Trata-se de ação que visa a indenização por danos morais em que o AUTOR relata que foi privado de assistir ao nascimento da filha, ficando a segunda autora desacompanhada na hora do parto da filha em comum do casal. Os autores afirmam que a primeira autora deu entrada no dia 17/04/2020, sendo o parto realizado no dia 17/04, às 9:44 da manhã e alta no dia seguinte. No momento em que chegou ao Hospital com sua esposa, permaneceu quando possível em todos os momentos ao seu lado e de sua filha que estava para nascer, porém quando chegou a hora mais esperada o mesmo fora impedido de acompanhar o momento do parto com a justificativa de que, ainda sendo pai da criança, por conta da pandemia do COVID-19 o mesmo deveria permanecer do lado de fora. A primeira autora assevera que estava passando por problemas psicológicos e emocionais que a fizerem por ordem médica, conforme consta no laudo em anexo, se afastar de seu trabalhando, o que de fato demonstra uma vulnerabilidade maior da Autora neste momento, necessitando de cuidados e um amparo, enfatizando o acompanhamento e seu marido. As alegações do RÉU são que: i) no período do ocorrido havia um momento de notória ascensão da Pandemia da COVID-19, ii) que cumpriu seu papel e que o evento fazia parte de uma política sanitária para contenção da propagação do vírus. iii) que o parto foi normal, o que a impediu a tomada de medidas preventivas. iv) que adiu em prol da criança e da parturiente. No recurso ajuizado, o RÉU requer que esta Egrégia Turma reveja a decisão imposta pelo juízo sentenciante de indenização por dano moral no valor de R$20.000,00, sendo R$10.000,00 para cada autor. É o relato do necessário. Passo ao voto. Trata-se de um caso concreto complexo, e que envolve aspectos que ultrapassam o Ordenamento Jurídico. O momento do nascimento de um filho é um evento único e revestido de grandes emoções, e que ao longo de séculos de existência da humanidade transforma a vida daqueles que empreendem nesse projeto. Primeiro, há que se colocar a condição do ser humano, suas expectativas, anseios, liberdades e escolhas. Durante o período, desde o nascimento até a morte, a vida de cada indivíduo contribui para a sociedade. Não se pode negar que o desenvolvimento comum tem forte impacto sobre as relações humanas, e que as normas e regras são estabelecidas em momento posterior a esse amadurecimento que chamamos de sociedade. Antes da organização vem a existência, e após a organização, os princípios. Esses princípios que são tão valorizados e concretos atualmente já foram a essência de um momento anterior a construção das normas, que para a sociedade ocidental foi nomeado primeiramente como Jusnaturalismo. O Direito Natural do Ser Humano que segundo Hobbes seria a liberdade que toda pessoa tem de utilizar o arbítrio para a conservação da sua natureza, isto é, fazer qualquer coisa que segundo o próprio juízo e razão considere meio idônea para lograr uma finalidade. Por meio desta chamada lei natural, acreditava-se que o ser humano possuía a essência de uma moral que advinha do prévio conhecimento acerca do certo e do errado. Os tempos foram mudando, novos pensadores foram surgindo, e chegou-se finalmente ao nosso complexo Ordenamento Jurídico. Durante a consolidação das ideias advindas do momento positivista, acreditou-se que as normas deveriam ser meramente cumpridas, como um reflexo dos anseios de uma sociedade que se reflete constantemente na elaboração de normas e regras, teoria que foi se desconstruindo ao longo da segunda metade do século 20, onde houve um reconhecimento do Princípio da Dignidade Humana como um dos mais fundamentais a serem preservados na sociedade. Esse princípio de inegável relevância figura expressamente em nossa Carta Constitucional no Art. 1º, inciso III, e deve ordenar a hermenêutica de todos os Operadores do Direito. Quando ao conhecimento sobre como lidar com a Pandemia naquela ocasião, esta Turma Reconhece as dificuldades enfrentadas pela classe médica no combate à propagação do vírus e exalta a resiliência dos profissionais de saúde, entretanto, o julgamento adotado na ocasião foi equivocado e descabido, pois o conceito de assepsia, de preparação sala estéril e medidas de segurança não foram no sentido de para fora para dentro dos hospitais, e sim de dentro para fora, onde o comportamento do cidadão comum precisou assemelhar-se a procedimentos corriqueiros para profissionais de saúde em seu ambiente de trabalho. Por outro lado, como bem salientado pela juíza sentenciante, "Vale dizer, que não havia qualquer motivo para a proibição ante ao disposto na Resolução n.º 36/2008 da ANVISA, que assegura à parturiente o direito à presença de um acompanhante de sua livre escolha, no momento do nascimento, mesmo nas clínicas privadas, devendo ser ressaltado que o plano de contingência da atenção primária à saúde para o coronavírus no Estado do Rio de Janeiro não veta a presença do acompanhante, consoante entendimento contido na Nota Técnica n.º 6/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS do Ministério da Saúde." Se, de um lado, temos que observar de forma minuciosa e concreta as determinações das autoridades sanitárias a fim de evitar maior contaminação pela COVID-19, de outro não podemos afastar ou simplesmente negar os direitos individuais dos quais os indivíduos são titulares. A Lei 11.108 /2005, chamada de "Lei do Acompanhante" inseriu o art. 19-J na Lei 8.080 /90 para garantir o direito da gestante a ter um acompanhante, de sua livre escolha, nos procedimentos relativos ao parto. Colaciono: Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. § 1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. § 2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo. A despeito de tal legislação ser aplicável ao Sistema Único de Saúde - SUS, nada impede que seja igualmente aplicável aos serviços particulares, na forma do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei Nº 4.657 /1942 com a redação dada pela Lei 12.376 , de 2010): Art. 4º: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Neste mesmo sentido é a Resolução nº 36, de 3 de junho de 2008 da ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre regulamento técnico para funcionamento dos serviços de atenção obstétrica e neonatal, confirma tal direito concedido às gestantes, em diversas oportunidades, sendo algumas delas: 3.4 Humanização da atenção e gestão da saúde: valorização da dimensão subjetiva e social, em todas as práticas de atenção e de gestão da saúde, fortalecendo o compromisso com os direitos do cidadão, destacando se o respeito às questões de gênero, etnia, raça, orientação sexual e às populações específicas, garantindo o acesso dos usuários às informações sobre saúde, inclusive sobre os profissionais que cuidam de sua saúde, respeitando o direito a acompanhamento de pessoas de sua rede social (de livre escolha), e a valorização do trabalho e dos trabalhadores. 9. PROCESSOS OPERACIONAIS ASSISTENCIAIS - 9.1 O Serviço deve permitir a presença de acompanhante de livre escolha da mulher no acolhimento, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. A própria Organização Mundial de Saúde - OMS, ao tratar sobre o direito das gestantes em tempos de pandemia, afirmou que o direito a um acompanhante deve ser garantido às parturientes: Todas as mulheres grávidas, incluindo aquelas com infecção confirmada ou suspeita por COVID-19, têm direito a cuidados de alta qualidade antes, durante e após o parto. Isso inclui cuidados de saúde pré-natal, recém-nascido, pós-natal, intraparto e saúde mental. Uma experiência de parto segura e positiva inclui: Ser tratado com respeito e dignidade; Ter um acompanhante de escolha presente durante o parto; Comunicação clara pela equipe de maternidade; Estratégias apropriadas de alívio da dor: Mobilidade no trabalho, sempre que possível, e posição de nascimento de sua escolha. Se houver suspeita ou confirmação de COVID-19, os profissionais de saúde devem tomar todas as precauções apropriadas para reduzir os riscos de infecção para si e para outras pessoas, incluindo a higiene das mãos e o uso apropriado de roupas de proteção, como luvas, bata e máscara médica. (https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub/qadetail/qaon-covid-19-pregnancy-and-childbirth) Por outro lado, como apontado acima, indeferir tal requerimento andaria na contramão da dignidade da pessoa humana da parturiente, um dos pilares fundamentais da República (art. 1º, III; CRFB/88). Por fim, imperioso apontar que a Lei Federal nº 13.979 , de 6 de fevereiro de 2020, que "dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019" não afastou tal direito à parturiente. Há que se reconhecer no processo o fato notório que ao logo dos anos, a taxa de fecundidade dos casais reduziu significativamente, e que dados atuais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) se reporta para anos posteriores a 2007 uma taxa inferior a dois filhos por casal, o que reforça intrinsecamente ao fato narrado uma perda irreparável para uma vida inteira. Também há que se acrescentar que no campo da individualidade, o genitor, apesar de acompanhar o processo de gestação da genitora, apenas conheceria sua filha pela primeira vez pessoalmente no momento do nascimento. E por último, lei 11.108 /2005 garante direito a gestante de ter seu acompanhante, e a menos o Genitor apresentasse sintomas explícitos de estar com Covid-19 (o que não foi o caso de acordo página 12 do presente recurso), ou testasse positivo para o vírus SARS-Cov-2, ou pertencesse a algum tipo de grupo de risco, a mera suposição não poderia suprimir o direito individual do autor alegando o interesse da coletividade. Também se acrescenta que naquele momento já havia a experiência da utilização de máscaras e o dispositivo de proteção facial - faceshield - bem como a utilização de álcool gel ou 70% para assepsia. Desta forma, ainda que se tratasse de parto normal, o hospital recorrente poderia ter adotado medidas para aferição de temperatura, teste rápido para covid-19, exame laboratorial, etc. Assim, o dano moral, in casu, se dá in re ipsa, visto que frustrada a legítima expectativa do autor quanto o fato de extrema relevância em sua vida e que jamais poderá ser restituído, e uma alegação de mero cumprimento normativo não pode prosperar. O valor fixado pelo juízo sentenciante se encontra devidamente arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como a extensão do dano e circunstâncias do caso. Isto posto, VOTO no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento para manter a sentença pelos motivos apresentados. Condenado o recorrente nas custas e honorários advocatícios de 20% (vinte porcento) do valor da causa, valendo esta súmula como acórdão, conforme o disposto no art. 46 da Lei 9099 /95. Rio de Janeiro, na data da sessão