DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514 , 1.521 , 1.523 , 1.535 e1. 565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 . INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA AQUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃOIMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃOPRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ EDA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direitoinfraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evoluçãodo direito privado, vigorante a fase histórica daconstitucionalização do direito civil, não é possível ao STJanalisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a ConstituiçãoFederal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direitodesatualizado e sem lastro na Lei Maior . Vale dizer, o SuperiorTribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direitoinfraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação quenão seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n.132/RJ e da ADI n. 4.277/DF , conferiu ao art. 1.723 do Código Civilde 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todosignificado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública eduradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar,entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase dodireito de família e, consequentemente, do casamento, baseada naadoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjosmultifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleodoméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especialproteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve umarecepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempreconsiderado como via única para a constituição de família e, porvezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios daigualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepçãoconstitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com osdiplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque pluraistambém são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, odestinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediáriode um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em suainalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição -explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quantodo STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas porpares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, secomparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casaisheteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essasfamílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção doEstado", e é tão somente em razão desse desígnio de especialproteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável emcasamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estadomelhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pelaqual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os"arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna , não há de sernegada essa via a nenhuma família que por ela optar,independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez queas famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmosnúcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos,quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a serdiferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vidaindependente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito àigualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direitoà diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea comum ordenamento constitucional que prevê o princípio do livreplanejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar,nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logohaja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituirfamília, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia amplaliberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do CódigoCivil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas domesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita aocasamento homoafetivo sem afronta a caros princípiosconstitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o dadignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamentofamiliar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria,mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo"democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoriapela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, emregra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce umpapel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância,exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, masapenas com a lei e com a Constituição , sempre em vista a proteçãodos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejamdas maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, ademocracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma degoverno, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume,explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional dedefesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o PoderJudiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita deum Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que talpredicativo resista a uma mínima investigação acerca dauniversalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido.