DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Apelação Cível (processo nº XXXXX20148140201), interposta por MARIA DE FÁTIMA ARAÚJO MONTEIRO E OUTROS, contra sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara de Cível e Empresarial de Icoaraci-Belém/PA, nos autos do Alvará Judicial para Transferência de Uso de Sepultura. O magistrado de 1º grau proferiu sentença com a seguinte conclusão (fls. 59): (...) Ante o exposto, por falta de respaldo legal, INDEFIRO o pedido, com fulcro no art. 1º e 2º da lei nº. 6.858 /80. Sem custas, eis que deferido o benefício da AJG. PRIC. Após o trânsito em julgado, arquive-se. O apelante insurge-se contra a sentença que extinguiu o processo sem resolver o mérito por entender que a hipótese dos autos não se enquadra na lei 6.858 /80, aduzindo em suas razões recursais (fls. 60/62), que a jurisprudência pátria já teria consolidado a possibilidade de utilização de Alvará Judicial para a transferência de uso de sepultura, pelo que pugnou pela reforma da sentença. Recebida a Apelação nos efeitos suspensivo e devolutivo às fls. 64, os autos foram encaminhados a este E. Tribunal, e distribuídos, inicialmente, à relatoria do Exmo. Des. Leonardo de Noronha Tavares às fls. 65, sendo posteriormente redistribuídos à minha relatoria (fl. 68). Às fls. 72/75 consta manifestação do Ministério Público afirmando não se tratar de hipótese de intervenção no feito, ante a ausência de interesse público. É o relato do essencial. Decido. Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, CONHEÇO DO RECURSO, passando a apreciá-lo monocraticamente, com fulcro na interpretação conjunta do art. 932 , VIII , do CPC/2015 c/c art. 133, XII, d, do Regimento Interno deste E. TJPA, abaixo transcritos, respectivamente: Art. 932. Incumbe ao relator: VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal. Art. 133. Compete ao relator XII - dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária: (...) d) à jurisprudência dominante desta e. Corte ou de Cortes Superiores; A questão em análise reside em verificar se é cabível pedido de Alvará Judicial para Transferência de Uso de Sepultura e se as apelantes são de fato sucessoras deste direito que pertencia a sua genitora. O Juízo de primeiro grau entendeu que houve inadequação da via eleita, posto que o alvará só poder-se-ia dar nos limites especificados na lei nº 6.858 /80, portanto, somente seria manejável para aqueles procedimentos de jurisdição voluntária que se destinassem a liberação de valores definidos na referida lei, apontando a necessidade de se demandar por via de procedimento próprio. Impende, desde logo, destacar, que cemitérios municipais são bens públicos de uso comum do povo, cujas sepulturas tem sua concessão de uso permitidas por meio de ato administrativo, sendo caraterísticas a inalienabilidade e a imprescritibilidade, de forma que o titular da sepultura mantém para si apenas a concessão de uso da área, transmitindo-a apenas aos seus herdeiros. Sobre a questão suscitada, Hely Lopes Meireles afirma que: Os terrenos dos cemitérios municipais são bens públicos de uso especial, razão pela qual não podem ser alienados, mas simplesmente concedidos aos particulares para as sepulturas na forma do respectivo regulamento local. (...). (MEIRELLES, Direito Municipal Brasileiro, 15ª ed. Editora Malheiros, p. 456) Em outras palavras, os cemitérios municipais, sendo bens do domínio público, são insusceptíveis de apropriação, deste modo, os concessionários não detêm a propriedade das suas sepulturas, mas apenas o direito a um mero uso e por essa circunstância, não se mostra adequado exigir a abertura de inventário apenas para o fim de formalizar a transferência da titularidade da benesse aos legítimos sucessores do concessionário falecido, posto que a concessão de uso em questão se sujeita a regime peculiar, pelo qual o objeto do termo de concessão, qual seja, um jazigo perpétuo, é desprovido de valor comercial e insuscetível de ser comercializado ou transferido a terceiros, mas apenas aos familiares do titular. Outrossim, convém frisar que a transmissão de jazigo em cemitério público possui questão específica, ante a impossibilidade de que tal posse seria partilhada como se o de cujus tivesse a propriedade do imóvel, por esse motivo não há que se falar em abertura de inventário neste caso. Por sua vez o Código de Posturas do Município de Belém, lei nº 7055 /77, em seu art. 168 , alterado pela lei nº 8049/2012 que dispõe: Art. 168 - Havendo sucessão "causa mortis" através de partilha devidamente homologada pelo juiz, o herdeiro deverá registrar o seu direito na administração do cemitério. § 1º O Poder Executivo Municipal, a requerimento dos interessados, efetuará a transferência da concessão. (AC) § 2º Não sendo encontrados todos os sucessores do concessionário de sepultura, será a concessão transferida para aqueles que se habilitarem junto ao Departamento Municipal de Cemitérios, obedecida a ordem de vocação, hereditária, nos termos de Lei cível. (AC) § 3º Nos casos mencionados no parágrafo anterior, após declaração do sucessor do concessionário que se habilitar junto à Administração de Cemitérios, a Municipalidade baixará edital convocando os demais herdeiros a manifestarem interesse. (AC) § 4º O proprietário pode autorizar, por escrito, o sepultamento de parentes consangüíneos ascendentes ou descendentes, não configurando desta forma, direito de posse ou propriedade da sepultura."(AC) - (Grifo nosso) Da análise do dispositivo acima, verifica-se que a concessão de uso não pode ser objeto de transferência, a qualquer título, salvo causa mortis, mesmo que os demais não estejam identificados nos autos, obedecida a ordem de vocação, hereditária. Ademais, verifica-se que após declaração do sucessor do concessionário que se habilitar junto à Administração de Cemitérios, a Municipalidade baixará edital convocando os demais herdeiros a manifestarem interesse, de forma que não se verifica nenhum entrave à concessão de alvará. Cotejando-se os elementos probatórios presentes nos autos, verifica-se que de fato as autoras são herdeiras da de cujus, bem como que esta possuía o Termo de Concessão de Uso de Solo (fls. 22), demonstrou-se, ainda, que não existem bens a inventariar, de modo a restar evidenciado que a presente ação de alvará judicial seria o meio procedimental adequado a autorizar a transferência da sepultura em questão. Ademais, cumpre destacar que no presente feito, inexiste litígio entre os interessados na obtenção da efetiva tutela jurisdicional, sendo apto ao procedimento afeto à jurisdição voluntária. No mesmo sentido, já houve pronunciamento desta Corte. Vejamos: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRANSMISSÃO DE TÚMULO EM CEMITÉRIO PÚBLICO. BEM PÚBLICO. DIREITO FUNDAMENTAL. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. O TITULAR DO JAZIGO POSSUI APENAS A CONCESSÃO DE USO DA ÁREA. DISPENSA DE INVENTÁRIO. RECURSO DESPROVIDO. I - Insurgiu-se o Apelante contra sentença que atendeu o pleito autoral para que fosse expedido alvará judicial com a finalidade de obter a transferência sucessória da sepultura em favor da esposa e dos filhos de titular falecido. II - O direito invocado pelos Apelados não está sujeito a prescrição, posto que trata-se de um desdobramento de direito fundamental, não ocorrendo, portanto, a prescrição do direito invocado. III - O jazigo em questão é de propriedade da Prefeitura Municipal de Belém, e, por isso, não possui valor comercial, o titular da sepultura mantém para si apenas a concessão de uso da área, por esse motivo não há que se falar em abertura de inventário neste caso; podendo a transferência ocorrer aos herdeiros do de cujus por meio de alvará judicial. IV - Recurso conhecido e desprovido. (SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA; APELAÇÃO N: XXXXX20118140301 ; RELATORA: DESA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA; Data de Julgamento: 21/11/2016; Data de Publicação: 30/11/2016) - Grifo nosso EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (ALVARÁ DE TRANSFERÊNCIA DE SEPULTURA A HERDEIROS). PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. DIREITO DE SEPULTAMENTO QUE NÃO SE SUBMETE A PREFACIAL ARGUIDA. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REJEITADA. INEXISTÊNCIA DE BENS A INVENTARIAR. MÉRITO. DIREITO DE TRANSFERENCIA DE SEPULTURA A HERDEIRAS DO FALECIDO. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 168 , § 1º DA LEI MUNICIPAL Nº 7.055 /77. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1-Preliminar de prescrição. 1.1-O direito invocado pelas recorridas não está sujeito a prescrição, posto que se trata de um desdobramento de direito fundamental (jus sepulchri). De fato, o art. 5¿, caput, da Magna Carta abrange os direitos fundamentais inerentes à pessoa natural, tendo como ideia principal a proteção da dignidade da pessoa humana, que, no caso do sepultamento, se traduz na conservação da imagem, intimidade e privacidade do corpo do falecido, de modo que o Direito referente ao sepultamento incluindo-se dentre os direitos fundamentais, não se sujeita a prescrição, ante a sua característica da imprescritibilidade. 2-Preliminar de inadequação da via eleita. 2.1-A transferência, a herdeiro legítimo, da titularidade do direito de utilizar jazigo de cemitério municipal, objeto de concessão de perpetuidade de uso, prescinde de abertura de inventário ou arrolamento, bastando a formulação de simples pedido de alvará judicial, mediante demonstração da regular cadeia de sucessões. 3-Mérito. 3.1-A lei municipal nº 7.055 /77, em seu artigo 168 , §§ 1º e 2º , reconhece a transferência do jazigo aos herdeiros do concessionário, de modo que é possível que seja realizada a transferência da concessão do uso de sepultura aos sucessores do antigo cessionário, mesmo que os demais herdeiros não estejam identificados nos autos, obedecidos os critérios legais. 4-Apelo conhecido e improvido. À unanimidade (Órgão Julgador: 1ª Turma de Direito Público; Proc. nº: XXXXX-18.2011.8.14.0301 ; Relator: Des. Roberto Gonçalves de Moura; data de Julgamento: 06/11/2017) - (Grifo nosso) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL VISANDO A TRANSFERÊNCIA DE CONCESSÃO DE USO DE SEPULTURA - POSSIBILIDADE DIANTE DO DIREITO DECORRENTE DA CADEIA SUCESSÓRIA. I - Observada a ordem de vocação hereditária estatuída no art. 1.829 do Código Civil , faz jus o cônjuge sobrevivente a expedição de alvará visando a transferência do direito de concessão de uso da catacumba, que antes pertencia ao cônjuge falecido. II - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO À UNANIMIDADE. Vistos, etc. (SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA; APELAÇÃO CÍVEL Nº 2012.3.019504-7; Proc. XXXXX-74.2012.8.14.0301 ; RELATOR: Des. ROBERTO GONÇALVES DE MOURA; Data de Julgamento: 24/01/2013; Data de Publicação: 29/01/2013) Nesse sentido, vem entendendo a jurisprudência pátria: Apelação. Alvará Judicial. Pedido de transferência de jazigo de titularidade de pessoa falecida. Indeferimento da petição inicial e extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485 , I , c/c art. 330 , III , do CPC ). Inconformismo dos autores. Cabimento. Presentes as condições da ação. Lide em condições de julgamento imediato (art. 1.013 , § 3º , do CPC ). Inventário findo. Pretensão possível por meio de alvará. Concordância de todos os herdeiros. Desnecessidade de sobrepartilha. Aplicação do princípio da economia processual e da instrumentalidade das formas. Sentença anulada para afastar o decreto de extinção e deferir o alvará. Recurso provido. (TJ-SP - APL: XXXXX20168260562 SP XXXXX-06.2016.8.26.0562 , Relator: Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, Data de Julgamento: 19/09/2017, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/09/2017) ALVARÁ JUDICIAL. Transferência de jazigo. Expedição determinada, eis que se trata de pretensão singela para o fim de instruir requerimento dirigido à Administração, tendo sido demonstrado, desde logo, com a inicial, que as autoras eram as únicas titulares dos direitos sucessórios sobre a campa, em decorrência do falecimento de sua mãe, esta que não deixou bens a inventariar nem testamento. Ação procedente. Interesse recursal reconhecido. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - APL: XXXXX20118260562 SP XXXXX-16.2011.8.26.0562 , Relator: Jarbas Gomes, Data de Julgamento: 04/09/2013, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 09/09/2013) APELAÇÕES CÍVEIS PRINCIPAL E ADESIVA - ALVARÁ JUDICIAL - CONCESSÃO DE PERPETUIDADE DE USO DE JAZIGO - TRANSFERÊNCIA DO DIREITO PARA HERDEIRA LEGÍTIMA - AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - PROVIDÊNCIA QUE DISPENSA INVENTÁRIO - ADEQUAÇÃO DA VIA DO ALVARÁ - SENTENÇA MANTIDA - A transferência, a herdeiro legítimo, da titularidade do direito de utilizar jazigo de cemitério municipal, objeto de concessão de perpetuidade de uso, prescinde de abertura de inventário ou arrolamento, bastando a formulação de simples pedido de alvará judicial, mediante demonstração da regular cadeia de sucessões, notadamente porque se trata de jazigo de propriedade da Prefeitura Municipal, sem valor comercial e insuscetível de ser transferido a terceiros, que não os familiares do titular. (TJMG - Apelação Cível XXXXX-6/001 , Relator (a): Des.(a) Afrânio Vilela, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/08/2014, publicação da sumula em 25 / 08 / 2014 ). - Grifo nosso DECISÃO MONOCRÁTICA Apelação cível. Alvará judicial. Transferência de jazigo perpétuo. O art. 8º dob0 Decreto 3707/70 dispõe que a sepultura se destina ao sepultamento do titular e das pessoas por ele indicadas. Esse mesmo dispositivo prevê que a titularidade do direito ao uso do jazigo poderá ser alterada somente pelo próprio titular em vida ou, por causa mortis, mediante testamento ou, ainda, por disposição legal para aquele que o suceder. No caso em tela, a autora comprovou ser a única herdeira e sucessora legal de Lisette Carneiro Pena, inexistindo qualquer impedimento legal para a transferência de titularidade. Recurso provido. (TJ-RJ - APL: XXXXX20098190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 12 VARA ORFAOS SUC, Relator: FERDINALDO DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 21/05/2014, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/05/2014) Diante do exposto, ex vi do art. 932 , VIII do CPC/2015 e art. 133, XII, d, do Regimento Interno, CONHEÇO DA PRESENTE APELAÇÃO e DOU PROVIMENTO, para reformar a sentença e determinar que o Juízo de origem providencie a expedição de alvará judicial para a transferência do direito de uso do túmulo às apelantes, nos termos da fundamentação. P.R.I. Belém, 28 de fevereiro de 2018. ELVINA GEMAQUE TAVEIRA Desembargadora Relatora