PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSOS DEFENSIVOS. PLURALIDADE DE RÉUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 35 , CAPUT, TODOS DA LEI N.º 11.343 /06 C/C ART. 244-B , ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . ART. 14 E ART. 16 DA LEI 10.826 /03. ART. 29 , DA LEI Nº 9.605 /98. 1. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS PROVAS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. IMPROCEDÊNCIA. PRESENÇA DE FUNDADAS RAZÕES. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA DELITIVA EM CRIME PERMANENTE. PRECEDENTES DO STJ. 2. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. INVIABILIDADE. PROVAS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVA TESTEMUNHAL VÁLIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA OS TERMOS DO ART. 28 DA LEI 11.343 /06. IMPOSSIBILIDADE. CONDIÇÃO DE USUÁRIO NÃO COMPROVADA. 3. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. INVIABILIDADE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE. CIRCUNSTÂNCIAS QUE ATESTAM ANIMUS ASSOCIATIVO. 4. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DO ART. 244-B DO ECA . APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE EX OFFICIO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40 , INCISO VI , DA LEI N. 11.343 /2006. 5. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA OS TERMOS DO ART. 12 DA LEI 10.826 /03. INVIABILIDADE. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 4. REVISÃO DA DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. VETORIAIS NEGATIVADAS IDONEAMENTE. SEGUNDA FASE. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA INTERMEDIÁRIA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 231 DO STJ. ENTENDIMENTO PACÍFICO. TERCEIRA FASE. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DO ART. 33 , § 4º DA LEI DE DROGAS . CONDENAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. 6. DO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE. APELOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Em suas razões recursais, a defesa do réu José Narcélio Ribeiro Gomes interpôs o presente recurso de apelação (págs. 881/909), suscitando a desclassificação do crime de tráfico de drogas para os termos do art. 28 da Lei 11.343 /06. Requer ainda a absolvição do crime do art. 35 da Lei 11.343 /06. Pugna pela desclassificação da conduta do acusado para os ditames do art. 12 da Lei 10.826 /03. No que se refere à dosimetria, pleiteia a neutralização das vetoriais ¿culpabilidade¿ e ¿circunstâncias do crime¿ negativadas na primeira fase , o reconhecimento da confissão espontânea e da causa de diminuição de pena do art. 33 , § 4º da Lei 11.343 /06, com respectiva mudança do regime de cumprimento da pena. Por fim, solicita ainda o direito de apelar em liberdade e a realização da detração. O acusado Antônio Agnaldo Alves da Silva suscita a absolvição do crime do art. 33 , caput da Lei 11.343 /06 e do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente . Por sua vez, os réus Tatiana dos Santos Morais e Wallace Silva da Fonseca pugnam pelo reconhecimento da nulidade das provas ante a violação domiciliar. Suscita ainda a absolvição dos crimes do art. 35 da Lei 11.343 /06 e do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente . 2. Em relação a uma possível nulidade das provas por violação domiciliar, os policiais disseram que receberam denúncia no sentido de que os acusados Wallace Silva da Fonseca e Aldrin Araújo da Silva estavam praticando comércio ilícito de entorpecentes no bairro Coelho. Realizaram, então, abordagem nos denunciados, momento em que encontraram 8 trouxinhas de maconha na cueca do acusado Wallace Silva da Fonseca . Em seguida, o acusado Wallace Silva da Fonseca teria afirmado que a droga pertencia à acusada Tatiana dos Santos Morais . Ato contínuo, os agentes públicos foram até a casa da acusada Tatiana dos Santos Morais , quando esta tentou se desvencilhar de objetos jogando no vaso sanitário. Os policiais afirmaram ainda que, na casa de Tatiana dos Santos Morais , os acusados Vitória Maria Gomes de Sousa e Antônio Agnaldo Alves da Silva arremessaram vários pacotes de sacolés, balança e pedras de crack, mas que, mesmo assim, a polícia encontrou no local 113 pedras de crack, 21 trouxinhas de maconha, três cadernos com anotações sobre a distribuição de drogas e outras. 3. Em verdade, os agentes públicos primeiro realizaram a abordagem no corréu Wallace Silva da Fonseca , que delatou a ré Tatiana dos Santos Morais , indicando que os entorpecentes lhe pertenciam. Por sua vez, ao chegarem no referido endereço, visualizaram a apelante tentando se desfazer de objetos no vaso sanitário. Constata-se, portanto, as fundadas razões para a diligência realizada, não sendo a mesma fruto de uma operação randômica ou um possível fishing expedition feito na abordagem policial, pois, a partir de investigações realizadas, os agentes públicos chegaram até a residência da apelante, procedendo, assim, com a busca domiciliar. 4. Cumpre asseverar que o delito de tráfico de drogas, na modalidade ¿guardar¿ ou ¿ter em depósito¿, configura crime permanente. Ou seja, nesse caso o agente permanece em estado de flagrância enquanto a droga estiver em seu poder, posto que a situação de flagrante delito consubstancia-se como excepcional causa que admite a mitigação da garantia individual de inviolabilidade do domicílio, nos termos do art. 5º , XI , da CF . 5. Quanto ao pedido de absolvição, ante a alegada insuficiência de provas, no presente caso, tenho que a materialidade restou comprovada através do auto de apresentação e apreensão (págs. 13/14) e dos laudos periciais (págs. 90/99 e 295/298), por meio dos quais identificou-se a natureza dos entorpecentes apreendidos, quais sejam, crack e maconha, bem como pelas provas colhidas em ambas as fases do processo. 6. Analisando detidamente o acervo probatório, verifica-se que a versão do recorrente se encontra isolada nos autos, vez que as testemunhas de acusação foram uníssonas ao afirmar que, ao se dirigirem até a casa da corré Tatiana dos Santos Morais , visualizaram o apelante e Vitória Maria Gomes de Sousa arremessando vários pacotes de sacolés, balança e pedras de crack, mas que, mesmo assim, a polícia encontrou no local 113 pedras de crack, 21 trouxinhas de maconha, três cadernos com anotações sobre a distribuição de drogas. 7. Assim, constata-se que não há dúvidas quanto à vinculação do acusado com as drogas apreendidas, considerando ainda que as circunstâncias da prisão, aliadas à quantidade das drogas, as quais estavam na respectiva residência, conforme o auto de apreensão e apresentação de págs. 13/14, circunstâncias que demonstram a finalidade mercantil do entorpecente. 8. Deve-se também registrar, que para configuração do delito de tráfico, não é necessário o flagrante da prática de atos de comércio com a droga, bastando que o agente a transporte, possua, guarde, tenha em depósito ou pratique qualquer outra das demais condutas previstas no caput do art. 33 , da Lei 11.343 /06, que caracterize circunstância evidenciadora de que a droga se destinava ao comércio, como ficou claro na hipótese dos autos. 9. Ademais disso, quanto ao pedido de desclassificação para os termos do art. 28 da Lei 11.343 /06 formulado pelo acusado José Narcélio Ribeiro Gomes , nem mesmo a alegada condição de usuário afasta a responsabilidade penal do apelante ou a desclassificação da condenação para os termos do art. 28 da Lei 11.343 /06, pois o fato de ser usuário, por si só, não impossibilita os atos de mercancia de entorpecentes, porque, como se sabe, é comum usuários ostentarem as duas condições com a finalidade de manter o próprio vício. Ao alegar a posse de drogas para uso próprio, a defesa chama para si o ônus de provar tal fato, conforme disposição do art. 156 , do CPP , o que, como visto, não ocorreu in casu. 10. Em relação ao pedido de absolvição do crime do art. 35 da Lei 11.343 /06, tenho que não há como negar que a versão trazida pelos acusados não deixa transparecer com lucidez o animus associativo, prévio e estável, de forma categórica e plena. Entretanto, este não pode ser o único parâmetro, sempre, a firmar se o crime da associação para o tráfico estaria ou não configurado, pois, em verdade, estaria se predispondo o crime a uma confissão dos acusados. 11. Assim, em que pese a negativa de autoria do acusado, faz-se necessário o exame de toda a dinâmica criminosa, as condições do flagrante, o local, o contexto, enfim, ingredientes que podem também redundar em circunstâncias delineadoras da existência da associação. E é, neste sentido, que resta indubitável o animus associativo dos acusados, vez que, além das drogas, foram apreendidas armas e diversas anotações que demonstram o vínculo de permanência entre os recorrentes, restando demonstrado o vínculo associativo. 12. Quanto ao crime de corrupção de menor, o envolvimento de criança ou adolescente em crime de tráfico de drogas praticado por agente imputável configura a causa de aumento de pena prevista no art. 40 , inciso VI , da Lei n. 11.343 /2006, legislação específica aplicável ao caso, e não o delito autônomo tipificado no art. 244-B do ECA , em razão do princípio da especialidade. 13. Em atenção ao disposto no art. 580 do CPP , estendo os efeitos desta decisão aos corréus Vitória Gomes de Sousa, Tatiana dos Santos Morais e José Narcélio Ribeiro Gomes , para, reconhecendo a incidência do princípio da especialidade, aplicar a causa de aumento prevista na Lei n. 11.343 /06, posto que presentes as mesmas condições analisadas quanto aos réus recorrentes deste tópico. 14. Em relação a desclassificação da conduta do réu José Narcélio Ribeiro Gomes para os termos do art. 12 da Lei 10.826 /03, os elementos de convicção e das provas em juízo demonstram que foram encontradas com o acusado José Narcélio Ribeiro Gomes uma arma de fogo calibre 32 (uso restrito) e 12 munições, sendo quatro de calibres 32, três de calibre 38 e cinco de calibre 40 (usos permitidos e restritos). Ressalte-se que o delito em questão é crime de perigo abstrato ou de mera conduta, sendo prescindível a comprovação de lesividade da arma, bem como a constatação de seu efetivo municiamento, ressaltando-se, ainda, que nem mesmo a ausência de exame pericial afasta a configuração do referido delito. Assim, ao contrário do que sustentou a defesa em suas razões recursais acerca da ausência de provas, tratando-se o delito em questão de crime de mera conduta ou de perigo abstrato, afigura-se inviável o pleito desclassificatório, devendo ser mantida incólume a condenação do apelante quanto ao mencionado crime. 15. Em relação à dosimetria do réu José Narcélio Ribeiro Gomes , no que se refere aos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, em sua primeira fase da dosimetria, mantenho a negativação da ¿quantidade/natureza dos entorpecentes¿, o que impõe a manutenção da pena-base em 06 (seis) anos de reclusão para o crime do art. 33 , caput da Lei 11.343 /06 e em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão pelo crime do art. 35 da Lei 11.343 /06, face ao reconhecimento da desfavorabilidade da circunstância judicial da ¿natureza e quantidade da droga¿, conforme os termos delineados acima, em observância aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e non reformatio in pejus. 16. Relativamente à valoração da ¿natureza e quantidade da droga¿, observa-se, conforme auto de apresentação e apreensão de pág. 13/14, que o réu foi apreendido com os seguintes entorpecentes no acampamento: 2900 gramas de maconha, sendo notório que tal substância atua a corroborar com a dependência química e psíquica, ocasionando graves efeitos à saúde física e mental do usuário, onde, muitas vezes, destrói a vida pessoal do indivíduo, no meio familiar e comunitário, além de fomentar diversas atividades criminosas, tratando-se de quantidade considerável, considerando a sua natureza e variedade. 17. Na segunda fase da dosimetria, a defesa requer a redução do quantum da pena para patamar inferior ao mínimo legal, o que se mostra inviável, senão vejamos. Ocorre que, mesmo que não se negue a presença de outra circunstância atenuante, inviável a redução da pena aquém do mínimo legal, conforme enunciado da Súmula n. 231 do STJ, in verbis: ¿a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal¿. 18. Na terceira fase, em relação ao pedido de reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 33 , § 4º da Lei 11.343 /06, ante a condenação do acusado em face do crime de associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343 /06), evidencia-se que o mesmo não faz jus a referida minorante. 19. Por fim, tendo em vista a prática dos referidos delitos e dos crimes dos arts. 14 e 16 da Lei 10.826 /03 e art. 29 da Lei de Crimes Ambientais em concurso material (art. 69 do CP ), procede-se ao somatório das penas, resultando a reprimenda total em 14 (catorze) anos de reclusão, além de 1200 (mil e duzentos) dias-multa. 20. Quanto ao regime inicial para o cumprimento da pena, mantenho no ¿fechado¿, tendo em vista a o quantum da pena estabelecida ao réu e as vetoriais negativadas, a teor do disposto no art. 33 , § 2º , alínea ¿a¿ c/c § 3º do Código Penal Brasileiro. 21. Em seu recurso, o apelante pleiteia ainda pela realização da detração penal. Todavia, conforme jurisprudência pátria, inclusive desta e. Corte de Justiça, não se mostra viável a análise da detração penal em sede de apelação, notadamente em razão da falta de informações acerca do efetivo cumprimento da pena pela ré, ficando tal providência a cargo do Juízo da Execução, nos termos do art. 66 , inc. III , c , da Lei de Execução Penal . 22. Por fim, a defesa requer ainda a concessão do direito de recorrer em liberdade em relação ao recorrente, entretanto, tenho que o pleito não merece prosperar. Isso porque o Juízo de origem, por ocasião da sentença condenatória, fundamentou a contento a necessidade de manutenção da constrição cautelar do recorrente, considerando ainda que restou fixado o regime fechado para o cumprimento inicial da reprimenda. 23. Logo, da análise da sentença, não se vislumbra a existência de ausência de fundamentação quanto a negativa do direito de recorrer em liberdade, considerando que o Juízo de origem expressamente consignou que permanecem os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva. 24. Recursos conhecidos e desprovidos. Sentença mantida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, nesta Comarca de Fortaleza, em que figuram as partes indicadas. ACORDAM os membros integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em CONHECER dos recursos interpostos para NEGAR-LHES PROVIMENTO, nos termos do voto da Relatora. Fortaleza, 11 de junho de 2024. DESEMBARGADORA ANDRÉA MENDES BEZERRA DELFINO Relatora