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5 de Maio de 2024

STJ - Transexual pode alterar prenome e gênero no registro civil mesmo sem fazer a cirurgia de transgenitalização?

Publicado por Flávia Ortega Kluska
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O direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização.

Trata-se de novidade porque, anteriormente, a jurisprudência exigia a realização da cirurgia de transgenitalização.

Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/5/2017 (Info 608).

Transexual é o indivíduo que possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a transexualide é um transtorno de identidade de gênero. A identidade de gênero é o gênero como a pessoa se enxerga (como homem ou mulher).

Assim, em simples palavras, o transexual tem uma identidade de gênero (sexo psicológico) diferente do sexo físico, o que lhe causa intenso sofrimento.

Existem algumas formas de acompanhamento médico oferecidas ao transexual, dentre elas a cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização), que pode ocorrer tanto para redesignação do sexo masculino em feminino, como o inverso. A cirurgia para a transformação do sexo masculino em feminino é chamada de “neocolpovulvoplastia” e consiste, na maioria dos casos, na retirada dos testículos e a construção de uma vagina (neovagina), utilizando-se a pele do pênis ou de parte da mucosa do intestino grosso.

O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1652/2002-CFM regulamentando os requisitos e protocolos médicos necessários para a realização da cirurgia de transgenitalização. Importante, ainda, esclarecer que transexual não é o mesmo que homossexual ou travesti. A definição de cada uma dessas terminologias ainda está em construção, sendo ponto polêmico, mas em simples palavras, a homossexualidade (não se fala homossexualismo) está ligada à orientação sexual, ou seja, a pessoa tem atração emocional, afetiva ou sexual por pessoas do mesmo gênero. O homossexual não possui nenhuma incongruência de identidade de gênero.

A travesti (sempre utiliza-se o artigo no feminino), por sua vez, “são pessoas que, independente de orientação sexual, aceitam o seu sexo biológico, mas se vestem, assumem e se identificam como do gênero oposto. Não sentem repulsa por sua genitália, como ocorre com os transexuais. Por isso não perseguem a redesignação cirúrgica dos órgãos sexuais, até porque encontram gratificação sexual com o seu sexo” (DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os direitos LGBTI. 6ª ed. São Paulo: RT, 2014, p. 42).

Se o transexual faz a cirurgia de transgenitalização, ele poderá alterar o prenome e o sexo/gênero nos assentos do registro civil?

SIM. Essa possibilidade já foi reconhecida há muitos anos pelo STJ:

(...) A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive. (...) STJ. 4ª Turma. REsp 737.993/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/11/2009.

Sendo realizada a retificação do registro, os documentos serão alterados e neles não constará nenhuma menção quanto à troca do sexo. Vale ressaltar, no entanto, que essa informação deverá ficar averbada nos livros de registro.

E se ainda não foi feita a cirurgia?

Imagine a seguinte situação hipotética: Mário, pessoa maior de idade que se identifica como transexual mulher, ajuizou ação de retificação de registro de nascimento para troca do prenome e do sexo masculino para o feminino. Na inicial, narrou que, desde tenra idade, embora nascida com a genitália masculina e nesse gênero registrada, sempre demonstrara atitudes de criança do sexo feminino. Afirmou que foi diagnosticada como portadora de "transtorno de identidade de gênero". Mário já fez diversos tratamentos hormonais, mas nunca realizou a cirurgia de transgenitalização. Alegou que sofre muitos transtornos porque sua aparência física atual é feminina, mas os dados que constam em seus documentos são masculinos (nome e sexo). Na ação, Mário pediu para que seu prenome seja alterado para Mariana e seu sexo para feminino. Contudo, o empecilho que encontrou foi pelo fato de que não fez a cirurgia de transgenitalização nem deseja realizar.

A questão jurídica enfrentada, portanto, pelo STJ foi a seguinte:

é possível que o transexual altere seu nome e o gênero no assento de registro civil mesmo que não queira fazer a cirurgia de transgenitalização? SIM. O STJ decidiu que:

O direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização. STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/5/2017 (Info 608).

A segurança jurídica que os registros públicos buscam proteger deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico constitucional.

Assim, em atenção à cláusula geral de dignidade da pessoa humana, deve-se autorizar a retificação do sexo do indivíduo transexual no registro civil, independentemente da realização da cirurgia de adequação sexual, desde que dos autos se extraia a comprovação da alteração no mundo fenomênico, ou seja, se na prática a pessoa já está fisicamente de acordo com o gênero para o qual deseja mudar seus documentos.

O STJ entendeu que deveria evoluir e dar um passo além para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem indevida intromissão estatal), ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (proteção das escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (eliminação de desigualdades fáticas que venham a colocá-los em situação de inferioridade), à saúde (garantia do bem-estar biopsicofísico) e à felicidade (bem-estar geral).

Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais, conclui-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitos inatingível do ponto de vista financeiro ou mesmo inviável do ponto de vista médico.

Fonte: dizer o direito.

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