STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX RJ XXXX/XXXXX-5
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRENO DE MARINHA. ILHA DA MARAMBAIA. COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBOS. DECRETO N.º 4.887 , DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, E ART. 68 DO ADCT. 1. A Constituição de 1998, ao consagrar o Estado Democrático de Direito em seu art. 1º como cláusula imodificável, fê-lo no afã de tutelar as garantias individuais e sociais dos cidadãos, através de um governo justo e que propicie uma sociedade igualitária, sem nenhuma distinção de sexo, raça, cor, credo ou classe social. 2. Essa novel ordem constitucional, sob o prismado dos direitos humanos, assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos a titulação definitiva de imóvel sobre o qual mantém posse de boa-fé há mais de 150 (cento e cinquenta) anos, consoante expressamente previsto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 3. A sentença proferida no bojo da Ação Civil Pública n.º 2002.51.11.000118-2, pelo Juízo da Vara Federal de Angra dos Reis/RJ (Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário, de 29 de março de 2007, páginas 71/74), reconheceu a comunidade de Ilhéus da Marambaia/RJ como comunidade remanescente de quilombos, de sorte que não há nenhum óbice para a titulação requerida. 4. Advirta-se que a posse dos remanescentes das comunidades dos quilombos é justa e de boa fé. Nesse sentido, conforme consta dos fundamentos do provimento supra, a Fundação Cultural Palmares, antiga responsável pela identificação do grupo, remeteu ao juízo prolator do decisum em comento relatório técno-científico contendo [...] "todo o histórico relativo à titularidade da Ilha de Marambaia, cujo primeiro registro de propriedade fora operado em 1856, junto ao Registro de Terras da Paróquia de Itacuruçá, em nome do Comendador Joaquim José de Souza Breves, que instalou no local um entreposto do tráfico negreiro, de modo que, ao passar para o domínio da União, afetado ao uso especial pela Marinha, em 1906, já era habitado por remanescentes de escravos, criando comunidade com características étnico-culturais próprias, capazes de inserí-los no conceito fixado pelo artigo 2º do indigitado Decreto 4.887 /03". 5. A equivocada valoração jurídica do fato probando permite ao STJ sindicar a respeito de fato notório, máxime no caso sub examinem, porque o contexto histórico-cultural subjacente ao thema iudicandum permeia a alegação do recorre de verossimilhança. 6. Os quilombolas tem direito à posse das áreas ocupadas pelos seus ancestrais até a titulação definitiva, razão pela qual a ação de reintegração de posse movida pela União não há de prosperar, sob pena de por em risco a continuidade dessa etnia, com todas as suas tradições e culturas. O que, em último, conspira contra pacto constitucional de 1988 que assegura uma sociedade justa, solidária e com diversidade étnica. 7. Recurso especial conhecido e provido.