadação, por exemplo, a dívida aumentaria, porque os gastos serão congelados em um patamar alto.

Segundo Mello, o argumento de que uma medida de longo prazo passa mais credibilidade é falacioso. Isso porque, se antes do prazo de dez anos, o governo precisar mexer em alguma regra, a PEC gerará desconfiança.

"Se daqui a alguns anos, for necessário fazer um gasto maior e mudar o índice de inflação por outro mais confortável, vai haver descrença. Por que escolheram esse critério e não outro? Pode haver maquiagem de dados."

Ela afirma que o texto é também uma estratégia para não ter que aprovar o orçamento no Congresso todos os anos, como acontece hoje.

"Imagina se tiver uma catástrofe, uma epidemia de zika, que vai exigir gastos maiores. A sociedade vai pressionar o governo e ele vai se resguardar no teto, podendo cortar outras coisas. É uma estratégia de negociação."

"Você pode ter movimentos migratórios intensos, aumento da violência e das emergências, aumento dos nascimentos. Vai ter hospital superlotado, com dificuldade para atender."

Segundo a professora, com a PEC, o acesso das próximas gerações a esses serviços públicos fica comprometido: "estamos prejudicando vidas inteiras"

"Muitas pessoas nesse debate não enxergam o dilema real: se não contermos a crise agora, a inflação vai aumentar muito."

Ela diz que o país está à beira de uma crise fiscal. Se o governo não consegue aumentar a receita para pagar os juros de sua dívida nem cortar gastos, explica Battisti, ele precisa pressionar o Banco Central a imprimir mais dinheiro - e a inflação sobe.

De acordo com a professora, o tamanho do prejuízo na saúde e na educação vai depender de como os cortes serão feitos. Se eles atacarem a máquina burocrática, e não as escolas, podem ser menos danosos. O importante, diz, é preservar a ponta: a sala de aula.

O que preocupa Battisti é o perfil dos cortes feitos até agora pelo governo Temer, como os critérios mais rígidos para conseguir o seguro-desemprego.

"Na minha percepção, os congelamentos que estão acontecendo atingem as transferências para a população, como o seguro-desemprego, e não os gastos correntes, como os salários de funcionários públicos. Isso é muito ruim, porque as pessoas precisam dessa garantia para pagar seus compromissos. É uma coisa que numa economia avançada seria impensável."

No entanto, há quem acredite que os cortes serão feitos da forma correta, melhorando a gestão dessas áreas.

O professor de Economia do Insper João Luiz Mascolo afirma que é não é uma questão de quantidade de dinheiro, mas de colocá-lo no lugar certo. Para ele, não faltam recursos, falta boa administração.

O coro é engrossado pelo economista Raul Velloso, para quem "o Brasil sempre gasta mais do que precisa".

"A gente tem muita gordura no gasto. Se queimar essa gordura, está de bom tamanho. E estamos partindo de uma base que não é assim tão pequena. Numa situação tão complicada, crescer pela inflação, variável constante, não é uma coisa tão apertada."

Ele argumenta que, no relatório apresentado à comissão especial da Câmara, saúde e educação receberam um tratamento especial, com o teto valendo a partir de 2018. Isso daria uma "folga inicial" na aplicação da regra.

Mesmo se o dinheiro for insuficiente em algum ponto, Velloso e Mascolo dizem que valores podem ser retirados de outros setores para cobrir essas necessidades. Além disso, afirmam, o período de dez anos - depois do qual o presidente pode propor mudança no formato da correção - não seria assim tão longo.

"As pessoas esquecem é que o gasto (afetado) é global. A mensagem central é que o gasto total da união não cresça mais do que a inflação. É uma tentativa de organizar as contas. Tem a possibilidade de alterar em dez anos. É um sinal de que vão conseguir retomar o controle da dívida em uma década".

Vinte anos é um bom prazo?

Outro ponto de discussão é a duração da PEC. Para uns, ela é uma medida muito rígida para durar tanto tempo, e deveria ser flexível para se adaptar às mudanças do país. Para outros, um período tão extenso passa a mensagem de que o Brasil está comprometido com o equilíbrio das contas.

A professora Cristina de Mello, da PUC-SP, faz parte do primeiro grupo. Ela diz que, se houver uma queda abrupta da arrecadação, por exemplo, a dívida aumentaria, porque os gastos serão congelados em um patamar alto.

Segundo Mello, o argumento de que uma medida de longo prazo passa mais credibilidade é falacioso. Isso porque, se antes do prazo de dez anos, o governo precisar mexer em alguma regra, a PEC gerará desconfiança.

"Se daqui a alguns anos, for necessário fazer um gasto maior e mudar o índice de inflação por outro mais confortável, vai haver descrença. Por que escolheram esse critério e não outro? Pode haver maquiagem de dados."

Ela afirma que o texto é também uma estratégia para não ter que aprovar o orçamento no Congresso todos os anos, como acontece hoje.

"Imagina se tiver uma catástrofe, uma epidemia de zika, que vai exigir gastos maiores. A sociedade vai pressionar o governo e ele vai se resguardar no teto, podendo cortar outras coisas. É uma estratégia de negociação."

Fonte: BBC

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