RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À ALIENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ADQUIRENTE. DESCABIMENTO DE PRETENSÃO FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS E SUB-ROGAÇÃO. ARTS. 286 , 290 , 346 , 347 , 349 , 884 , CAPUT, E 927 DO CÓDIGO CIVIL . PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA MORALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365 /1941. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO E DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMAS DO STJ. JURISPRUDÊNCIA INERCIAL. ARTS. 926 , CAPUT, E 927 , § 4º , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL . HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Estavam afetados à sistemática dos Repetitivos (Tema 1.004) os presentes autos e o Recurso Especial 1.750.660/SC . 2. O julgamento da matéria foi interrompido por ter a eminente Ministra Assusete Magalhães pedido vista do Recurso Especial 1.750.660/SC , tendo sido o presente feito adiado na ocasião. 3. Na sessão em que a Ministra Assuste Magalhães proferiu seu Voto-Vista no referido Recurso Especial 1.750.660/SC , o julgamento do Tema 1.004 foi concluído, fixando a Primeira Seção a seguinte TESE: "Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele for realizada quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excepcionam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente". 4. Impõe-se, assim, o julgamento deste feito em consonância com o entendimento fixado pela Primeira Seção no Tema 1.004. JURISPRUDÊNCIA UNIFORME, EM SEIS PRECEDENTES, DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA: JULGADO RECENTE DA RELATORIA DA MINISTRA REGINA HELENA COSTA 5. Em 2018, apreciando caso idêntico ao dos autos - Ação de Desapropriação Indireta contra o Deinfra, subscrita pelo mesmo Advogado que atua neste processo (e no REsp 1.750.656/SC , que chegou a ser incluído na mesma afetação), cuja causa de pedir era a implantação de Rodovia no Estado de Santa Catarina (SC-483) -, a Primeira Seção, em Embargos de Divergência decididos à unanimidade, adotou o seguinte entendimento: "O acórdão embargado seguiu orientação da jurisprudência desta Corte, segundo a qual caso a aquisição do bem tenha sido realizada quando existentes restrições no imóvel, fica subentendido que a situação foi considerada na fixação do preço do bem. Não se permite, por meio de ação expropriatória indireta, o ressarcimento de prejuízo que a parte evidentemente não sofreu." (AgInt nos EREsp 1.533.984/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 22.6.2018) 6. Em seu voto, a eminente Relatora bisou precedentes da Primeira Seção. Tão sólida foi a compreensão de que esse entendimento estava pacificado no STJ que a Seção julgou protelatório o Agravo Interno, que insistia na premissa de o adquirente posterior do imóvel afetado ter direito à indenização, motivo pelo qual se puniu o autor da ação com multa de 1% sobre o valor atualizado da causa. LEADING CASE INICIAL DA PRIMEIRA SEÇÃO: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA 254.246/SP 7. No contexto de acórdão publicado em março de 2007, o tema já havia sido submetido, por muitos meses, a amplo e intenso debate na Primeira Seção, na esteira de Embargos de Divergência, juntados vários Votos-Vista (EREsp 254.246/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 12.3.2007). Nesse leading case, o Relator consignou: "Se, quando da realização do negócio jurídico relativo a compra e venda de imóvel, já incidiam restrições administrativas [...] subentende-se que, na fixação do respectivo preço, foi considerada a incidência do referido gravame [...] Não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas." Na ocasião, enfatizou o Ministro Castro Meira que o fundamento para pagamento da indenização não estaria presente, pois "a aquisição posterior do imóvel não justifica a alegação de surpresa com o ato praticado pelo Estado que teria causado desvalorização à propriedade". Já o Ministro Teori Albino Zavascki alertou para a deturpação das finalidades da norma de regência da temática: "Subjaz a essa orientação o entendimento de que o princípio constitucional da justa indenização visa a proteger o direito de propriedade, mas não a fomentar enriquecimento indevido, à base de pura especulação imobiliária." OUTROS PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO 8. Há outros precedentes da Primeira Seção, em convergência com o julgado da Relatoria da Ministra Regina Helena Costa. Transcrevo-os (em ordem cronológica): 8.1. "não se pode falar em prejuízo porque, quando da compra e venda do imóvel, já incidiam as restrições administrativas impostas pelos citados decretos e, na fixação do preço do negócio, também se consideraram essas restrições de uso." (EREsp 209.297/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 13.8.2007) 8.2. "é descabida qualquer indenização quando a aquisição do imóvel se der após a ocorrência da limitação administrativa", reconhecendo-se "a falta de interesse de agir do desapropriado ... na ação indenizatória originária, tendo em conta que se trata de imóvel adquirido após a implementação da limitação administrativa." ( AR 2.075/PR , Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 23.9.2009). Nesse julgamento, consignou, em Voto-Vista, o Ministro Teori Zavascki: "É orientação firmemente assentada na jurisprudência dessa Seção a de que o proprietário atual não tem direito de haver indenização por limitações administrativas pré-existentes à data da aquisição do imóvel." Por sua vez, o Ministro Luiz Fux, também em Voto escrito, explanou que "a Seção tem entendimento uníssono" no sentido de negar ao "proprietário atual" indenização por restrições "pré-existentes à data da aquisição do imóvel", e isso porque "a solução contrária viola o Princípio da Justa Indenização" (grifos acrescentados). 8.3. "A jurisprudência da Primeira Seção desta Corte de Justiça firmou-se em que, nas hipóteses em que já incidiam as restrições administrativas decorrentes da criação do parque ecológico no momento da venda do imóvel, é incabível a indenização a título de desapropriação indireta, não havendo falar, em casos tais, em sub-rogação do direito à indenização da empresa antes controlada." (AgRg nos EREsp 765.872/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 27.4.2010). Votaram com o Relator os Ministros Eliana Calmon, Luiz Fux, Castro Meira, Humberto Martins, Benedito Gonçalves, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques). 8.4. "não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas pela legislação estadual." (EAREsp 407.817/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJe 3.6.2009, invocando e ratificando, nesse ponto, o leading case acima citado, EREsp 254.246/SP). JURISPRUDÊNCIA MAJORITÁRIA DAS DUAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO 9. Afinados com a diretriz uniformizada, a partir de 2007, pela Primeira Seção, colecionam-se, em ordem cronológica, acórdãos das duas Turmas de Direito Público: 8.1. "Tendo o recorrente adquirido o imóvel após a criação do Parque Ecológico, conhecendo as limitações a ele impostas, vê-se mitigado o direito indenizatório do proprietário." ( REsp 258.709/SP , Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJU de 24.2.2003) 9.2. "Não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido, sabidamente, imóvel que haveria de ser utilizado com respeito às restrições que já haviam sido impostas por leis estaduais." ( AgRg no Ag 404.715/SP , Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJU de 3.11.2004) 9.3. "É inadmissível a propositura de ação indenizatória na hipótese em que a aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos atos normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis." ( REsp 746.846/SP , Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJU 20.9.2007, p. 224). 9.4. Ausente direito à indenização, pois "os particulares adquiriram a propriedade após a edição do Decreto Estadual. Indenização indevida". ( REsp 1.059.491/SP , Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 30.9.2009) 9.5. "Não cabe indenização pela limitação administrativa decorrente da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, se o imóvel foi adquirido quando já incidiam as restrições impostas pelo Estado de São Paulo." ( REsp 686.410/SP , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.11.2009) 9.6. "É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido após o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." ( REsp 1.126.525/SP , Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25.5.2010) 9.7. "É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido após o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." ( REsp 920.170/PR , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.8.2011). 9.8. "O novo proprietário não pode se locupletar indevidamente do direito de indenização a ser pago pelo Estado, pois não foi ele quem sofreu prejuízo com a intervenção do expropriante em sua propriedade." ( AgInt no REsp 1.413.228/SC , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, 12.6.2017, grifo acrescentado). 9.9. "é indevido o direito à indenização se o imóvel foi adquirido após a imposição de limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." ( AgInt no REsp 1.713.268/SC , Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 15.8.2018). 10. No entanto, sobretudo antes da pacificação da matéria no âmbito da Primeira Seção (2007), encontram-se nas Turmas numerosos precedentes com entendimento oposto, entre outros, "O fato de os expropriados haverem adquirido as terras após a constituição do Parque não exclui o direito à indenização, nem limita a sua quantificação, porquanto, os adquirentes se sub rogaram, ao adquirir o imóvel, no domínio, posse, direito e ações." ( REsp 209.297/SP , Rel. Ministro Paulo Medina, Segunda Turma, DJ 10.3.2003, p. 138); "Na desapropriação indireta quem adquire a propriedade imóvel, já ocupada pela expropriante, mas antes de efetuado o pagamento justo, subroga-se no direito à indenização, inclusive no tocante à percepção dos juros compensatórios, devidos desde a ocupação do imóvel." ( REsp 9.127/PR , Rel. Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, DJU de 20.5.1991). Mais recentemente, p. ex., AgInt no REsp 1.608.246/SC , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 3.8.2018; AgInt no REsp 1.503.703/SC , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 8.8.2018. 11. A referência merece terceira posição (intermediária, com dois precedentes nas Turmas), que condiciona a transmissão da pretensão indenizatória a que o novo adquirente prove que, pelo imóvel, pagou preço que espelha o valor anterior ao esbulho: "para o atual proprietário do bem fazer jus ao valor da indenização, pela desapropriação indireta, seria necessário que demonstrasse nos autos que o adquiriu pelo seu preço antes da desvalorização advinda do apossamento administrativo" ( AgInt no REsp 1.413.228/SC , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 6.6.2017). Por igual: REsp 1.424.653/SC , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10.10.2016. OBSERVÂNCIA, NO DIREITO PÚBLICO, DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA 12. No Direito Público, com maior razão até que no Direito Privado, hão de ser aplicados, rigorosamente e na maior extensão possível, os princípios da boa-fé objetiva e da proibição de enriquecimento sem causa. Especificamente quanto à questão controvertida nos autos, repita-se trecho da lição, em Voto-Vista, do Ministro Teori Zavaski: "subjaz à proibição de cobrança, pelo novo proprietário, de indenização por restrição ou esbulho administrativo, o entendimento de que o princípio constitucional da justa indenização visa a proteger o direito de propriedade, mas não a fomentar enriquecimento indevido, à base de pura especulação imobiliária." E conclui: demanda como a dos presentes autos "representa não o exercício de um direito, mas uma invocação abusiva do direito" (EREsp 254.246/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 12.3.2007, grifo acrescentado). DEBATES APROFUNDADOS E ELUCIDATIVOS NA SESSÃO DE JULGAMENTO 12. Na sessão em que a eminente Ministra Assusete Magalhães proferiu seu Voto-Vista no Recurso Especial 1.750.660/SC , afetado juntamente com este feito para julgamento sob a sistemática dos repetitivos, foram aprofundados e elucidativos os debates acerca da questão central do Recurso Especial. O Ministro Francisco Falcão, acompanhando a divergência, pontuou: "Essa matéria já foi amplamente discutida em 2005, em 2006, no período em que eu era Presidente da Primeira Seção [...] E, sabedor de que quem adquiriu a propriedade sabia que havia restrição sobre aquela gleba, sobre aquele título de domínio, não tenho como modificar esta jurisprudência já pacificada no STJ." Por sua vez, o Ministro Sérgio Kukina rememorou que a matéria está associada à chamada "indústria da desapropriação". Tal patologia, nas suas palavras, "sempre gerou perplexidade, precatórios que se repetiam [...] tudo de fato desenhando esse cenário que não foi auspicioso, principalmente para o Erário e, portanto, para os contribuintes". O Ministro Benedito Gonçalves ponderou que, embora tenha havido oscilação na jurisprudência, "chegou-se o momento de definir as situações que foram bem postas aqui, firmando uma posição". Da posição majoritária discordou o Ministro Og Fernandes, acompanhando o Relator originário, arguindo que, ao se negar a possibilidade de cessão/sub-rogação, se estaria "colocando o Estado numa situação de privilégio, que beira a um enriquecimento ilícito". Em esmerado Voto-Vogal escrito, a Ministra Assusete Magalhães não se opõe, na essência, à linha jurisprudencial da Primeira Seção sobre a vedação de cessão/sub-rogação, desde que se trate de constrição provinda de limitação administrativa ou normativa, cenário em que, nas suas palavras, realmente quem adquire após a constrição "não pode pretender obter depois indenização pela existência dessa limitação administrativa". Logo, "em se tratando de limitação administrativa, aplica-se, sim, esse entendimento" da Primeira Seção. Contudo, inferiu que, na hipótese dos autos, a situação é distinta, discrímen que afasta a pertinência dos precedentes arrolados, por "versarem sobre pedidos de indenização em decorrência de limitações administrativas, que não envolveram o apossamento ou o esbulho da propriedade pela Administração Pública". Vale dizer, a jurisprudência da Primeira Seção permanece íntegra no universo próprio das limitações administrativas ou normativas, mas não no espaço da desapropriação indireta por apossamento físico (esbulho, como neste processo, para execução de pavimentação de estrada) de parcela do imóvel. Daí não irromper fundamento jurisprudencial apto a obstar, in casu, a alegada cessão/sub-rogação. Finalmente, pontuou a Ministra Regina Helena Costa, sufragando o encaminhamento majoritário, não se justificar impedir a cessão/sub-rogação apenas nos casos de limitação administrativa. Se o fundamento dessa vedação é a recognição, sob o pálio de princípios caros ao Direito, de que o adquirente não sofreu os efeitos da intervenção do Estado, igual entendimento deve ser aplicado em situações de desapropriação como a dos autos, pois, "em sendo esbulho, em sendo apossamento, é a própria supressão do direito de propriedade". INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365 /1941 13. A arguição de ofensa ao art. 31 do Decreto-Lei 3.365 /1941 não se sustenta. A previsão de que "ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado" resguarda os interesses daqueles que, antes da desapropriação, sejam titulares de ônus ou direitos reais sobre o imóvel (hipoteca, penhor, alienação fiduciária, enfiteuse, usufruto, uso, habitação). 14. A questão jurídica dos autos é completamente dessemelhante. Ela se atém a pleito de cessão/sub-rogação entre o proprietário original e o adquirente, resultante de alienação do bem após intervenção, apossamento ou esbulho administrativo. Não guarda, portanto, correlação alguma com a ratio do art. 31, que se cinge a prescrever que, na desapropriação, pleitos de titulares de ônus e direitos reais sobre o imóvel são "sub-rogados no preço", de maneira a deixar para o Estado o bem livre de qualquer vínculo ou constrição. Transferem-se, por conseguinte, eventuais prerrogativas de terceiros para o "bolo geral" do quantum a ser desembolsado pela Fazenda Pública como indenização. Com isso, esclarece-se que o proprietário deverá compartilhar o pagamento com outros sujeitos interessados, detentores de direitos ou ônus sobre o bem. DEFINIÇÃO DA TESE REPETITIVA 15. Diante do exposto, quem adquire imóvel após apossamento administrativo não pode, em nome próprio, por lhe faltar legitimidade ativa e interesse de agir, cobrar indenização. 16. O caso deve ser solucionado nos termos do Tema 1.004: "Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele for realizada quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excepcionam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente". RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 17. As particularidades deste processo, em comparação com o citado Recurso Especial 1.750.660/SC , são mínimas (p. ex., o imóvel não foi adquirido por doação, mas por compra e venda). Quanto ao resto, o caso é idêntico: Ação de Indenização por Desapropriação Indireta proposta contra o Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina (Deinfra) pela instalação de rodovia, tendo-se consignado no acórdão recorrido: "ficando evidente que os autores adquiriram o imóvel desapossado após o início das obras da rodovia que o atravessa, não há que se falar em direito a indenização, sendo, portanto, improcedente o pedido inicial" (fl. 400, e-STJ). 18. Da mesma forma, os recorrentes se inserem na ressalva feita na tese repetitiva (vulnerabilidade), pois são "pequenos agricultores" (fl. 5, e-STJ), casados, pleiteando indenização por um imóvel avaliado por perito em R$ 15.918,52 (quinze mil, novecentos e dezoito reais e cinqüenta e dois centavos) (fl. 95, e-STJ). 19. Consequentemente, devem baixar à origem. CONCLUSÃO 20. Recurso Especial provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 , determinando-se a devolução dos autos à origem para que se prossiga com o julgamento.
Direito Constitucional, tributário e processual civil. Ações diretas de inconstitucionalidade. Averbação da Certidão de Dívida Ativa (CDA) em órgãos de registro e indisponibilidade de bens do devedor em fase pré-executória. 1. Ações diretas contra os arts. 20-B , § 3º , II, e 20-E da Lei nº 10.522 /2002, com a redação dada pela Lei nº Lei nº 13.606 /2018, que (i) possibilitam a averbação da certidão de dívida ativa em órgãos de registros de bens e direitos, tornando-os indisponíveis, após a conclusão do processo administrativo fiscal, mas em momento anterior ao ajuizamento da execução fiscal; e (ii) conferem à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional o poder de editar atos regulamentares. 2. Ausência de inconstitucionalidade formal. Matéria não reservada à lei complementar. Os dispositivos impugnados não cuidam de normas gerais atinentes ao crédito tributário, pois não interferem na regulamentação uniforme acerca dos elementos essenciais para a definição de crédito. Trata-se de normas procedimentais, que determinam o modo como a Fazenda Pública federal tratará o crédito tributário após a sua constituição definitiva. 3. Constitucionalidade da averbação da certidão de dívida ativa em registros de bens e direitos em fase anterior ao ajuizamento da execução fiscal. A mera averbação da CDA não viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, a reserva de jurisdição e o direito de propriedade. É medida proporcional que visa à proteção da boa-fé de terceiros adquirentes de bens do devedor, ao dar publicidade à existência da dívida. Além disso, concretiza o comando contido no art. 185 , caput, do Código Tributário Nacional , que presume “fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”. Tal presunção legal é absoluta, podendo ser afastada apenas “na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”. 4. Inconstitucionalidade material da indisponibilidade de bens do devedor na via administrativa. A indisponibilidade tem por objetivo impedir a dilapidação patrimonial pelo devedor. Todavia, tal como prevista, não passa no teste de proporcionalidade, pois há meios menos gravosos a direitos fundamentais do contribuinte que podem ser utilizados para atingir a mesma finalidade, como, por exemplo, o ajuizamento de cautelar fiscal. A indisponibilidade deve respeitar a reserva de jurisdição, o contraditório e a ampla defesa, por se tratar de forte intervenção no direito de propriedade. 5. Procedência parcial dos pedidos, para considerar inconstitucional a parte final do inciso IIdo § 3º do art. 20-B, onde se lê “tornando-os indisponíveis”, e constitucional o art. 20-E da Lei nº 10.522 /2002, ambos na redação dada pela Lei nº 13.606 /2018.
EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO FINANCEIRO. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL, DEFERIMENTO. LEIS N. 15.878 /2015, 13.480/2004 E 12.643/1996, DO ESTADO DO CEARÁ. RECURSOS MONETÁRIOS DEPOSITADOS NO SISTEMA DE CONTA ÚNICA DE DEPÓSITOS SOB AVISO À DISPOSIÇÃO DA JUSTIÇA, INSTITUÍDO PELA LEI Nº 12.643, DE 4 DE DEZEMBRO DE 1996. TRANSFERÊNCIA, NA PROPORÇÃO DE 70% DO SALDO TOTAL EXISTENTE, COMPREENDENDO O PRINCIPAL, A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E OS JUROS CORRESPONDENTES AOS RENDIMENTOS, PARA A CONTA DO TESOURO ESTADUAL, COM EXCLUSÃO DOS DEPÓSITOS DE QUE TRATA A LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 151 , DE 5 DE AGOSTO DE 2015. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, A POLÍTICA DE CRÉDITO E TRANSFERÊNCIA DE VALORES, DIREITO CIVIL E PROCESSUAL, BEM COMO NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AFRONTA À SEPARAÇÃO DOS PODERES E AO DIREITO DE PROPRIEDADE. CARACTERIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. INCREMENTO DE ENDIVIDAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. 1. Aditamento do pedido para incluir como objeto da presente ação direta as Leis Estaduais nº 13.480/2004 e 12.643/1996 2. A Lei nº 12.643/1996 instituiu o Sistema Financeiro da "Conta Única de Depósitos Sob Aviso à Disposição da Justiça”, a compreender os recursos provenientes de depósitos judiciais e demais aplicações financeiras no Poder Judiciário. Saldos das subcontas desse sistema financeiro sem movimentação há mais de 2 anos transferidos à conta principal: receita pública sujeita a uso e aplicação pelo Poder Judiciário na obras de construção do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. 3. A Lei nº 13.480/2004 determinou a transferência dos recursos provenientes de depósitos judiciais integrantes da Conta Única de Depósitos Judiciais (instituída pela Lei nº 12.643/96) para a Conta Única do Tesouro Estadual. Transferência de 70% dos recursos acumulados. Remessa à Conta Única do Tesouro Estadual, à disposição do Poder Executivo, para despesas com segurança pública e defesa social e com o Sistema Penitenciário do Estado. Fundo de reserva constituído pelos 30% remanescentes na Conta Única de Depósitos Judiciais. 4. A Lei nº 15.878 /2015 do Estado do Ceará disciplina que os depósitos judiciais deverão ser transferidos para conta do Tesouro Estadual e aplicados na recomposição dos fluxos de pagamento e do equilíbrio atuarial do fundo de previdência do Estado do Ceará, bem como em despesas classificadas como investimentos nos termos do § 4º do art. 12 da Lei Federal nº 4.320 , de 17 de março de 1964, além de no custeio da Saúde Pública. 5. Veiculação de normas que caracterizam a usurpação da competência da União para legislar sobre: (i) o Sistema Financeiro Nacional (art. 21 , VIII , CF ); (ii) a política de crédito e transferência de valores (art. 22 , VII e 192 , CF ); (iii) direito civil e processual (art. 22, I); e (iv) normas gerais de direito financeiro (art. 24 , I , CF )– atuação além dos limites de sua competência suplementar, ao prever hipóteses e finalidades não estabelecidas na norma geral editada pela União. 6. O tratamento legal revela desarmonia do sistema de pesos e contrapesos (art. 2º , CF ). Ingerência do Executivo nos numerários depositados por terceiros em razão de processos nos quais o ente federativo não faz parte. Comprometimento da autonomia financeira. 7. Configuração de expropriação de valores pertencentes aos jurisdicionados, em afronta ao direito de propriedade (art. 5º , XXII , CF ). Quantias não tributárias e transitórias, depositadas por terceiros em processos nos quais o Estado não figura como parte, usadas para custear despesas estatais sem o consentimento dos depositantes. Caracterização de empréstimo compulsório não previsto no artigo 148 da Constituição da Republica . 8. Criação, pela lei estadual impugnada, de um endividamento inconstitucional afastado das hipóteses de dívida pública albergadas pela Carta Magna – violação do artigo 167 , III . 9. Os atos normativos declarados inconstitucionais, não obstante viciados na sua origem, possibilitaram o manejo dos recursos depositados judicialmente. Modulação dos efeitos da decisão para assentar a validade do ato normativo até a data da publicação da ata do presente julgamento. 10. Pedido da ação direta julgado procedente, para declarar a inconstitucionalidade das Leis nº 15.878 /2015, 13.480/2004 e 12.643/1996, todas do Estado do Ceará, com efeitos ex nunc a contar da data da publicação da ata do julgamento.
EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito Tributário. PIS /COFINS. Incidência sobre a receita ou o faturamento. Sistema FUNDAP/ES. Importação por conta e ordem de terceiros. Base de cálculo. Receita auferida com a intermediação. Especifidades fáticas do caso concreto. Revenda das mercadorias importadas. Impossibilidade de se rever o entendimento do tribunal de origem. Incidência da Súmula nº 279/STF. 1. Considerada a estruturação de operações de importação, cujo desembaraço aduaneiro ocorre em estados federados que, por questões geográficas e logísticas, concentram as zonas alfandegárias primárias, o Tribunal tem considerado relevante a indagação de quem foi o importador, a pessoa efetivamente responsável pelo negócio jurídico que subsidiou a operação que trouxe os produtos ao território nacional. 2. Conquanto o regime do FUNDAP e os pressupostos de incidência do ICMS sejam matérias de competência estadual que não interferem na incidência do PIS e da COFINS, tributos de competência da União, as orientações da Corte acerca do propósito negocial que subsidiou a operação de importação de bens ou mercadorias ao território nacional também são determinantes na análise do pressuposto de fato necessário à ocorrência do fato gerador dessas contribuições. 3. O regime de importação por conta e ordem de terceiro, no contexto do sistema FUNDAP, foi agasalhado pela legislação federal. Nos termos da MP nº 2.158-35/01, nas operações de importação realizadas no âmbito do FUNDAP, a incidência do PIS e da COFINS poderá se dar sobre o valor da prestação de serviços - na importação por conta e ordem de terceiros - ou sobre o valor total da importação, que representará o faturamento do adquirente - na importação em nome próprio. 4. Se a importadora é contratada para prestar o serviço de importação por conta e ordem de terceiros (clientes), figurando explicitamente como consignatária nos pertinentes documentos de importação, não efetuando, assim, operação de venda, a base de cálculo da COFINS e do PIS será a receita auferida com os serviços de intermediação comercial e de outras prestações de serviços efetivadas para o contratante. 5. O tribunal de origem foi categórico na assertiva de que a empresa importadora aderente ao sistema FUNDAP emitiu nota fiscal representativa de revenda das mercadorias importadas, fato que não se ajusta ao chamado contrato de consignação. A situação fática soberanamente firmada pelo tribunal de origem realmente não se ajusta à importação por conta e ordem de terceiro. Verificar, no caso concreto, se a recorrente operou ou não por meio desse tipo de contrato ou mesmo se revendeu ou não as mercadorias importadas importaria no revolvimento do conjunto fático e probatório dos autos, providência vedada em sede de apelo extremo, a teor da Súmula nº 279/STF. 6. Recurso extraordinário não provido, propondo-se a seguinte redação para a tese da repercussão geral do tema nº 391: "É infraconstitucional, e sobre ela incide a Súmula nº 279/STF, com aplicação dos efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à base de cálculo da COFINS e do PIS na importação feita no âmbito do sistema FUNDAP quando tal controvérsia for fundada na análise dos fatos e das provas que originaram o negócio jurídico subjacente à importação e no enquadramento como operação de importação por conta e ordem de terceiro de que trata a MP nº 2.158-35/2001."
Encontrado em: no âmbito do sistema FUNDAP, quando fundada na análise dos fatos e provas que originaram o negócio jurídico subjacente à importação e no enquadramento como operação de importação por conta e ordem de terceiro
EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO FINANCEIRO. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. LEI N. 6.704/2015 DO ESTADO DO PIAUÍ. DEPÓSITOS JUDICIAIS E ADMINISTRATIVOS, COM NATUREZA TRIBUTÁRIA OU NÃO-TRIBUTÁRIA, REALIZADOS EM PROCESSOS VINCULADOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. TRANSFERÊNCIA, PARA UTILIZAÇÃO PELO PODER EXECUTIVO, DE 70% DO MONTANTE ATUALIZADO. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, A POLÍTICA DE CRÉDITO E TRANSFERÊNCIA DE VALORES, DIREITO CIVIL E PROCESSUAL, BEM COMO NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AFRONTA À SEPARAÇÃO DOS PODERES E AO DIREITO DE PROPRIEDADE. CARACTERIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. INCREMENTO DE ENDIVIDAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PRECEDENTES. CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. PROCEDÊNCIA. 1. A Lei nº 6.704/2015 do Estado do Piauí disciplina a transferência dos depósitos judiciais em dinheiro referentes a processos judiciais – tributários ou não tributários, realizados em processos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí –, bem como dos depósitos em processos administrativos, independentemente de o Estado ser ou não parte, para conta única do Poder Executivo. Finalidade de custeio da previdência social, pagamento de precatórios e amortização da dívida com a União. Veiculação de normas que caracterizam a usurpação da competência da União para legislar sobre: (i) o Sistema Financeiro Nacional (art. 21 , VIII , CF ); (ii) a política de crédito e transferência de valores (art. 22 , VII e 192 , CF ); (iii) direito civil e processual (art. 22, I); e (iv) normas gerais de direito financeiro (art. 24 , I , CF )– atuação além dos limites de sua competência suplementar, ao prever hipóteses e finalidades não estabelecidas na norma geral editada pela União. 2. O tratamento legal revela desarmonia do sistema de pesos e contrapesos (art. 2º , CF ). Ingerência do Executivo nos numerários depositados por terceiros em razão de processos nos quais o ente federativo não faz parte. Comprometimento da autonomia financeira. 3. Configuração de expropriação de valores pertencentes aos jurisdicionados, em afronta ao direito de propriedade (art. 5º , XXII , CF ). Quantias não tributárias e transitórias, depositadas por terceiros em processos nos quais o Estado não figura como parte, usadas para custear despesas estatais sem o consentimento dos depositantes. Caracterização de empréstimo compulsório não previsto no artigo 148 da Constituição da Republica . 4. Criação, pela lei estadual impugnada, de um endividamento inconstitucional, afastado das hipóteses de dívida pública albergadas pela Carta Magna – violação do artigo 167 , III . 5. Pedido da ação direta julgado procedente, tornando definitiva a medida cautelar.
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À ALIENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ADQUIRENTE. DESCABIMENTO DE PRETENSÃO FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS E SUB-ROGAÇÃO. ARTS. 286 , 290 , 346 , 347 , 349 , 884 , CAPUT, E 927 DO CÓDIGO CIVIL . PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA MORALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365 /1941. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO E DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMAS DO STJ. JURISPRUDÊNCIA INERCIAL. ARTS. 926 , CAPUT, E 927 , § 4º , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL . HISTÓRICO DA DEMANDA 1. O 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina admitiu, com fundamento no inciso IV do art. 1.030 do Código de Processo Civil , o presente Recurso Especial como representativo da controvérsia. A Primeira Seção proferiu decisão de afetação, assim delimitando a tese controvertida: "análise acerca da sub-rogação do adquirente de imóvel em todos os direitos do proprietário original, inclusive quanto a eventual indenização devida pelo Estado, ainda que a alienação do bem tenha ocorrido após o apossamento administrativo." 2. Na origem, trata-se de Ação de Indenização por Desapropriação Indireta contra o Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina (Deinfra), sob a alegação de que, no curso de pavimentação da Rodovia SC-303, houve parcial apossamento material dos imóveis das autoras. O Tribunal de Justiça deliberou que, após o apossamento, ocorrido em 13.5.1981, os imóveis foram transmitidos por doação às autoras em 12.5.1982. Declarou, então, "de ofício, a ilegitimidade ativa dos apelados, para reformar a sentença e extinguir o feito sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485 , VI , do Código de Processo Civil de 2015 (art. 267 , VI, do CPC/1973 )." 3. Na fundamentação, o acórdão recorrido lembrou que "o Superior Tribunal de Justiça passou a impor, como requisito para a procedência do pleito indenizatório, prova, por parte do atual proprietário, de que o valor pago correspondia ao montante antes da desvalorização oriunda do apossamento [...] O raciocínio visa evitar a obtenção de vantagem indevida pelo adquirente, que supostamente paga valor inferior ao original, e ainda postula indenização correspondente a perda não suportada por si." (fl. 195, e-STJ, grifo acrescentado). IDENTIFICAÇÃO DA DIVERGÊNCIA 4. Com brilhantismo, objetividade e erudição característicos de seus pronunciamentos, o eminente Relator, Ministro Gurgel de Faria, deu provimento ao pleito e, na sistemática dos Recursos Especiais Repetitivos, propôs a seguinte tese: "Os adquirentes dos imóveis submetidos à desapropriação indireta sub-rogam-se no direito de receber indenização se, ao tempo do negócio, não tiver havido respectivo pagamento ao antigo proprietário, nem averbação no Cartório de Registro de Imóveis das dimensões atualizadas, sendo irrelevante o fato de a alienação ter ocorrido após o esbulho ou a conclusão da obra pública, cabendo ao expropriante o ônus da prova acerca da ausência de prejuízo." 5. A divergência, no âmago, se resume a duas questões principais, inter-relacionadas umbilicalmente: a) o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da proibição de enriquecimento sem causa - refinados e potencializados no Direito Privado - aplicam-se, na sua plenitude, ao Direito Público e, nomeadamente, à desapropriação indireta, em si uma construção pretoriana? b) à luz desses cânones - e também do princípio da moralidade -, é legítimo, no campo da desapropriação, àquele que adquire o bem, após apossamento administrativo material ou normativo, sub-rogar-se nos direitos do cedente para fins de pleitear indenização contra o Estado? JURISPRUDÊNCIA UNIFORME, EM SEIS PRECEDENTES, DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA: JULGADO RECENTE DA RELATORIA DA MINISTRA REGINA HELENA COSTA 6. Em 2018, apreciando caso idêntico ao dos autos - Ação de Desapropriação Indireta contra o Deinfra, subscrita pelo mesmo Advogado que atua neste processo (e no REsp 1.750.656/SC , que chegou a ser incluído na mesma afetação), cuja causa de pedir era a implantação de Rodovia no Estado de Santa Catarina (SC-483) -, a Primeira Seção, em Embargos de Divergência decididos à unanimidade, adotou o seguinte entendimento: "O acórdão embargado seguiu orientação da jurisprudência desta Corte, segundo a qual caso a aquisição do bem tenha sido realizada quando existentes restrições no imóvel, fica subentendido que a situação foi considerada na fixação do preço do bem. Não se permite, por meio de ação expropriatória indireta, o ressarcimento de prejuízo que a parte evidentemente não sofreu." (AgInt nos EREsp 1.533.984/SC, Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 22.6.2018). 7. Em seu voto, a eminente Relatora bisou precedentes da Primeira Seção. Tão sólida foi a compreensão de que esse entendimento estava pacificado no STJ que a Seção julgou protelatório o Agravo Interno, que insistia na premissa de o adquirente posterior do imóvel afetado ter direito à indenização, motivo pelo qual se puniu o autor da ação com multa de 1% sobre o valor atualizado da causa. LEADING CASE INICIAL DA PRIMEIRA SEÇÃO: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA 254.246/SP 8. No contexto de acórdão publicado em março de 2007, o tema já havia sido submetido, por muitos meses, a amplo e intenso debate na Primeira Seção, na esteira de Embargos de Divergência, juntados vários Votos-Vista (EREsp 254.246/SP, Relator Min. João Otávio de Noronha, DJ 12.3.2007). Nesse leading case, o Relator consignou: "Se, quando da realização do negócio jurídico relativo a compra e venda de imóvel, já incidiam restrições administrativas [...] subentende-se que, na fixação do respectivo preço, foi considerada a incidência do referido gravame [...] Não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas." Na ocasião, enfatizou o Ministro Castro Meira que o fundamento para pagamento da indenização não estaria presente, pois "a aquisição posterior do imóvel não justifica a alegação de surpresa com o ato praticado pelo Estado que teria causado desvalorização à propriedade". Já o Ministro Teori Albino Zavascki alertou para a deturpação das finalidades da norma de regência da temática: "Subjaz a essa orientação o entendimento de que o princípio constitucional da justa indenização visa a proteger o direito de propriedade, mas não a fomentar enriquecimento indevido, à base de pura especulação imobiliária." OUTROS PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO 9. Há outros precedentes da Primeira Seção, em convergência com o julgado da Relatoria da Ministra Regina Helena Costa. Transcrevo-os (em ordem cronológica): 9.1 "não se pode falar em prejuízo porque, quando da compra e venda do imóvel, já incidiam as restrições administrativas impostas pelos citados decretos e, na fixação do preço do negócio, também se consideraram essas restrições de uso." (EREsp 209.297/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 13.8.2007). 9.2 "é descabida qualquer indenização quando a aquisição do imóvel se der após a ocorrência da limitação administrativa", reconhecendo-se "a falta de interesse de agir do desapropriado ... na ação indenizatória originária, tendo em conta que se trata de imóvel adquirido após a implementação da limitação administrativa." ( AR 2.075/PR , Relator Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 23.9.2009). Nesse julgamento, consignou, em Voto-Vista, o Ministro Teori Zavascki: "É orientação firmemente assentada na jurisprudência dessa Seção a de que o proprietário atual não tem direito de haver indenização por limitações administrativas pré-existentes à data da aquisição do imóvel." Por sua vez, o Ministro Luiz Fux, também em Voto escrito, explanou que "a Seção tem entendimento uníssono" no sentido de negar ao "proprietário atual" indenização por restrições "pré-existentes à data da aquisição do imóvel", e isso porque "a solução contrária viola o Princípio da Justa Indenização" (grifos acrescentados). 9.3 "A jurisprudência da Primeira Seção desta Corte de Justiça firmou-se em que, nas hipóteses em que já incidiam as restrições administrativas decorrentes da criação do parque ecológico no momento da venda do imóvel, é incabível a indenização a título de desapropriação indireta, não havendo falar, em casos tais, em sub-rogação do direito à indenização da empresa antes controlada." (AgRg nos EREsp 765.872/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 27.4.2010). Votaram com o Relator os Ministros Eliana Calmon, Luiz Fux, Castro Meira, Humberto Martins, Benedito Gonçalves, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques). 9.4 "não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas pela legislação estadual." (EAREsp 407.817/SP, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJe 3.6.2009, invocando e ratificando, nesse ponto, o leading case acima citado, o EREsp 254.246/SP). JURISPRUDÊNCIA MAJORITÁRIA DAS DUAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO 10. Afinados com a diretriz uniformizada, a partir de 2007, pela Primeira Seção, colecionam-se, em ordem cronológica, acórdãos das duas Turmas de Direito Público: 10.1 "Tendo o recorrente adquirido o imóvel após a criação do Parque Ecológico, conhecendo as limitações a ele impostas, vê-se mitigado o direito indenizatório do proprietário." ( REsp 258.709/SP , Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJU de 24.2.2003). 10.2 "Não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido, sabidamente, imóvel que haveria de ser utilizado com respeito às restrições que já haviam sido impostas por leis estaduais." ( AgRg no Ag 404.715/SP ,Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJU de 3.11.2004). 10.3 "É inadmissível a propositura de ação indenizatória na hipótese em que a aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos atos normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis." ( REsp 746.846/SP , Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJU 20.9.2007, p. 224). 10.4 Ausente direito à indenização, pois "os particulares adquiriram a propriedade após a edição do Decreto Estadual. Indenização indevida" ( REsp 1.059.491/SP , Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma,DJe 30.9.2009). 10.5 "Não cabe indenização pela limitação administrativa decorrente da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, se o imóvel foi adquirido quando já incidiam as restrições impostas pelo Estado de São Paulo." ( REsp 686.410/SP , Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.11.2009). 10.6 "É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido após o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." ( REsp 1.126.525/SP , Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25.5.2010). 10.7 "É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido após o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." ( REsp 920.170/PR , Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/8/2011). 10.8 "O novo proprietário não pode se locupletar indevidamente do direito de indenização a ser pago pelo Estado, pois não foi ele quem sofreu prejuízo com a intervenção do expropriante em sua propriedade." ( AgInt no REsp 1.413.228/SC , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, 12/6/2017, grifo acrescentado). 10.9 "é indevido o direito à indenização se o imóvel foi adquirido após a imposição de limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." ( AgInt no REsp 1.713.268/SC , Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 15.8.2018). 11. No entanto, sobretudo antes da pacificação da matéria no âmbito da Primeira Seção (2007), encontram-se nas Turmas numerosos precedentes com entendimento oposto, entre outros, "O fato de os expropriados haverem adquirido as terras após a constituição do Parque não exclui o direito à indenização, nem limita a sua quantificação, porquanto, os adquirentes se sub rogaram, ao adquirir o imóvel, no domínio, posse, direito e ações." ( REsp 209.297/SP , Relator Min. Paulo Medina, Segunda Turma, DJ 10.3.2003, p. 138); "Na desapropriação indireta quem adquire a propriedade imóvel, já ocupada pela expropriante, mas antes de efetuado o pagamento justo, subroga-se no direito à indenização, inclusive no tocante à percepção dos juros compensatórios, devidos desde a ocupação do imóvel." ( REsp 9.127/PR , Rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma, DJU de 20/5/91). Mais recentemente, p. ex., AgInt no REsp 1.608.246/SC , Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 3/8/2018; AgInt no REsp 1.503.703/SC , Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 8/8/2018. 12. A referência merece terceira posição (intermediária, com dois precedentes nas Turmas), que condiciona a transmissão da pretensão indenizatória a que o novo adquirente prove que, pelo imóvel, pagou preço que espelha o valor anterior ao esbulho: "para o atual proprietário do bem fazer jus ao valor da indenização, pela desapropriação indireta, seria necessário que demonstrasse nos autos que o adquiriu pelo seu preço antes da desvalorização advinda do apossamento administrativo" ( AgInt no REsp 1.413.228/SC , Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 6.6.2017). Por igual: REsp 1.424.653/SC , Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10.10.2016. OBSERVÂNCIA, NO DIREITO PÚBLICO, DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA 13. No Direito Público, com maior razão até que no Direito Privado, hão de ser aplicados, rigorosamente e na maior extensão possível, os princípios da boa-fé objetiva e da proibição de enriquecimento sem causa. Especificamente quanto à questão controvertida nos autos, repita-se trecho da lição, em Voto-Vista, do Min. Teori Zavaski: "subjaz à proibição de cobrança, pelo novo proprietário, de indenização por restrição ou esbulho administrativo, o entendimento de que o princípio constitucional da justa indenização visa a proteger o direito de propriedade, mas não a fomentar enriquecimento indevido, à base de pura especulação imobiliária." E conclui: demanda como a dos presentes autos "representa não o exercício de um direito, mas uma invocação abusiva do direito" (EREsp 254.246/SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ 12.3.2007, grifo acrescentado). DEBATES APROFUNDADOS E ELUCIDATIVOS NA SESSÃO DE JULGAMENTO 14. No colegiado, foram aprofundados e elucidativos os debates acerca da questão central do Recurso Especial. O Ministro Francisco Falcão, acompanhando a divergência, pontuou: "Essa matéria já foi amplamente discutida em 2005, em 2006, no período em que eu era Presidente da Primeira Seção [...] E, sabedor de que quem adquiriu a propriedade sabia que havia restrição sobre aquela gleba, sobre aquele título de domínio, não tenho como modificar esta jurisprudência já pacificada no STJ." Por sua vez, o Ministro Sérgio Kukina rememorou que a matéria está associada à chamada "indústria da desapropriação". Tal patologia, nas suas palavras, "sempre gerou perplexidade, precatórios que se repetiam [...] tudo de fato desenhando esse cenário que não foi auspicioso, principalmente para o Erário e, portanto, para os contribuintes". O Ministro Benedito Gonçalves ponderou que, embora tenha havido oscilação na jurisprudência, "chegou-se o momento de definir as situações que foram bem postas aqui, firmando uma posição". Da posição majoritária discordou o Ministro Og Fernandes, acompanhando o Relator originário, arguindo que, ao se negar a possibilidade de cessão/sub-rogação, se estaria "colocando o Estado numa situação de privilégio, que beira a um enriquecimento ilícito". Em esmerado Voto Vogal escrito, a Ministra Assusete Magalhães não se opõe, na essência, à linha jurisprudencial da Primeira Seção sobre a vedação de cessão/sub-rogação, desde que se trate de constrição provinda de limitação administrativa ou normativa, cenário em que, nas suas palavras, realmente quem adquire após a constrição "não pode pretender obter depois indenização pela existência dessa limitação administrativa". Logo, "em se tratando de limitação administrativa, aplica-se, sim, esse entendimento" da Primeira Seção. Contudo, inferiu que, na hipótese dos autos, a situação é distinta, discrímen que afasta a pertinência dos precedentes arrolados, por "versaram sobre pedidos de indenização em decorrência de limitações administrativas, que não envolveram o apossamento ou o esbulho da propriedade pela Administração Pública". Vale dizer, a jurisprudência da Primeira Seção permanece íntegra no universo próprio das limitações administrativas ou normativas, mas não no espaço da desapropriação indireta por apossamento físico (esbulho, como neste processo, para execução de pavimentação de estrada) de parcela do imóvel. Daí não irromper fundamento jurisprudencial apto a obstar, in casu, a alegada cessão/sub-rogação. Finalmente, pontuou a Ministra Regina Helena Costa, sufragando o encaminhamento majoritário, não se justificar impedir a cessão/sub-rogação apenas nos casos de limitação administrativa. Se o fundamento dessa vedação é a recognição, sob o pálio de princípios caros ao Direito, de que o adquirente não sofreu os efeitos da intervenção do Estado, igual entendimento deve ser aplicado em situações de desapropriação como a dos autos, pois "em sendo esbulho, em sendo apossamento, é a própria supressão do direito de propriedade". INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365 /1941 15. A arguição de ofensa ao art. 31 do Decreto-Lei 3.365 /1941 não se sustenta. A previsão de que "ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado" resguarda os interesses daqueles que, antes da desapropriação, sejam titulares de ônus ou direitos reais sobre o imóvel (hipoteca, penhor, alienação fiduciária, enfiteuse, usufruto, uso, habitação). 16. A questão jurídica dos autos é completamente dessemelhante. Ela se atém a pleito de cessão/sub-rogação entre o proprietário original e o adquirente, resultante de alienação do bem após intervenção, apossamento ou esbulho administrativo. Não guarda, portanto, correlação alguma com a ratio do art. 31, que se cinge a prescrever que, na desapropriação, pleitos de titulares de ônus e direitos reais sobre o imóvel são "sub-rogados no preço", de maneira a deixar para o Estado o bem livre de qualquer vínculo ou constrição. Transferem-se, por conseguinte, eventuais prerrogativas de terceiros para o "bolo geral" do quantum a ser desembolsado pela Fazenda Pública como indenização. Com isso, esclarece-se que o proprietário deverá compartilhar o pagamento com outros sujeitos interessados, detentores de direitos ou ônus sobre o bem. DEFINIÇÃO DA TESE REPETITIVA 17. Diante do exposto, quem adquire imóvel após apossamento administrativo não pode, em nome próprio, por lhe faltar legitimidade ativa e interesse de agir, cobrar indenização. 18. Na linha do julgado recente desta Primeira Seção (AgInt nos EREsp 1.533.984/SC, Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 22.6.2018), propõe-se a fixação da seguinte tese: "Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele ocorrer quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excetuam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente." RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 19. Conforme o acórdão recorrido, "a transmissão originária, às autoras, ocorreu por doação do imóvel de matrícula n. 5988, em 12 de maio de 1982 (fls. 22-26), da qual resultaram os desmembramentos e matrículas que justificam o manejo da presente ação. De outro lado, a perícia foi clara ao responder indagação formulada por ambas as partes, e também pelo juízo, a respeito do momento em que se deu o apossamento administrativo, o que fez nos seguintes termos: 'A data do apossamento é 13.05.1981'" (fls. 197-198, e-STJ). 20. No caso, o imóvel foi recebido por doação, um ano após o apossamento, e as recorrentes são sujeito vulnerável, fazendo jus ao benefício da justiça gratuita (fl. 37, e-STJ), o que evidencia boa-fé objetiva e atrai a exceção prevista na tese apresentada. 21. Devem os autos baixar à origem, para que, afastada a preliminar de ilegitimidade ativa, dê-se prosseguimento ao julgamento. CONCLUSÃO 22. Recurso Especial provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 , determinando-se a devolução dos autos à origem para que, afastada a preliminar de ilegitimidade ativa, se prossiga no julgamento.
Direito constitucional. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Vacinação obrigatória de crianças e adolescentes. Ilegitimidade da recusa dos pais em vacinarem os filhos por motivo de convicção filosófica. 1. Recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que determinou que pais veganos submetessem o filho menor às vacinações definidas como obrigatórias pelo Ministério da Saúde, a despeito de suas convicções filosóficas. 2. A luta contra epidemias é um capítulo antigo da história. Não obstante o Brasil e o mundo estejam vivendo neste momento a maior pandemia dos últimos cem anos, a da Covid-19, outras doenças altamente contagiosas já haviam desafiado a ciência e as autoridades públicas. Em inúmeros cenários, a vacinação revelou-se um método preventivo eficaz. E, em determinados casos, foi a responsável pela erradicação da moléstia (como a varíola e a poliomielite). As vacinas comprovaram ser uma grande invenção da medicina em prol da humanidade. 3. A liberdade de consciência é protegida constitucionalmente (art. 5º, VI e VIII) e se expressa no direito que toda pessoa tem de fazer suas escolhas existenciais e de viver o seu próprio ideal de vida boa. É senso comum, porém, que nenhum direito é absoluto, encontrando seus limites em outros direitos e valores constitucionais. No caso em exame, a liberdade de consciência precisa ser ponderada com a defesa da vida e da saúde de todos (arts. 5º e 196), bem como com a proteção prioritária da criança e do adolescente (art. 227). 4. De longa data, o Direito brasileiro prevê a obrigatoriedade da vacinação. Atualmente, ela está prevista em diversas leis vigentes, como, por exemplo, a Lei nº 6.259 /1975 (Programa Nacional de Imunizações) e a Lei nº 8.069 /90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente ). Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional. Mais recentemente, a Lei nº 13.979 /2020 (referente às medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19), de iniciativa do Poder Executivo, instituiu comando na mesma linha. 5. É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico. Diversos fundamentos justificam a medida, entre os quais: a) o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva); e c) o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos ( CF/1988 , arts. 196 , 227 e 229 ) (melhor interesse da criança). 6. Desprovimento do recurso extraordinário, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. MOTORISTA PROFISSIONAL. SUSPENSÃO DE HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O recorrido, motorista profissional, foi condenado, em razão da prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, à pena de alternativa de pagamento de prestação pecuniária de três salários mínimos, bem como à pena de suspensão da habilitação para dirigir, prevista no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro , pelo prazo de dois anos e oito meses. 2. A norma é perfeitamente compatível com a Constituição . É legítimo suspender a habilitação de qualquer motorista que tenha sido condenado por homicídio culposo na direção de veículo. Com maior razão, a suspensão deve ser aplicada ao motorista profissional, que maneja o veículo com habitualidade e, assim, produz risco ainda mais elevado para os demais motoristas e pedestres. 3. Em primeiro lugar, inexiste direito absoluto ao exercício de atividade profissionais ( CF , art. 5º , XIII ). É razoável e legítima a restrição imposta pelo legislador, visando proteger bens jurídicos relevantes de terceiros, como a vida e a integridade física. 4. Em segundo lugar, a medida é coerente com o princípio da individualização da pena ( CF , art. 5º , XLVI ). A suspensão do direito de dirigir do condenado por homicídio culposo na direção de veículo automotor é um dos melhores exemplos de pena adequada ao delito, já que, mais do que punir o autor da infração, previne eficazmente o cometimento de outros delitos da mesma espécie. 5. Em terceiro lugar, a medida respeita o princípio da proporcionalidade. A suspensão do direito de dirigir não impossibilita o motorista profissional de auferir recursos para sobreviver, já que ele pode extrair seu sustento de qualquer outra atividade econômica. 6. Mais grave é a sanção principal, a pena privativa de liberdade, que obsta completamente as atividades laborais do condenado. In casu, e com acerto, substituiu-se a pena corporal por prestação pecuniária. Porém, de todo modo, se a Constituição autoriza o legislador a privar o indivíduo de sua liberdade e, consequentemente, de sua atividade laboral, em razão do cometimento de crime, certamente também autoriza a pena menos gravosa de suspensão da habilitação para dirigir. 7. Recurso extraordinário provido. 8. Fixação da seguinte tese: É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional condenado por homicídio culposo no trânsito.