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17 de Maio de 2024

Impossibilidade da legalização da maconha

Escrito por Fernando Capez

há 15 anos
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Tema bastante polêmico e que tem gerado ampla discussão no meio acadêmico e social reside na busca de alternativas viáveis para o combate ao tráfico e consumo de drogas, por força do fracasso na atual política nacional e internacional de prevenção e repressão a esses dois grandes males que assolam a nossa sociedade neste milênio e que vêm assumindo proporções devastadoras.

Algumas soluções são propostas para debelar o problema, dentre elas, a descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, em especial, da maconha, sob o argumento de que o usuário deve ser tratado e não apenado, tal como ocorre com os dependentes de álcool e tabaco.

Frise-se, no entanto, que nossa legislação não pune aquele que consome substância entorpecente, devendo tal questão ser analisada com maior reflexão, à luz do que dispõe a Lei n. 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas. O art. 28 dessa Lei prevê que

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo , para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I advertência sobre os efeitos das drogas; II prestação de serviços à comunidade; III medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.(destacamos).

Como se percebe, em momento algum, a Lei criminaliza a conduta de usar a droga, mas tão somente a detenção ou manutenção da mesma para consumo pessoal. Tutela-se, aqui, o interesse da coletividade, muito mais que o do próprio usuário, pois o que se pretende coibir é o perigo de circulação da substância, resultante de sua aquisição, depósito ou manutenção pelo agente. A Lei não incrimina o uso, porque o bem jurídico aqui violado é exclusivamente a saúde do próprio consumidor da droga, e nosso ordenamento jurídico não admite que alguém receba uma punição criminal por ter unicamente feito mal a si mesmo. Trata-se do princípio constitucional da alteridade ou transcendentalidade, segundo o qual nenhuma lei pode punir alguém por fazer mal à própria saúde. O Direito Penal só pode tutelar bens jurídicos de terceiros, jamais punir o indivíduo que agride a si próprio. Dessa maneira, o que se quer evitar é o perigo social que representa a detenção ilegal da substância, ainda que para consumo pessoal, ante a possibilidade de circulação da mesma, com a sua conseqüente disseminação.

Note-se que, muito embora não haja mais qualquer possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade para aquele que pratique uma das condutas do art. 28, o fato continuou a ter natureza de crime. Sobre o tema, a 1ª Turma do STF já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não houve abolitio criminis , mas apenas despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade (STF, 1ª Turma, RE 430105 QO/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13/02/2007, DJ 27/04/2007, p. 00069).

Pretende-se, agora, que as condutas previstas no art. 28 da Lei deixem de ser consideradas ilícitas.

Ocorre que a descriminalização, ao contrário do que se pensa, surtirá o efeito deletério de estimular o consumo de drogas e o narcotráfico.

Não podemos esquecer que o Direito Penal assume importante papel de estimular ou desestimular comportamentos sociais, de forma que, no instante em que o mesmo deixa de considerar crime a posse de drogas para consumo pessoal, muitos se sentirão à vontade para experimentar a substância e a tornarem-se usuários/dependentes, levando, portanto, o indivíduo a uma postura individualista, com grave perigo social. Quem lucrará com isso? A sociedade? Claro que não. Quem sairá ganhando, fatalmente, será a rede mundial de traficantes, que forma a base da criminalidade organizada.

Muito embora se afirme que o objetivo da descriminalização é o de tratar, e não punir o usuário de droga, é bom que se tenha presente que a Lei n. 11.343/2006 não impôs qualquer pena privativa de liberdade àquele que adquire ou possui substância entorpecente e, além disso, trouxe um amplo programa de prevenção e combate ao consumo de drogas.

Além do que, quando se assevera que o usuário deve ser tratado e não apenado, encara-se o problema de uma forma isolada, esquecendo-se que o que se tutela não é somente a saúde daquele, mas justamente a proteção da saúde coletiva. Trata-se de um bem maior que extrapola a esfera individual do cidadão.

Aliás, a questão da descriminalização ou não da posse de substância entorpecente não pode mais nem ser analisada apenas sob o enfoque da saúde do usuário, por envolver questões muito mais abrangentes e complexas, dado o impacto que tal medida poderá gerar no meio social, econômico etc. Basta que se tenha presente que, quanto maior o número de usuários, maiores serão os gastos do sistema público de saúde; maiores serão os crimes perpetrados para angariar dinheiro para a compra da droga; e maior será o poder das organizações criminosas.

Desse modo, a descriminalização não resolve o problema do consumo de drogas, nem elimina o narcotráfico.

Num País como o Brasil, em que é patente a sua deficiência na formação educacional, moral e religiosa, de suas crianças e adolescentes, fica difícil sustentar a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal, em especial da maconha, pois, com isso, o Estado estará tornando ainda mais fácil o acesso da juventude a uma substância que, ao lado do álcool, como é cediço, traz efeitos nefastos à saúde.

Quando se fala em descriminalização, pensa-se, de forma individual, na figura do usuário e esquece-se dos motivos sociais que levam à proibição legal, como a proteção da saúde e da segurança pública.

Mencione-se que há, ainda, aqueles que defendem que, ao lado da descriminalização das condutas previstas no art. 28 da Lei, também deve ser operada a legalização da droga, em especial da maconha. Com essa medida, viabilizar-se-ia a venda lícita da substância entorpecente, estrangulando a grande fonte de renda das organizações criminosas que é o narcotráfico.

Sucede que, toda política em relação a qualquer substância danosa à saúde, lícita ou ilícita, deve priorizar a redução do seu consumo. Muito embora o Estado permita a aquisição de bebidas alcoólicas e tabaco, percebe-se o crescimento de toda uma política que progride no sentido da intolerância a tais drogas lícitas (por exemplo: Lei anti-fumo).

Levando-se, ainda, em conta que a venda legal não impediu o comércio de bebidas e cigarros falsificados, bem como o seu contrabando, quem garante que, com a legalização, o narcotráfico não será mantido paralelamente?

Por todos esses motivos, o consumo e o tráfico de drogas são os dois grandes males que desafiam a nossa sociedade, mas que não podem ser debelados com a descriminalização das condutas previstas no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 ou com a legalização da maconha, assumindo, pelo contrário, o Direito Penal, com o seu aparato, importante papel de nortear os comportamentos sociais e desestimular as condutas danosas à coletividade.

Fernando Capez (www.fernandocapez.com.br) Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de várias obras jurídicas.

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