EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO COMINADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE ADESÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DISSONÂNCIA ENTRE A CONTRATAÇÃO REALIZADA E A INTENÇÃO DO CONSUMIDOR. INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE MANEIRA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. CONVERSÃO DO CONTRATO DE ADESÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO PARA O DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. PERÍCIA TÉCNICA. ILIQUIDEZ. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO PREJUDICADO. SENTENÇA REFORMADA. 1. No caso demandado, a parte autora alega que firmou com o banco réu um contrato de aquisição de cartão de crédito para desconto em folha de pagamento. Afirmou que inobstante a contratação de cartão de crédito não o utilizou para compras mensais, as que fez durante o período foram pagas e que os valores cobrados referem-se a um empréstimo o qual já foram descontadas 134 parcelas até o mês de dezembro de 2021. Requer, assim, a cessação dos descontos, revisão das cláusulas contratuais do contrato de cartão de crédito, conversão do contrato de crédito rotativo em contrato de mútuo fixando-se os juros em 2% ao mês, sem capitalização, bem como condenação da parte ré na devolução em dobro dos valores já descontados, valor a ser apurado em liquidação de sentença e indenização por dano moral. A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente a pretensão inicial, declarando a abusividade das cláusulas contratuais em relação ao desconto mensal da reserva de margem consignável referente ao empréstimo/cartão em discussão, determinando que o contrato celebrado entre as partes seja tratado como contrato de empréstimo pessoal consignado, no tocante aos valores sacados pela parte autora, sujeitando-se à taxa média de juros no mercado para cada uma dessas operações, nos termos da Súmula n.º 63 do TJGO e da jurisprudência colacionada, sob pena de aplicação de multa de 500,00 (quinhentos reais) para cada desconto realizado na forma indevida, aplicada ilimitadamente; determinando que o débito remanescente, caso exista, seja pago em 60 (sessenta) parcelas, com incidência da taxa média de juros do mercado, sendo o reescalonamento apurado por cálculos a serem apresentados pela Promovente onde fique especificado: c.1) O valor do empréstimo/saque; c. 2) o valor já pago (com a juntada dos comprovantes das parcelas/descontos em folha de pagamento); c. 3) a taxa média de juros fixada pelo Banco Central para o período (disponível no site oficial do Banco); c. 4) eventual quitação; c. 5) eventual valor a ser restituído à Promovente; no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não recebimento de eventual pedido de Execução de Sentença; bem ainda condenou o promovido, após a liquidação da sentença, ao pagamento de eventuais valores pagos a maior pela parte autora, de forma simples, incidindo correção monetária pelo INPC a partir do pagamento indevido e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação. 2. Irresignado, o promovido interpôs recurso inominado aduzindo que a sentença merece reforma aduz preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível para apreciação das ações revisionais de contrato, prescrição e no mérito aduz a validade do negócio jurídico e a regularidade dos descontos. Pugna pela reforma da sentença e total improcedência dos pedidos. 3. Controvérsia que reside em decidir sobre ocorrência de falta de informação clara ao consumidor sobre a modalidade de contratação de cartão de crédito consignado. 4. Relação de consumo configurada, razão pela qual há de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor ao caso ora colocado sob julgamento. À luz do artigo 6º, III, combinado com artigo 39, IV, ambos da lei consumerista pátria, são direitos básicos do consumidor, dentre outros, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, decorrendo daí o direito à informação e o direito à transparência. 5. Nesse toar, configura-se afronta a esses direitos o fornecedor de crédito que concede empréstimo consignado para quitação como se cartão de crédito fosse, num claro desvirtuamento do negócio, porque a operação, na realidade, é de mútuo feneratício e não de cartão de crédito. Ausente a demonstração clara pela instituição financeira de que prestou a devida informação ao consumidor a respeito do produto comercializado, no caso, o cartão de crédito consignado, de modo que independentemente de sua utilização será descontado uma reserva de margem consignável (RMC) por prazo indeterminado, configurada está a violação ao preceito legal insculpido no artigo 39 do CDC . 6. Consoante dicção do artigo 47 da lei consumerista pátria, ?as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor?, de modo que na dúvida entre a modalidade de contrato celebrado entre as partes (de cartão de crédito consignado e ou de crédito consignado) há que se admitir a celebração do contrato menos oneroso ao consumidor. 7. Acerca do tema cartão de crédito consignado, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás editou a Súmula nº 63 , declarando a abusividade das cláusulas contratuais resultantes desse tipo de contratação: ?Os empréstimos concedidos na modalidade 'Cartão de Crédito Consignado' são revestidos de abusividade, em ofensa ao CDC , por tornarem a dívida impagável em virtude do refinanciamento mensal, pelo desconto apenas da parcela mínima devendo receber o tratamento de crédito pessoal consignado, com taxa de juros que represente a média do mercado de tais operações, ensejando o abatimento no valor devido, declaração de quitação do contrato ou a necessidade de devolução do excedente, de forma simples ou em dobro, podendo haver condenação em reparação por danos morais, conforme o caso concreto?. 8. Caso concreto em que, inobstante a nítida abusividade do contrato, há de ser reconhecida de ofício a incompetência do Juízo. Conforme disposto no artigo 38 , parágrafo único da Lei nº 9.099 /95, em sede de Juizados Especiais, ?não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida, ainda que genérico o pedido?. Assim, para que seja prolatada sentença líquida, as deduções a título de reserva de margem consignável (RMC) relativas a cartão de crédito consignado precisam ser em valores fixos, o que não se verifica no presente caso. 9. In casu, não há como dar prosseguimento ao feito perante este Juízo, pois que necessária uma perícia contábil para se apurar o que há de ser realmente pago pelo consumidor ao credor, e os descontos mensais da RMC não são fixos, sendo estes variáveis; circunstância que inviabiliza a realização de cálculos simples e o proferimento de sentença líquida sem necessidade de perícia contábil. 10. Nesse sentido já decidiu esta Corte a respeito no Recurso Inominado nº 5358895.74, de Relatoria do Juiz Dr. Héber Carlos de Oliveira e nos Recursos Inominados nº 5505198.22 e nº 5009017.62 de minha Relatoria. 11. Nesse vértice, uma vez que para o deslinde da demanda perante o Juizado Especial Cível se faz necessária a realização de uma perícia contábil, bem como a liquidação de sentença em seu cumprimento para apurar valores exatos, há que se declarar a incompetência do Juízo para conhecer e julgar a presente ação. 12. Recurso prejudicado. Sentença cassada, para reconhecer a incompetência dos Juizados Especiais para o deslinde da causa e extinguir o feito sem resolução do mérito, nos termos do que dispõe o artigo 51 , II da Lei nº 9.099 /95. 13. Por consequência processual lógica fica a tutela deferida nestes autos revogada. 14. Sem condenação do recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do artigo 55 da Lei nº 9.099 /95.