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30 de Abril de 2024

O que prevalece para a caracaterização da paternidade: vínculo biológico ou socioafetivo?

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DECISAO

Em pedido de desconstituição de paternidade, vínculo socioafetivo prevalece sobre verdade biológica

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de anulação de registro civil de XXXXX, formulado sob a alegação de que o reconhecimento da paternidade deu-se por erro essencial. Os ministros entenderam que admitir, no caso, a prevalência do vínculo biológico sobre o afetivo, quando aquele se mostrou sem influência para o reconhecimento voluntário da paternidade, seria, por via transversa, permitir a revogação do estado de filiação. A decisão foi unânime.

No caso, XXXXX propôs a ação negatória de paternidade cumulada com retificação do registro civil tendo por propósito a desconstituição do vínculo de paternidade em relação a YYYYY. Segundo ele, o reconhecimento da paternidade aconteceu diante da pressão psicológica exercida pela mãe do então menor.

Ainda de acordo com a defesa de XXXXX, após aproximadamente 22 anos do nascimento é que YYYYY foi registrado. Porém, por remanescer dúvidas quanto à paternidade, o pai procedeu a um exame de DNA que revelou não ser ele o pai biológico, razão pela qual pediu a anulação do registro.

Na contestação, YYYYY sustentou que o vínculo afetivo, baseado no suporte emocional, financeiro e educacional a ele conferido, estabelecido em data há muito anterior ao próprio registro, deve prevalecer sobre o vínculo biológico. Refutou, também, a alegação de que XXXXX teria incorrido em erro essencial, na medida em que levou aproximadamente 22 anos para reconhecer a filiação, não havendo falar em pressão psicológica exercida por sua mãe.

Em primeira instância, o pedido foi negado. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul manteve a sentença considerando que, se o genitor após um grande lapso temporal, entre o nascimento do filho e o reconhecimento da paternidade, entendeu por bem reconhecer a paternidade, esse ato é irrevogável e irretratável, pois deve prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica.

No STJ, XXXXX. afirmou que a verdade fictícia não pode prevalecer sobre a verdade real, na medida em que há provas nos autos do processo (exame de DNA) de que não é o pai biológico.

Para o relator do processo, ministro Massami Uyeda, a ausência de vínculo biológico entre o pai registral e o filho registrado, por si só, não tem, como quer fazer crer XXXXX, o condão de taxar de nulidade a filiação constante no registro civil, principalmente se existente, entre aqueles, liame de afetividade.

O ministro destacou que a alegada dúvida sobre a verdade biológica, ainda que não absolutamente dissipada, mostrou-se irrelevante para que XXXXX, incentivado, segundo relata, pela própria família, procedesse ao reconhecimento de YYYYY como sendo seu filho, oportunidade em que o vínculo afetivo há muito encontrava-se estabelecido.

NOTAS DA REDAÇAO

O caso em tela toma por base o reconhecimento do vínculo socioafetivo em detrimento do biológico.

O conceito socioafetivo de família, em que a família é moldada consoante o parâmetro da afetividade, é novo.

No Brasil em um primeiro momento tinha-se a paternidade como um resultado da lei, denominada legal ou jurídica, calcada em uma presunção de ser filho do marido, aquele concebido por sua esposa:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Com o surgimento do exame de DNA, embora ainda prevista em lei a referida presunção, a mesma já não goza de tanto prestígio, compreendendo-se na acepção de pai, aquele reconhecido como doador do material genético pela ciência, denominando-se esta, como fase da paternidade científica ou biológica.

Em uma linha evolutiva, nos dias de hoje, passou-se a admitir a paternidade do coração, ou paternidade/maternidade de criação também denominada socioafetiva, assim entendida como aquela construída ao longo dos anos, e calcada em valores e sentimentos.

Tese esta construída à luz do princípio da afetividade, e como decorrência da desbiologização do Direito de Família sustenta o reconhecimento oficial do vínculo da filiação com base em valores e sentimentos construídos ao longo do tempo, afinal não seria razoável desconsiderar um vínculo que transcende a razão humana e que é pautado em uma relação construída ao longo dos anos.

Segundo este entendimento, ser genitor não é o mesmo que ser pai. O ideal seria que se unissem na mesma pessoa, mas em não sendo possível, os juízes não poderiam ser meros homologadores de laudo de DNA.

Outro fator a ser apreciado é o de que para o ordenamento jurídico brasileiro o registro de reconhecimento da paternidade é irrevogável (art. 1609 e 1610, CC), justamente por tratar-se de ato voluntário, ou do contrário ter-se-ia insegurança quanto aos atos registrários.

Assim a decisão surge da soma da natureza jurídica do ato do registro, e de seu fundamento lastreado na socioafetividade.

EMENTA: FILIAÇAO. ANULAÇAO OU REFORMA DE REGISTRO. FILHOS HAVIDOS ANTES DO CASAMENTO, REGISTRADOS PELO PAI COMO SE FOSSE DE SUA MULHER. SITUAÇAO DE FATO CONSOLIDADA HÁ MAIS DE QUARENTA ANOS, COM O ASSENTIMENTO TÁCITO DO CÔNJUGE FALECIDO, QUE SEMPRE OS TRATOU COMO FILHOS, E DOS IRMAOS. FUNDAMENTO DE FATO CONSTANTE DO ACÓRDAO, SUFICIENTE, POR SI SÓ, A JUSTIFICAR A MANUTENÇAO DO JULGADO.

- Acórdão que, a par de reputar existente no caso uma adoção simulada, reporta-se à situação de fato ocorrente na família e na sociedade, consolidada há mais de quarenta anos. Status de filhos. Fundamento de fato, por si só suficiente, a justificar a manutenção do julgado. Recurso especial não conhecido. (RESP Nº 119.346 GO, REL. MINISTRO BARROS MONTEIRO)

Entretanto, não nos furtamos a considerar que a matéria não é pacífica nos tribunais, tendo em vista que o próprio tribunal já julgou em sentido contrário, o que significaria concordar com a tese de XXXXX, valorizando tão somente a apreciação da ausência de vínculo biológico, fundada apenas no exame de DNA positivo ou negativo, corroborando com a tese da paternidade científica ou biológica.

EMENTA: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇAO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA.

- Tem-se como perfeitamente demonstrado o vício de consentimento a que foi levado a incorrer o suposto pai, quando induzido a erro ao proceder ao registro da criança, acreditando se tratar de filho biológico. (RESP Nº 878.954 RS, REL: MINISTRA NANCY ANDRIGHI)

- A realização do exame pelo método DNA a comprovar cientificamente a inexistência do vínculo genético, confere ao marido a possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido com vício de consentimento.

- A regra expressa no art. 1.601 do CC/02, estabelece a imprescritibilidade da ação do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, para afastar a presunção da paternidade.

- Não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA.

- E mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança que deve nortear a condução do processo em que se discute de um lado o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação, verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menor socorre o direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade, para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado de filiação e das conseqüências, inclusive materiais, daí advindas. Recurso especial conhecido e provido.

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