PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO CAUTELAR. CONTRATO DE ENFITEUSE CELEBRADO ENTRE O DE CUJUS E A PARÓQUIA PROMOVIDA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. INEXISTÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO REAL. ALEGATIVA AUTORAL DE VIOLAÇÃO A DIREITOS SUCESSÓRIOS DECORRENTES DA ENFITEUSE. NÃO RECONHECIMENTO. SEGUNDO CONTRATO DE ENFITEUSE CELEBRADO ENTRE AS DEMANDADAS, SRA. MARIA SOCORRO GUIMARÃES PEREIRA E A PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE MAURITI. REGISTRO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL NO ANO DE 2008. NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIDA. VEDAÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE NOVA ENFITEUSAS APÓS O ADEVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 (ART. 2.038). POSTERIOR CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. EXISTÊNCIA DE EFICÁCIA DA ENFITEUSE À ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE PELO OFICIAL DE REGISTRO E PELA PARÓQUIA DEMANDADA QUE POSSUÍA O DOMÍNIO DIRETO DO IMÓVEL. POSSE MANSA E PACÍFICA PELA DEMANDADA MARIA SOCORRO POR MAIS DE 30 (TRINTA) ANOS. FATO INCONTROVERSO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. RESGUARDO DOS DIREITOS DOS ADQUIRENTES DE BOA-FÉ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS EM DESFAVOR DOS AUTORES. SENTENÇA SOB A ÉGIDE DO CPC/73 (ART. 20, § 4º). FIXAÇÃO NA ORIGEM NO VALOR DE R$ 1.500,00 (UM MIL E QUINHENTOS REAIS). MAJORAÇÃO DEVIDA PARA R$ 8.000,00 (OITO MIL REAIS). ATENDENDO AOS PARÊMETROS DO ART. 20, § 3º, DO CPC/73). RECURSOS DE APELAÇÃO E ADESIVO CONHECIDOS, PROVIDO PARCIALMENTE O APELO E PROVIDO O ADESIVO. 01. Nas suas razões, os apelantes/autores sustentam que a sentença vergastada, a pretexto de valorizar a enfiteuse não registrada, negou os direitos de sucessão dos irmãos promoventes, mesmo estando demonstrado que um co-herdeiro alienou sozinho patrimônio comum. E, ainda que o registro imobiliária apenas atesta a existência de um título de propriedade, mas a ausência do mesmo não faz desaparecer o bem imóvel, nem o exercício da posse cujo domínio foi transmitido, em razão do princípio da saisine, aos sucessores do Sr. Juvino. 02. Analisando os autos, verifica-se que consiste fato incontroverso a ausência de registro do contrato de enfiteuse celebrado entre o de cujus e a Paróquia (fls. 60/64), datado de 1964. a enfiteuse, nos termos do art. 678 do Código Civil de 1916 , possuía natureza jurídica de direito real sobre coisa alheia, de caráter perpétuo, que bipartia o domínio em domínio direto ou eminente - que ficava com o senhorio -; e domínio útil - que era concedido ao enfiteuta, o qual adquiria, assim, o direito ao uso e gozo da coisa e de transmissão a terceiro por ato inter vivos ou disposição de última vontade. 03. O anterior e o atual Código Civil , respectivamente nos seus arts. 676 e 1.227 , preconizam o efeito constitutivo do registro em relação a direitos reais sobre imóveis. Essa linha de raciocínio é complementada pelo art. 172 da Lei n. 6.015 /1973 - Lei de Registros Publicos ( LRP ), que encarta o princípio da "inscrição", segundo o qual a constituição , transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam mediante sua inscrição no registro respectivo. 04. Assim, ainda que convencionado entre as partes, o mero título de aquisição não é condição suficiente a ensejar a aquisição, modificação ou extinção de direitos reais, fazendo-se mister a efetivação de um ato formal de ingresso desse título no registro imobiliário. 05. Nessa linha, sendo o registro um pressuposto de existência da enfiteuse, forçoso concluir que a sua ausência, no caso em julgamento, obsta sua configuração, permanecendo a propriedade do imóvel com a Paróquia demandada, conforme assentado na jurisprudência pátria, consoante arestos acima colacionados. E, considerando que a causa de pedir da demanda consistiu na suposta constituição de enfiteuse, cuja inexistência se declara, não merece prosperar o reconhecimento de violação a direitos hereditários, porquanto ausentes no caso em análise. 06. Como é cediço, o Código Civil de 2002 , em seu art. 238 , caput, proibiu a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior , Lei nº. 3.071/16, e leis posteriores. E, De acordo com o entendimento da jurisprudência pátria, a constituição de enfiteuses após o advento do Código Civil de 2002 , impõe o reconhecimento da nulidade do registro. 07. No caso dos autos, o contrato de enfiteuse celebrado entre a Sra. Maria Socorro Guimarães dos Santos e a Paróquia Nossa Senhora de Fátima foi registrada na matrícula do imóvel (fl. 167), na data de 05 de dezembro de 2008, impondo-se pelo reconhecimento da sua nulidade. 08. No ato da compra do imóvel objeto da lide pelos Srs. José Kennedy de Oliveira e Danuza Claudino Dantas de Oliveira, havia na matrícula do imóvel o registro de enfiteuse celebrada entre os promovidos Maria Socorro e a Paróquia Nossa Senhora da Conceição. 09. No entanto, em que pese a nulidade absoluta da enfiteuse registrada após o advento do Código Civil de 2002 , a mesma somente opera efeitos retroativos, com a desconstituição do ato e o retorno ao status quo ante, após a declaração pelo órgão jurisdicional. 10. Assim, não se pode presumir a má-fé dos promovidos, Srs. José Kennedy de Oliveira e Danuza Claudino Dantas de Oliveira, considerando que a eficácia da enfiteuse celebrada entre a Sra. Maria Socorro e a Paróquia promovida persistiu até a declaração de nulidade por meio de decisão judicial. 11. A boa-fé dos adquirentes restou configurada pela qualidade da posse exercida pela Sra. Maria Socorro - posse mansa e pacífica por mais de 30 (trinta) anos, consistindo fato incontroverso -, e pela existência da eficácia da enfiteuse, por ocasião do registro da compra e venda, não sendo apresentado qualquer restrição ou óbice pelo Oficial de Registro, e nem pela Paróquia promovida, que até então detinha o domínio direto do bem, aplicando-se a Teoria da Aparência, segundo a qual uma pessoa, considerada por todos como titular de um direito, no caso dos autos a enfiteuse, embora não o sendo, leva a efeito um ato jurídico com terceiro de boa -fé. 12. Desse modo, apesar do reconhecimento da nulidade da enfiteuse celebrada entre a Sra. Maia Socorro e a Paróquia promovida, os direitos dos adquirentes de boa-fé, Srs. José Kennedy de Oliveira e Danuza Claudino Dantas de Oliveira, devem ser resguardos, impondo-se pelo reconhecimento da validade da compra e venda do imóvel objeto da lide e, por conseguinte, da manutenção do seu registro. 13. O juiz de piso, ainda sob a égide do CPC/73 , ao julgar improcedente a ação, condenou os autores ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados no percentual no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). 14. No entanto, na sentença vergastada inexistiu qualquer condenação, devendo, portanto, os honorários serem fixados de forma equitativa, consoante o disposto no art. 20 , § 4º , do CPC/73 , atendidos: "a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço." 15. Assim, considerando os parâmetros supra, os quais devem ser observados nas sentenças em que não houver condenação, como no caso dos autos, entendo que se mostra proporcional e razoável a fixação dos honorários no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), considerando a natureza da demanda, o trabalho realizado pelos causídicos e o tempo exigido para o serviço. 16. Apelações conhecidas, provido parcialmente o apelo e provido o adesivo, no sentido de: a) declarar a nulidade da enfiteuse celebrada entre as demandadas, Sra. Maria Socorro Guimarães dos Santos e a Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Mauriti, registrada (R.01/846) na matrícula do imóvel nº. 846; b) majorar os honorários advocatícios sucumbenciais devidos pelos autores para o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), mantendo-se inalterados os demais pontos da sentença. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos as Apelações Cíveis nº. XXXXX-02.2013.8.06.0122 , em que litigam as partes, acima nominadas, ACORDA, a TURMA JULGADORA DA TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, por UNANIMIDADE, em CONHECER DOS RECURSOS, PARA PROVER PARCIALMENTE O APELO E PROVER O ADESIVO, tudo nos termos do voto da Relatora. MARIA VILAUBA FAUSTO LOPES Desembargadora-Relatora