Lições de dignidade à toga
Por João Thomas Luchsinger,defensor público federal no Amazonas.
O falecimento do aposentado ministro do STF Maurício Corrêa traz à memória episódio que demonstra bem a grandeza do caráter e a independência do magistrado, decidindo de acordo com sua formação e convicção.
Eram os idos de 1997 e há quase dois anos eu e outros colegas da DPU postulávamos a aplicação dos princípios da Lei nº 9.099/95 (que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais) ao direito militar. Alguns juízes auditores já comungavam de nossas ideias. Poucos, mas alguns.
O Superior Tribunal Militar já vinha decidindo contrariamente à tese da defesa, não aplicando a suspensão condicional do processo, dentre outras possibilidades, aos acusados no foro militar, ou reformando as decisões favoráveis.
A Justiça Militar Estadual, a partir de decisões do STJ, já vinha aplicando as medidas sem traumas.
Batemos no STF.
Um dos habeas corpus foi distribuído ao ministro Maurício Corrêa. Era um processo difícil: uma acusação de prática de ato libidinoso homossexual num quartel. E mais, era um capitão que se relacionava com soldados da sub unidade que comandava. Desnecessárias maiores considerações.
O capitão já havia sido condenado e tramitava a apelação. O utilíssimo habeas corpus permitiu chegar logo ao STF.
Pelas particularidades da situação imagino as pressões exercidas sobre o ministro e demais integrantes da 2ª Turma. Mas decidiu ele, acompanhado pelos demais membros do colegiado:
EMENTA: HABEAS-CORPUS. PEDERASTIA. APLICAÇÃO, NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR, DO BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95: SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO OU SURSIS PROCESSUAL.
1. Crime de pederastia ou outro ato de libidinagem praticado em horário de serviço e em área sujeita à administração militar.
2. O benefício da suspensão condicional do processo, ou sursis processual, previsto no art. 89 da Lei nº 9.099/95, aplica-se aos processos sujeitos à Justiça Militar. Precedentes.
3. Como norma de direito intertemporal, essa transação no juízo criminal aplica-se aos processos em andamento, em qualquer momento posterior à denúncia e anterior à sentença. Precedente.
4. A Lei nº 9.099, segundo seu art. 96, passou a ter eficácia 60 dias após a sua vigência (DJU de 27.09.95), ou seja, em 26.11.95, portanto, antes da sentença condenatória, datada de 30.11.95.
5. Habeas-corpus conhecido e deferido, com extensão dos seus efeitos aos corréus.
O processo retornou à primeira instância onde só restou proclamar a extinção da punibilidade pela prescrição, para os soldados e o capitão.
Fica a homenagem deste defensor público, que sempre rememora tais lições de dignidade à toga nas aulas da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas.
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