PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Seção Cível de Direito Público Processo: MANDADO DE SEGURANÇA (CÍVEL) n. XXXXX-37.2018.8.05.0000 Órgão Julgador: Seção Cível de Direito Público IMPETRANTE: TACIO BOAVENTURA DE ALMEIDA Advogado (s): TACIO BOAVENTURA DE ALMEIDA IMPETRADO: GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA e outros (2) Advogado (s): ACORDÃO DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGALIDADE NO CRITÉRIO DE CORREÇÃO DA PROVA OBJETIVA DO CONCURSO PARA INVESTIGADOR DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA BAHIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL AFASTADA. PRELIMINAR DE DESCABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA POR AUSÊNCIA PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA AFASTADA. MÉRITO. BANCA EXAMINADORA INFRINGIU NORMA EXPRESSA CONSTANTE DO EDITAL. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO INCOMPATÍVEIS COM A NORMA DE REGÊNCIA. ATRIBUIÇÃO DE PESOS DIFERENTES PARA CADA BLOCO DE QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA EM AFRONTA AO QUANTO PREVISTO NO EDITAL. CRITÉRIO NOVO E NÃO CONSTANTE DO EDITAL APLICADO NA ATRIBUIÇÃO DAS NOTAS DOS CANDIDATOS. CANDIDATO COM 61 ACERTOS NOTA 124,17 NÃO PROSSEGUIU NO CERTAME POIS OBTEVE PONTUAÇÃO INFERIOR A 70 PONTOS, NÃO CONSEGUINDO ROMPER A CLÁUSULA DE BARREIRA. OUTROS CANDIDATOS COM MESMO NÚMERO DE ACERTOS DE QUESTÕES OU SEJA COM 61 ACERTOS LOGRARAM ÊXITO E PROSSEGUIRAM NO CERTAME. MUDANÇA DAS REGRAS DO CERTAME APÓS A REALIZAÇÃO DAS PROVAS. EDITAL É LEI ENTRE AS PARTES. DEVE IMPERAR A MESMA INTERPRETAÇÃO DA REGRA PARA TODOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA ISONOMIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Preliminar de ilegitimidade passiva do Delegado Geral da Polícia Civil e do Governador, ambos do Estado da Bahia não é caso de acolhimento. Isso porque, o primeiro, subscreveu, juntamente com o Secretário de Administração do reportado estado, o certame em cuido. Outrossim, na hipótese de procedência da demanda autoral, e a eventual nomeação e posse no cargo pleiteado, acaso aprovado nas demais etapas, esta consiste em atribuição do Governador do Estado, ao passo em que, inequivocamente, é de competência do Chefe do Executivo estadual o provimento dos cargos públicos estaduais, ao teor do disposto no art. 105, XIII, da Constituição Estadual. Preliminar rejeitada. 2. Preliminar de cabimento do mandado de segurança no caso em debate em razão da ausência de prova pré-constituída e necessidade de dilação probatória. Da análise dos autos, em cotejo com a documentação colacionada, observa-se que as provas colacionadas são suficientes para evidenciar a liquidez e certeza do direito pretendido. A preliminar é impertinente. Rejeito-a. 3. No mérito, os autos versam sobre suposta ilegalidade e afronta à vinculação ao edital no critério de correção dos dois blocos da prova objetiva do concurso para cargos da Polícia Civil do Estado da Bahia, edital SAEB 01/2018. 4. De fato, o Edital do Concurso para o cargo de Delegado da Polícia Civil, Investigador e Escrivão (ID XXXXX), dispõe que a 1ª Etapa do certame consistiria na submissão dos concorrentes a Provas Objetivas, divididas em dois blocos, de Conhecimentos Gerais, contendo 30 (trinta) questões, e Conhecimentos Específicos, com 70 (setenta) questões, considerando-se aprovado aquele que obtivesse, cumulativamente, na soma dos pontos nota igual ou superior a 70 (setenta) pontos, conforme itens 11.1 e 11.2 do Edital). 5. No caso em comento, tendo sido ofertada à ampla concorrência 880 vagas, seria corrigida a prova discursiva dos candidatos que estivessem até a 1320ª posição. Tal previsão editalícia encontra-se nos itens 11.2 e 12.1, a chamada “cláusula de barreira” (já declarada legítima pelo Supremo Tribunal Federal). 6. Do cotejo dos autos, nota-se que o edital não se apresentou claro sendo portanto passível de gerar dúvidas aos concorrentes, bem como passível de acarretar distorções na ordem classificatória como defendido e provado pelo impetrante. Existência de dúvida quanto a compreensão da expressão “nota igual ou superior a 70 (setenta) pontos”, se seria o número de questões resolvidas corretamente pelo candidato, ou, a pontuação atribuída a elas. A confusão e a discrepância se tornam mais evidentes quando se verifica que o examinador ao atribuir 100 (cem) pontos a cada uma das provas objetivas, conferiu peso de 3,33 pontos para as questões de Conhecimentos Gerais que só tinha 30 questões, dividindo 100 que seria o número de pontos por 30 que seria o número de questões, obtendo-se o peso 3,33 para cada questão. Por outro lado, ao atribuir 100 (cem) pontos a prova objetiva do bloco 2, conferiu peso de 1,42 pontos para cada uma das questões de Conhecimentos Específicos que tinha 70 questões, dividindo 100 que seria o número de pontos por 70 que seria o número de questões, obtendo-se o peso 1,42 para cada questão. Como o edital não autoriza esse entendimento, sua aplicação resultou em favorecer alguns candidatos e em prejudicar outros. Como o peso do bloco de Conhecimentos Gerais só tinha 30 questões, cada acerto nessa prova equivaleria a três acertos no bloco de Conhecimentos Específicos, que tinha 70 questões. É incontroverso que o impetrante obteve 61 acertos, sendo 21 na prova de conhecimentos gerais e 40 na prova de conhecimentos específicos, atingindo a nota 127,14 (ID XXXXX - Pág. 113). Outra candidata, apontada pelo impetrante como paradigma, obteve o mesmo número de acertos, qual seja 61, contudo ela foi considerada aprovada segundo o novo e ilegal critério adotado pela Banca Examinadora, apenas porque teve maior número de acertos na prova objetiva de Conhecimentos Gerais à qual se atribuiu peso maior em que pese ter número menor de questões. Aqui reside a ilegalidade e a violação aos princípios da isonomia e da legalidade. 9. É cediço que esta Egrégia Corte, no julgamento de caso semelhante ao aqui debatido, de Relatoria do Des. Moacyr Montenegro, interpretou a regra editalícia no sentido de desconsiderar os pesos e atribuir um ponto para cada questão correta do candidato, devendo o certamista totalizar um mínimo de 70 (setenta) pontos que correspondem a 70 questões corretas. Tal posicionamento foi sedimentado em outros julgados derredor do mesmo edital. 10. Embora elogioso raciocínio e em conformidade com a Recomendação nº 02/2018 do Ministério Público Estadual, essa intelecção não se revela apta a solucionar a demanda em apreço. 11. O candidato traz a lume ponto não aventado nos outros julgados: a prova da existência de candidatos que acertaram número inferior a 70 (setenta) questões e, ainda assim, lograram êxito em seguir no concurso, o que deixa clara a existência de regras adotadas extemporaneamente pela Banca Examinadora, que além de extemporâneas acarretam soluções díspares para situações exatamente iguais. 12. As regras de avaliação utilizadas pelo examinador são incompatíveis com as normas traçadas no Edital, merecendo destaque a regra que privilegia os conhecimentos gerais em detrimento dos conhecimentos específicos inerentes e imprescindíveis ao exercício do cargo pretendido. Especialmente, quando, em momento algum rezou o Edital estabelecer de forma clara pesos diversos para os blocos da prova objetiva. 13. A despeito da ausência de regramento no Edital sobre a atribuição de pesos nas provas objetivas, o examinador aplicou tal disposição aos candidatos quando da contabilização da sua pontuação criando situações teratológicas em que se verifica candidatos com a mesma pontuação e em colocações bem diferentes. 14. Assim sendo, convém não prevalecer a desclassificação do Impetrante do certame, notadamente quando, embora não atingindo a pontuação mínima necessária segundo a interpretação firmada por esta E. Corte, possui igual número de acertos que candidata considerada pelo examinador apta a prosseguir no certame. Flagrante injustiça e óbvio desrespeito ao tratamento isonômico. 15. Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça e esta Eg. Corte terem firmado o entendimento no sentido de não competir ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a eles atribuídas, há que se considerar a possibilidade de interferência do Judiciário nas questões apontadas por candidatos em concurso público, nos casos de flagrante descumprimento do edital, bem assim por ilegalidades ou inconstitucionalidades, seja elaborando questão com o conteúdo não previsto no edital, seja quando a banca deixa de cumprir rito procedimental fixado. (STF - RE XXXXX/CE ; STJ - AgRg nos ED no AREsp XXXXX/PE e RMS XXXXX/RJ ) 16. Nessa senda, não se pode olvidar que o edital é lei de regência do concurso público e como tal deve ser respeitada sendo intolerável qualquer desvio sob pena de mácula aos princípios da legalidade e da isonomia. 17. Assim sendo, diante da manifesta discrepância nos critérios fixados pelo examinador na atribuição da pontuação das provas que ensejaram tratamento desigual aos candidatos com mesma pontuação, deve ser concedida a segurança vindicada. SEGURANÇA CONCEDIDA. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº XXXXX-37.2018.8.05.0000, em que figura como impetrante e impetrados as partes acima elencadas. ACORDAM os Desembargadores componentes da Seção Cível de Direito Público do Tribunal de Justiça da Bahia REJEITAR AS PRELIMINARES SUSCITADAS E, NO MÉRITO, CONCEDER A SEGURANÇA vindicada, na esteira do voto da relatora. Sala de Sessões, de de 2020. Presidente Desa. Ilona Márcia Reis Relatora Procurador (a) de Justiça