APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. ACORDO EXTRAJUDICIAL PARA PAGAMENTO DA DÍVIDA COM ABATIMENTO. ATRASO NO PAGAMENTO DAS PARCELAS. FALHA NA EMISSÃO DO BOLETO. CIRCUNSTÂNCIA NÃO ATRIBUÍVEL AO CONSUMIDOR. INJUSTA RECUSA NO RECEBIMENTO DO VALOR ACORDADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Consignação em pagamento é um direito constituído em favor do devedor que deseja realizar o pagamento da dívida, mas não o faz porque há dúvida quanto à legitimidade do credor, porque pende litígio sobre o objeto de pagamento, ou ainda porque o credor, sem justa causa, se recusa a receber ou dar quitação do pagamento (art. 335 , Código Civil ). 2. A relação jurídica se submete às normas da lei consumerista, a teor da Súmula 297 do STJ. Nessa perspectiva, o Código de Direito do Consumidor confere uma série de prerrogativas ao consumidor na tentativa de equilibrar a relação, dentre elas o art. 6º, VIII, que disciplina a inversão do ônus da prova com o escopo de facilitar a sua defesa, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Acrescente-se que o art. 14 da supracitada norma assevera que cabe ao fornecedor a reparação de danos causados aos consumidores por vícios relativos à prestação de serviços, decorrente de sua responsabilidade objetiva. Ademais, da mesma norma se extrai que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 , CDC ). 3. No caso em apreço, a questão gira em torno de um acordo celebrado pelos litigantes em 23/05/2017, visando ao pagamento de dois contratos com abatimento (fls. 14-16). Nos termos do referido acordo, a instituição bancária comprometeu-se a enviar os boletos mensalmente para o recorrente, entretanto, desde janeiro/2018 o autor não mais conseguiu extrair os boletos a partir dos meios disponibilizados pelo agente financeiro. 4. O promovente afirma que se dirigiu pessoalmente à agência bancária a fim de efetivar o pagamento nos moldes acordados, porém, ainda assim não conseguiu fazê-lo, de modo que restaram frustradas todas as suas tentativas de adimplir o acordo. Reforçando suas alegações, o promovente anexou aos autos os documentos de fls. 12-29, os quais demonstram que até dezembro/2017 o mesmo cumpriu religiosamente o acordado, mediante os pagamentos ali comprovados. Ademais, às fls. 162-163 é possível observar trocas de e-mails entre o autor e o gerente da agência bancária responsável pelo contrato, os quais evidenciam as tentativas do consumidor em cumprir o acordo firmado entre as partes mediante o pagamento devido pelos meios disponibilizados pelo ente financeiro. 5. Diante desse contexto, extrai-se que a parte autora não foi desidiosa para com o cumprimento do acordo, vez que efetuou diligências com o fim de pagar os boletos que não recebeu. Com efeito, não se pode, de forma aleatória, concluir que a parte tenha procurado se eximir de sua obrigação contratual, para, empós, utilizar-se de meio processual para não ser prejudicado. 6. Por outro lado, com apoio na inversão do ônus da prova, próprio da relação consumerista (art. 6º , VIII , CDC ), era dever da instituição financeira comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, provando que enviou tais boletos e que a inadimplência somente poderia ser atribuída ao autor (art. 373 , II , CPC ). Observa-se que o promovido não impugnou a alegação de inviabilidade técnica sustentada pelo autor, nem a afirmativa deste no sentido de que compareceu pessoalmente à agência bancária e que, mesmo assim, não solucionou o impasse. Nessa toada, tem-se que o promovido não logrou êxito em se desincumbir do seu ônus processual. 7. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, unanimemente, em conhecer e dar provimento ao recurso interposto, nos termos do voto da relatora.